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Mortes em Orlando e as razões da violência

É necessário conter pela lei e pelos costumes a possibilidade permanente de brutalidade e barbarismo na natureza humana.

21/6/2016

Os assassinatos em Orlando levam a duas conclusões: não se tratou de um crime político e foi uma tragédia com a qual os EUA e os demais países do mundo têm que aprender a lidar. Um dos maiores desafios do Século XXI é o enfrentamento das razões do aumento da violência interna nos países e na contumácia da prática de atos de crueldade contra seus próprios nacionais - por razões políticas, religiosas, étnicas, sexuais, tribais etc. O que equivale a dizer que ‘os modelos’ usados para explicar o comportamento dos criminosos devem ser, atualmente, repensados.

Estudos recentes sugerem que pessoas comuns se transformam em criminosos cruéis e assassinos em massa, pelos motivos mais fúteis e banais. Nem sempre as explicações estão em fundamentações complexas. Passamos a convier com a maldade como se esta não pudesse ser evitada e afastada.

Pesquisas recentes evidenciam que os perpetradores de crimes contra as pessoas, hoje, não apenas querem praticar seus delitos, como também eliminar da face da terra a história, a cultura, as preferencias e até mesmo a linguagem de suas vitimas. Ademais, praticam seus crimes com extrema crueldade física e psíquica. Comunidades, grupos ou minorias inteiras existentes por séculos são eliminadas como se nunca tivessem existido antes. Sabe-se também que a grande maioria dos perpetradores é do sexo masculino, enquanto as vítimas são homens, mulheres e crianças.

Na prática, quando esses crimes são cometidos, como no caso recente de Orlando, os ânimos se agigantam e os debates acabam por confundir “intenção” e “motivo”. No direito penal internacional o “motivo” do crime é irrelevante. O que realmente importa é que o ato tenha sido “intencional” e não “acidental”.

Em razão da crueldade do ato praticado e de sua intenção de destruir e eliminar seres humanos da terra por razões de orientação moral, racial, intelectual, étnica, sexual, religiosa, política etc, os crimes são considerados “agravados”.

Outro aspecto que caracteriza a atrocidade dos crimes, como os ocorridos em Orlando - que vitimaram cerca de 100 pessoas, entre mortos e feridos, é desenvolvido com profundidade por James Waller, no seu livro “How Ordinary People Commit Genocide and Mass Killing – Becoming Evil” (2ª.ed.Oxford:University Press, 2007), quando ele se refere à “desconstrução psicológica do outro”. Os perpetradores querem a “morte social das vítimas”, a excomunhão delas da moral comum da comunidade, e buscam também o desenvolvimento da culpa nas vitimas e, muitas vezes, também, na sociedade.

A desumanização da vitima é o objetivo dos criminosos. Exatamente como em Orlando, quando o assassino pretendia acabar com grupos inteiros de homossexuais e latinos. Não sendo isso possível, ele se contenta em matar parte expressiva deles.

Não obstante os grandes progressos realizados no curso da história para abolir a segregação racial e esfriar as intolerâncias, que infestaram o Século XX e se acentuaram no Século XXI, não se conseguiu, até hoje, por fim as tendências mais repugnantes do etnocentrismo, da xenofobia e da intolerância às diferenças.

Repensar, portanto, as razões que fazem os seres humanos mais violentos ultimamente, nos põe frente a frente com um fenômeno que vem se desenvolvendo de forma galopante entre nós: o inato impulso de agressão do homem atinge características multiformes, e a crueldade (maldade) torna-se a força mais poderosa sobre a terra.

Já sabemos que a natureza humana é violenta. Também é sabido que as pulsões de vida e de morte se digladiam dentro de nós. Daí se conclui que as alternativas são poucas fora da educação e de leis em favor da tolerância e do pluralismo. E, o mais importante, devemos ensinar nossas crianças a desobedecer e resistir à cultura da crueldade e da desconsideração (ou desumanização) do outro. Razão pela qual o engajamento dos indivíduos em torno de mudanças fundamentais na educação (em todos os seus níveis e modalidades) é o primeiro passo fundamental, que deve ser concomitante com novas politicas públicas em direção ao refinamento da educação, dos costumes e da moral. É necessário conter pela lei e pelos costumes a possibilidade permanente de brutalidade e barbarismo na natureza humana.

Num contexto de tensão permanente, a cultura funciona como principal foco de resistência contra as insistentes investidas da violência humana – de seus caprichos. Somente o empenho continuado da cultura para alcançar altas doses de bondade, beleza e virtude pode vencer as forças abissais que arrastam o homem de volta à animalidade latente (Theodore Dalrymple). A ausência de meios eficazes para o controle dos excessos humanos serve de alavanca à degenerescência, porque os arranjos humanos são frágeis e instáveis sempre que não refinados pela educação, constrangidos pela moral e regulados pela lei.

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*Maristela Basso é advogada e professora de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP.


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