Apenas parte do quebra-cabeça
Jorge Queiroz*
A essência da recuperação judicial vai além do aspecto jurídico. A nova Lei de Recuperação trouxe avanços, com inúmeras opções para o salvamento dos negócios viáveis, inclusive na falência, que prioriza a continuidade e a venda do negócio.
O novo ordenamento jurídico constitui o arcabouço cujo objeto é dotar o processo de recuperação com os marcos regulatórios legais que representa uma pequena parte do que pode ser um grande e complexo quebra-cabeça. A essência do salvamento de um negócio é econômico-administrativa e não jurídica. Não é o novo diploma legal que está sob provação, mas a atuação e competência da cúpula das empresas, do Judiciário e dos credores, dos quais de fato depende o êxito do processo – cabe a eles deliberar com lucidez a solução mais adequada a cada situação. Poder Judiciário e credores deverão atuar no sentido de coibir abusos, medidas protelatórias e fraudes, que geram perdas incalculáveis.
Os juízes têm um papel central no processo recuperatório: dependendo de sua atuação, negócios viáveis podem ser extintos enquanto outros inviáveis podem enveredar por caminho procrastinatória infindável, com grande destruição de valor em ambos os casos.
É necessário observar se a crise emana de erros de gestão (nos países desenvolvidos implica substituição do comando e líderes), viabilidade, celeridade e cumprimento dos prazos, pois o processo degenerativo é contínuo e também elaborar plano consistente de salvação que elimine incertezas – esse "dever de casa" é uma das pré-condições da recuperação, sem a qual será difícil lograr a reestruturação de balanço e a atração de novos recursos para fomentar a empresa. Por fim, salvá-la.
Esta seqüência é denominada by the book. Todos os passos devem ocorrer. É igualmente importante a escolha do administrador judicial, com as qualificações exigidas – que sua função precípua é bem mais ampla que a do comissário e síndico na antiga lei, mormente considerando que atua dentro da empresa e necessita de ampla vivência em gestão, finanças, controle e operações em situações de crise.
O gigantesco e bem-sucedido processo de recuperação judicial da americana United Airlines é um exemplo. Em 2002 possuía US$ 24 bilhões e US$ 23 bilhões em ativos e passivos, respectivamente, e rejeição a pedido de apoio governamental. Em três anos, com uma nova gestão, alta credibilidade e plano bem executado, reduziu US$ 7 bilhões/ano em custos, US$ 8 bilhões a dívida e 20 mil funcionários (68 mil em 2001) e 100 aeronaves na frota. Obteve US$ 3 bilhões em novos recursos. Teve o apoio dos bancos e fornecedores desde o inicio de sua reabilitação.
Negócios viáveis têm boas perspectivas de recuperação desde que condicionados a maior consciência preventiva; correção de rumo nos primeiros sinais de alerta; envolvimento preventivo dos credores; atuação do Judiciário – varas especializadas, intercâmbio, treinamento contínuo; envolvimento de especialista em recuperação; mercado secundário de dívida; fundos de investimentos especializados. O processo de aperfeiçoamento da aplicação da nova lei requer iniciativas proativas por parte do Judiciário, dos bancos, dos fundos de investimento e empresas, o que atrairá novos investimentos, reduzindo o risco financeiro e o spread bancário.
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*Presidente do Instituto Brasileiro de Gestão e Turnaround (IBGT), especialista em recuperações de difícil solução
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