O tema é rico e para que se possa iniciar uma reflexão sobre ele, jamais poderão ser esquecidas questões jurídicas, políticas e culturais que revestem a história do país.
O momento brasileiro é crítico no campo da moral e da ética e a história mostra não ser este País, infelizmente, nenhum neófito em tais assuntos, motivo pelo qual, qualquer análise ou estudo que se queira desenvolver, sempre esbarrará no item da corrupção, uma espécie de denominador comum de toda e qualquer equação que se proponha nesse âmbito.
A corrupção tem impregnado tanto e de tal forma este País, no curso da sua história, que é impossível olvidá-la, qualquer que seja a circunstância em que o assunto seja abordado.
O nosso iluminado Rui Barbosa, há um século, criticou veementemente a já então preocupante impudência da política nacional, com lúcida e mordaz observação:
“Política e politicalha não se confundem, não se relacionam uma com a outra. Antes se negam, se excluem, se repulsam mutuamente. A política é a arte de gerir o Estado, segundo princípios definidos, regras morais, leis escritas, ou tradições respeitáveis. A politicalha é a indústria de o explorar a benefício de interesses pessoais.”1
Finalizou o texto com estas palavras, bastante expressivas sobre o assunto: “toda a política se há de inspirar na moral. Toda a política há de emanar da moral. Toda a política deve ter a moral por norte, bússola e rota.”2
Fala-se muito hoje em necessidade de reforma política no País, inclusive com sugestões de mudança de regime.
Isto pode soar como se a adoção de novo modelo, a exemplo do parlamentarista, tivesse, em si, a suficiência e a qualidade, próprias para evitar e corrigir desvios ou moralizar atitudes, o que não é verdade.
A história relata que o parlamentarismo de 1961, que garantiu a posse de Jango Goulart, precedeu o golpe militar de 1964, assim como no Chile da década de 1950, antecedeu o absolutismo de Pinochet.
Está claro que a culpa obviamente não foi do regime, mas das circunstâncias e dos momentos das sociedades, independente da natureza dos moldes políticos.
Sobre a conveniência ou não da alteração de modelo político é bom ler o que escreveu o jurista e professor, Dr. Sergio Resende de Barros, quando alertou que qualquer providência sobre o assunto deve ser realizada com os pés no chão, pois: “o desenvolvimento histórico brasileiro é instável e sensível. Por si só, a instabilidade econômico-social ameaça a estabilidade jurídico-institucional. Não aumentemos o risco. Não é prudente fazermos experiências. Chega de experiências para atender ao tecnicismo acadêmico.”3
Os simpatizantes do modelo parlamentarista o apontam e afirmam ser meritório o seu caráter mais flexível e a possibilidade de, com a vantagem da rapidez, em caso de crises políticas, substituir-se o primeiro-ministro ou se destituir o parlamento, sem a resistência da quase garantia de permanência e cumprimento do mandato do chefe do governo, como sucede na forma presidencialista. Para estes, seria o ideal para o Brasil.
Outros, ao contrário, afirmam que em razão da crônica instabilidade sócio política do País, caso fosse aqui adotado o regime parlamentarista este, exatamente pela maior flexibilidade, pudesse eventualmente gerar tanta insegurança em razão da possibilidade de alterações constantes que, ao contrário de auxiliarem, mais desestabilizariam a nação.
O grande pensador Bertrand Russel, já advertia sobre o risco das buscas, imediatas e unipessoais, das soluções políticas, dizendo que não se pode esquecer que: “os povos desenvolvidos formam suas teorias políticas a partir de sua própria experiência, os subdesenvolvidos ou em desenvolvimento começam sua experiência política a partir de ideologias recebidas de fora e, o que é pior, sem examiná-las cuidadosamente.”4
Nessa mesma direção, o saudoso Miguel Reale, em O Estado Democrático de Direito e o Conflito das Ideologias, ao comparar os modelos parlamentarista e presidencialista no Brasil, afirmou que: “não há um modelo ideal de presidencialismo nem um modelo ideal de parlamentarismo (..). O que importa é não esquecer que, se um plebiscito já confirmou nossa preferência pelo presidencialismo, é nosso dever fazer incontinenti a revisão da Carta para a instauração de um sistema presidencial que, estabelecendo equilíbrio entre o Executivo e o Legislativo, seja pelo menos coerente e eficaz, atendendo às conjunturas especiais do País.”
Pela tradição, a mantença do regime presidencialista, desde que devidamente sanado dos vícios que o tornaram refém de um poder executivo quase ditatorial, bem assim a rigorosa observância à divisão tripartite dos poderes, ensinada pelo genial Charles Montesquieu, no famoso capítulo XI da sua eterna “L’esprit de Lois”, poderia ser o modelo mais aconselhável para o País, salvo melhor juízo dos que eventualmente discordem desta modesta manifestação.
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1 Rui Barbosa, Conceitos e Pensamentos, Ed. p. 367.
2 Dicionário de Conceitos e Pensamentos de Rui Barbosa, Luiz Rezende de Andrade Ribeiro, p. 336, Edart, São Paulo, 1967.
3 Artigo sobre Parlamentarismo e Presidencialismo, Professor Sergio Resende de Barros, clique aqui.
4 Bertrand Russell, citado por Miguel Reale, op cit., p. 47.
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*Lourival J. Santos é sócio da banca Lourival J. Santos – Advogados.