Existe no Brasil uma grande parcela da população que não tem condições de arcar com as despesas referentes às custas processuais exigidas para dar início a uma demanda judicial, pois com o pagamento destas poderia colocar em risco a sua própria subsistência ou de sua família. Trata-se da hipossuficiência econômica, que revela sério obstáculo ao acesso à Justiça.
Abordando especificamente a questão das custas judiciais – cujo pagamento é imperioso para fins de acesso ao Judiciário – surgem questões interessantes, algumas delas apontadas por Capelleti e Garth, no final da década de 801.
Os autores denunciaram a face obscura das "custas judiciais", chamando a atenção para os seguintes pontos: a) nas pequenas causas, ou os custos processuais excedem o montante da controvérsia ou, caso isso não aconteça, consomem o próprio conteúdo do pedido a ponto de tornar a demanda inócua; b) a relação jurídico-processual é morosa e, somada aos efeitos devastadores da inflação, acaba pressionando aqueles que são economicamente frágeis no sentido de abandonar as causas ou a aceitar acordos que não lhes favorecem - valores muito inferiores àqueles a que teriam direito.
Tais embates, vale dizer, foram trazidos para o sistema brasileiro, que carrega alguns avanços relevantes. Por exemplo, foram criados os Juizados Especiais e a Defensoria Pública (aspecto em que o país precisa evoluir muito, notadamente no sentido de fortalecimento da Instituição).
Mas, ainda sobre as custas judiciais, as dificuldades brasileiras denotam particularidade: aqui, subsiste considerável assimetria entre os valores cobrados pelos entes federados, inexistindo critérios lógicos a justificar referida disparidade.
Como bem observado por Boaventura de Sousa Santos: "[...] É verdade que o país é regionalmente muito diferenciado, mas mesmo assim há muita irracionalidade em matéria de custas [...]"2.
A questão chegou ao CNJ que, desde 2010, passou a contar com um grupo de trabalho voltado ao controle de arrecadação e recolhimento de custas judiciais. Hoje, aliás, há anteprojeto de lei que trata do estabelecimento de parâmetros na cobrança3.
No futuro, portanto, é possível que os custos de acesso ao Judiciário sejam mais proporcionais, atendendo a um critério uniformizado.
Aliás, não há como abordar o tema sem mencionar o instituto da "Justiça gratuita", cujos desígnios visam a justamente isentar os economicamente frágeis do recolhimento de custas e despesas do processo.
Incorporada no nosso ordenamento jurídico, desde a lei 1.060/50 e pelo preceito constitucional contido no art. 5º, LXXIV, determinando ao Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, agora a gratuidade da justiça, diferentemente do que ocorreu com o CPC/1973, ganhou Seção específica no novo Código de Processo Civil (lei 13.105/2015).
E parece bem interessante a ideia de sistematizar a matéria no âmbito da normativa processual, notadamente diante de sua relevância e aplicabilidade prática.
Sob a ótima da hermenêutica, em uma breve interpretação literal, a nova redação do CPC é mais clara e objetiva, o que garante maior segurança na aplicação do instituto da justiça gratuita. Adentrando em seu caráter teleológico, a norma vai refletir aquilo que é esperado pela sociedade como justo, reforçando a mens legis, ou seja, que o espírito da lei reside na proteção do hipossuficiente ao garantir o seu acesso à justiça.
Sem adentrar a fundo nas diversas inovações legais, vislumbra-se evolução, principalmente no que diz respeito à flexibilização do deferimento do instituto da justiça gratuita, donde poderá haver adequada proporcionalidade entre o princípio constitucional mencionado e o deferimento da gratuidade de justiça aos reais necessitados, na medida de suas necessidades econômicas, uma vez que não se traça uma linha de pobreza, por meio da qual será estabelecido um critério de hipossuficiência.
No que concerne ao acesso à justiça, esta descreve a capacidade de qualquer pessoa, independentemente da renda por ela auferida, de utilizar o sistema judicial para defender seus direitos e garantias, em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição, contido no direito de ação previsto no art. 5º, XXXV da Constituição Federal.
Veja-se, por exemplo, a "Justiça gratuita parcial", pela qual é possível que a gratuidade abarque alguns dos atos do processo ou, ainda, implique redução de parte das despesas. Isso sem falar na possibilidade de "parcelamento de despesas processuais"4.
Deixando de lado a falta de balizas quanto à utilização dos mecanismos mencionados acima (crítica, aliás, já feita por alguns processualistas5), o fato é que referidas inovações – se bem utilizadas – podem configurar ferramenta equânime no que diz respeito à satisfação do acesso à justiça, principalmente porque não se despreza a contraprestação pelo "uso" do Judiciário, mesmo em face daqueles litigantes, que são apenas "parcialmente necessitados" (sob o aspecto econômico).
Em tempos de crise, principalmente quando afetadas as camadas mais deficitárias da população, tais mecanismos processuais surgem em momento oportuno, de forma a suprir suas necessidades econômicas sem prejudicar a sua faculdade de defender seus direitos por meio da demanda judicial.
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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em Direito Público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, reitor da Unorp e membro ad hoc da CONEP/CNS/MS.
Denis Skorkowski é assessor jurídico de desembargador no TJ/SP e professor-corretor do IEDI.
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1 Projeto de Acesso à Justiça de Florença.
2 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da Justiça. 3ª Ed. Revista e ampliada.
3 CNJ.
4 §§s 5º e 6º do NCPC.
5 Novo CPC: o Lado B da Justiça Gratuita (aquilo que não gostaríamos de ouvir).