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A MP 727/16 – O programa de parcerias de investimentos (PPI): o planejamento e a avaliação de impacto regulatório

O programa estabeleceu normas relevantes à atividade regulatória estatal no âmbito dos setores de infraestrutura.

14/6/2016

1. Introdução

A MP 727, de 12.5.2016, regulou o denominado Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Trata-se de programa destinado “à ampliação e fortalecimento da interação entre o Estado e a iniciativa privada por meio da celebração de contratos de parceria para a execução de empreendimentos públicos de infraestrutura e de outras medidas de desestatização” (art. 1º).

A norma institui várias regras relevantes, relativamente a setores e aspectos essenciais aos investimentos em infraestrutura, regulação e prestação de serviços públicos à coletividade. O presente texto examinará alguns desses aspectos, atinentes à atividade regulatória estatal.

2. Objetivos do programa

O art. 2º da MP 727 definiu os objetivos do PPI. Há grandes linhas de objetivos, que passam pelo estímulo ao investimento, emprego e desenvolvimento tecnológico e industrial (inc. I), pela expansão da infraestrutura pública (inc. II), pela promoção da ampla e justa competição na celebração das parcerias e na prestação dos serviços (inc. III), pela garantia de estabilidade e segurança jurídicas, prevendo-se a mínima intervenção nos negócios e investimentos (inc. V), e pelo fortalecimento da atuação regulatória do Estado e da autonomia da entidades responsáveis pela regulação (inc. V).

A definição de tais princípios é relevante porque se destina a pautar a atuação da administração pública. Do modo como foram previstos, já servem como limite negativo à atuação da administração, impedindo que sejam adotadas medidas ou praticados atos incompatíveis com tais objetivos.

No entanto, sob o aspecto ativo, sem que sejam também estabelecidas regras e mecanismos concretos para que tais objetivos sejam atingidos, não há muito o que se extrair dos princípios que já não decorresse dos princípios estabelecidos pela Constituição e pela legislação (como a Lei de Processo Administrativo Federal – lei 9.784/99) que regulam e delimitam a atuação estatal.

É o caso, por exemplo, do estímulo ao investimento e ao desenvolvimento tecnológico, que dependem necessariamente da adoção de outras medidas específicas, não apenas de cunho normativo, mas também da prática de atos concretos para que haja efetivamente o estímulo perseguido pela norma.

Nesse ponto, é relevante que sejam editadas normas e regras complementares que concretizem e definam as condutas e providências que serão adotadas para que tais objetivos sejam atingidos no âmbito do PPI.

3. A base principiológica

Além dos objetivos, a MP 727 define igualmente os princípios a serem observados na implementação do PPI (art. 3º).

Prevê-se que devem ser respeitados a estabilidade das políticas públicas de infraestrutura (inc. I); a legalidade, qualidade, eficiência e transparência da atuação estatal (inc. II); e a máxima segurança jurídica aos agentes públicos, às entidades estatais e aos particulares envolvidos (inc. III).

Como mencionado acima a respeito dos objetivos, a definição expressa desses princípios é relevante, mas não suficiente para que sejam atingidos os objetivos concretos pretendidos com o novo programa.

Os princípios da legalidade, qualidade, eficiência e transparência da atuação estatal e da máxima segurança jurídica derivam de princípios há muito consagrados pela própria Constituição Federal (art. 37, dentre outros) e já previstos na legislação infraconstitucional (Lei 9.784/1999).

Em todo caso, a previsão da necessidade de respeito à estabilidade das políticas públicas de infraestrutura e o cuidado com a qualidade da atuação estatal são aspectos relevantes que complementam o regime jurídico de direito público já derivado das normas anteriormente existentes. Eles são relevantes enquanto diretrizes de atuação e limite negativo à atuação estatal.

4. A repercussão no âmbito da regulação estatal

A MP 727 estabelece também regras relevantes relativamente à atividade de regulação estatal (art. 6º).

4.1. As entidades abrangidas pelas determinações

Em primeiro lugar, o art. 6º da MP 727 define que “Os órgãos, entidades e autoridades da administração pública da União com competências relacionadas aos empreendimentos do PPI” deverão formular programas próprios para a adoção, no âmbito da atividade de regulação administrativa “das práticas avançadas recomendadas pelas melhores experiências nacionais e internacionais”.

4.2. Determinação da ação de práticas avançadas no âmbito da regulação

Define-se que a adoção de tais práticas será feita independentemente de exigência legal, o que pode suscitar discussões quando a adoção de determinada prática regulatória consagrada internacionalmente possa afetar direitos dos agentes regulados.

A interpretação mais adequada a ser dada ao comando normativo consiste na possibilidade de estabelecimento por normas regulatórias infralegais de práticas consagradas internacionalmente, sempre visando ao atendimento dos objetivos e pautado nos princípios estabelecidos pelos arts. 2º e 3º da MP 727. No entanto, se adoção dessas práticas implicar em supressão de direito ou criação de obrigação específica, não prevista anteriormente em lei, caberá a edição de norma legal específica. Trata-se de uma decorrência do princípio da legalidade.

Essa constatação não afasta a importância do dispositivo e da obrigação nele estabelecida, na medida em que uma boa parte da atuação regulatória se faz usualmente por meio de normas infralegais, tendo em vista um quadro normativo legal já estabelecido que concede margem de liberdade às entidades reguladoras da administração pública.

Assim, a adoção das “melhores práticas” regulatórias consagradas por organismos internacionais e pela prática internacional é recomendado e salutar. Trata-se de determinação que contribui para a qualidade da regulação no sistema jurídico brasileiro. No entanto, haverá limites à sua adoção, sempre que haja o estabelecimento de obrigação ou restrição que deva ser instituída por meio de lei.

4.3. O elenco exemplificativo das práticas

O caput do art. 6º estabelece que a adoção de práticas avançadas recomendadas por entidades internacionais e pautada na experiência nacional e internacional deverá contemplar uma determinada pauta mínima de práticas regulatórias.

Evidentemente, trata-se de elenco meramente exemplificativo. O surgimento ou consagração de novas práticas além daquelas expressamente identificadas nos incisos do art. 6º não impedirá a sua posterior adoção pela administração pública no âmbito de sua atuação regulatória.

4.4. A exigência de consulta pública

A primeira prática mencionada em dois dos incisos (incs. I e IV) corresponde à consulta pública, que corresponde à forma de participação da coletividade e dos interessados no processo de elaboração das normas regulatórias.

O inciso I estabelece que haverá consulta pública prévia para a edição de planos, regulamentos e atos que formalizem e tornem estáveis as políticas de Estado estabelecida pelo Executivo para os setores regulados.

Já o inciso IV define que haverá “consulta pública prévia quando da edição ou alteração de regulamentos e planos regulatórios setoriais”.

Trata-se de previsões salutares e que complementam a legislação que estabelece as regras aplicáveis às consultas e audiências públicas. Ambas as formas de participação são relevantíssimas para assegurar a transparência da atuação da administração e a efetiva ponderação e motivação das decisões a ser adotadas.

Sobre o assunto, confira-se: GUSKOW CARDOSO, André. As consultas e audiências públicas no âmbito do direito portuário: validade e eficácia. In: Direito Portuário Brasileiro (Org. Cesar Pereira e Rafael Wallbach Schwind), São Paulo: Marcial Pons, 2015, pp. 129-153.

4.5. A exigência de análise de impacto regulatório

Outra previsão extremamente relevante consiste na consagração da análise de impacto regulatório para as hipóteses de “edição ou alteração de regulamentos, planos regulatórios setoriais e outros atos regulatórios setoriais” (art. 6º, inc. II).

Antes da MP 727, o Decreto nº 4.176/2002 e o Decreto nº 6.062/2007 (PRO-REG) estabeleciam apenas previsões gerais e principalmente de cunho programático a respeito do tema. No entanto, não havia nenhuma previsão legal expressa instituindo a exigência de análise de impacto regulatório como a estabelecida pela MP 727. Justamente por isso, a sua adoção pelas entidades reguladoras era muito incipiente e inconstante.

A MP 727 define que a análise de impacto regulatório a ser promovida visa a “orientar a tomada das decisões e assegurar a eficiência, a eficácia, a coerência e a qualidade da política regulatória, com integral respeito às normas e direitos envolvidos”.

A exigência da realização da análise de impacto regulatório para a atuação regulatória do Estado é de extrema relevância. Trata-se de instrumento essencial e necessário para se assegurar a regularidade, validade e eficácia da regulação estatal.

Ele se relaciona principalmente com a consideração de todos os custos e benefícios relacionados com determinada medida regulatória. E, nesse sentido, permite o aperfeiçoamento – inclusive sob o ponto de vista do controle – da atuação do Estado.

Quanto a isso, já se indicou em outra oportunidade que “Por se tratar de ferramenta analítica compatível com a Constituição, a AIR deve ser utilizada em todas as ações regulatórias estatais. Se existe tal ferramenta, que é utilizada em vários países, o Estado brasileiro não pode deixar de utilizá-la. As vantagens que podem ser obtidas com a sua utilização, aliada à capacidade de concretização de princípios constitucionais expressos na realização de direitos fundamentais impõe a sua utilização em todos os níveis e esferas do Estado brasileiro” (GUSKOW CARDOSO, André. A Constituição brasileira e a análise de impacto regulatório. RT, Revista de Direito Administrativo Contemporâneo, vol. 3/2013, p. 135 – 158, Out - Dez/2013).

Como anteriormente não havia nenhuma norma geral específica que estabelecesse o dever de realização da análise de impacto regulatório, a sua previsão pela MP 727 adquire grande importância.

Afinal, a análise de impacto regulatório constitui ferramenta plenamente compatível com a Constituição brasileira. Mais do que isso, pode-se afirmar que os princípios e garantias consagrados pela Constituição (especialmente os da república, da transparência, da motivação, da eficiência, da boa administração e do devido processo legal, dentre outros) impõem a adoção da AIR nos processos de edição de normas regulatórias pelo Estado.

4.6. A coordenação da atuação das entidades governamentais

Outra exigência estabelecida pelo art. 6º consiste na imposição de coordenação da atuação das entidades governamentais responsáveis pela regulação e atuação em determinado projeto integrante do PPI.

Prevê-se basicamente duas formas para a ampliação dessa coordenação. A primeira consiste na “oitiva prévia das autoridades competentes quanto à consistência e aos impactos fiscais, econômicos e concorrenciais de medidas de regulação em estudo” (inc. III). A segunda corresponde à exigência de “articulação com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, para aumento da eficiência e eficácia das medidas de incentivo à competição e de prevenção e repressão das infrações à ordem econômica” (inc. VII).

Trata-se de previsões inovadoras, na medida em que estabelecem a necessidade de atuação prévia de outras entidades estatais na elaboração das medidas regulatórias.

Tome-se como exemplo os impactos fiscais. Nesse caso, a atuação das autoridades competentes vinculadas aos Ministérios do Planejamento e da Fazenda até era prevista anteriormente (pela lei de responsabilidade fiscal) nas hipóteses em que existisse a criação de despesas ou renúncia fiscal, mas não em todos os casos de edição de normas regulatórias.

Ademais, a exigência de coordenação assegura que a análise de impacto regulatório a ser realizada considere as manifestações e o exame do tema por parte das entidades governamentais com competências específicas relacionadas ao tema, como o CADE ou o Ministério da Fazenda, por exemplo. Com isso, garante-se que aspectos relevantes sejam examinados por parte de entidades especializadas, ampliando a discussão e o exame sobre as medidas regulatórias que se pretende implantar.

O risco da exigência de coordenação imposta pela MP 727 está na ampliação e multiplicação de instâncias de manifestação. A dúvida ou incerteza a respeito de quais entidades ou órgãos devem opinar pode acarretar atraso na edição da norma regulatória.

Então, caberá definir previamente e de modo expresso, preferencialmente por meio de regulamentação da MP 727, as entidades que poderão ser consultadas ou se manifestar no caso da edição de medidas regulatórias, a fim de que não haja a multiplicação de manifestações de diversas entidades, com prejuízo à própria adoção da providência regulatória que se pretende adotar – e, em última análise, do setor regulado.

4.7. A imposição do monitoramento e avaliação periódicos: o planejamento

Uma das práticas impostas pelo art. 6º da MP 727 relaciona-se sobretudo com a atividade de planejamento estatal. Trata-se da imposição do “monitoramento constante e avaliação anual quanto à execução e aos resultados das medidas de regulação previstas nas políticas, planos e regulamentos” (inc. V).

O monitoramento e avaliação periódicos da atuação regulatória estatal, tendo em vista inclusive a execução e os resultados das medidas de regulação, constitui aspecto essencial da atividade regulatória.

Esse monitoramento permitirá o acompanhamento constante da eficácia e da eficiência das medidas adotadas e possibilitará a sua eventual correção. Mais do que isso, fornecerá dados relevantes sobre a eficiência da atuação regulatória estatal, permitindo o aperfeiçoamento da atividade regulatória do Estado.

Evidentemente, a obtenção dos benefícios desse planejamento e monitoramento constantes depende de sua efetiva aplicação pelas entidades responsáveis pela regulação estatal e pela definição de critérios e parâmetros de acompanhamento adequados e compatíveis com os objetivos pretendidos com as medidas de regulação previstas.

Nesse sentido, caberá ampla regulamentação dessa exigência, de modo a uniformizar e tornar objetivas as providências e parâmetros de monitoramento e avaliação.

4.8. O reconhecimento da necessidade de eliminação de barreiras burocráticas

Por último, a MP 727 define que a regulação administrativa deverá levar em conta e assegurar a “eliminação de barreiras burocráticas à livre organização da atividade empresarial” (art. 6º, inc. VI).

Trata-se de previsão de caráter principalmente principiológico. De qualquer modo, a sua previsão expressa pela MP 727 estabelece diretriz clara que poderá ser exigida por parte dos agentes regulados e pela coletividade quando da edição de normas, planos e programas pelas entidades reguladoras estatais.

5. Conclusão

Portanto, não há dúvidas a respeito da importância das previsões da MP 727 relativas à atuação regulatória do Estado. Trata-se de previsões inovadoras e relevantes, que estabelecem exigências e determinações que podem efetivamente contribuir para o aperfeiçoamento da atividade reguladora estatal.

No entanto, a sua adoção dependerá, em alguns casos, da adoção de normas regulamentares adicionais, a fim de eliminar dúvidas ou incertezas na sua aplicação que possam suprimir os efeitos e comprometer o atingimento dos objetivos pretendidos pela MP 727.

Caberá também acompanhar a aplicação concreta de tais exigências por parte das entidades responsáveis pela regulação. A adoção de mecanismos dessa natureza depende, em parte, da instituição de procedimentos internos e estabelecimento de uma “nova” postura por parte dos reguladores, de modo a assegurar a eficiência dos mecanismos definidos pela MP 727.

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*André Guskow Cardoso é mestre em Direito do Estado pela UFPR e sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados.

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