A pessoa jurídica de direito privado possui capacidade civil limitada às diretrizes das leis que a disciplinam, bem como à finalidade para qual aquela foi criada. Dessa forma a pessoa jurídica tem seus poderes descritos no seu contrato ou estatuto social, os quais devem estar em conformidade com as normas legais.
Nesse contexto, tem-se que a pessoa jurídica não possui a mesma liberdade em sua capacidade que uma pessoa física, de tal maneira que o seu uso se limita a determinados ramos do direito.
Assim, ensina Venosa:
Decorre daí que, enquanto a capacidade da pessoa natural pode ser ilimitada e irrestrita, a capacidade da pessoa jurídica é sempre limitada a sua própria órbita. Essa limitação não pode ser tal que nulifique as finalidades para as quais a pessoa foi criada, nem ser encarada de forma a fixar-se a atividade da pessoa jurídica apenas para a sua finalidade (VENOSA, 2014, p. 250).
(...)
A base jurídica da pessoa jurídica em sua ordem interna será sempre seu ato constitutivo, seus estatutos ou contrato social. Quando estes não contrariarem norma de ordem pública, prevalecerá sobre os dispositivos legais em prol da autonomia da vontade (VENOSA, 2014, p. 251).
Conhecendo sobre a capacidade da pessoa jurídica, segue-se para a sua responsabilidade, a qual pode ser dividida em duas espécies, quais sejam, contratual e extracontratual.
A responsabilidade civil contratual da pessoa jurídica de direito privado decorre da relação contratual firmada, respondendo a mesma por sua inadimplência, conforme o artigo 389 do Código Civil disciplina: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos e honorários de advogado.”.
Ressalta-se que as relações contratuais que envolvem pessoas jurídicas de direito público, em regra são disciplinadas pela Lei 8.666/93.
A responsabilidade civil extracontratual da pessoa jurídica de direito privado é aquela decorrente de danos causados por culpa ou dolo de seus prepostos, conforme preconiza o art. 186 cumulado com art. 932, inciso III, ambos do Código Civil:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
(...)
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
Diferente acontece com as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos e pessoas jurídicas de direito público, que por força do art. 37, §6º da Constituição Federal, respondem independente de dolo ou culpa, pelos danos causados por seus agentes, assegurado a pessoa jurídica de direito público o direito de regresso, previsto no artigo 43 do Código Civil.
Assim, verifica-se que a responsabilidade civil pode ser remetida a pessoa jurídica pela ocorrência de atos contratuais ou extracontratuais, por ato próprio ou por fato de outrem e ainda por atos lícitos ou ilícitos.
Ressalta-se que a responsabilidade civil pode ser decorrente de danos patrimoniais e extrapatrimoniais.
Dano patrimonial é aquele dano que é possível constatar um valor econômico, ou seja, atingiu diretamente ao patrimônio, já o dano extrapatrimonial não existe um valor econômico apreciável, tendo em vista que o dano ocorre contra a dignidade da pessoa.
Tecidas as considerações acerca da responsabilidade civil da pessoa jurídica de direito privado, tem-se que existindo o dano ao patrimônio de outrem, seja ele patrimonial ou extrapatrimonial, por culpa ou dolo de seus prepostos, ou ainda, decorrente da relação contratual havida entre as contratantes, configurada está a responsabilidade civil da sociedade em reparar o dano causado.
Entretanto, devemos nos atentar quanto a distinção da pessoa física do sócio e a sociedade, não se confundindo seus bens.
O antigo Código de Processo Civil determinava em seu artigo 596 que os bens particulares dos sócios não respondiam pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei. A redação se manteve no novo Código de Processo Civil, porém agora em seu artigo 795.
Em regra, os membros da sociedade só responderão por débitos ou danos causados a terceiros, dentro dos limites de seu capital social.
Tartuce discorre:
Como é notório, a regra é de que a responsabilidade dos sócios em relação às dívidas sociais seja sempre subsidiária, ou seja, primeiro exaure o patrimônio da pessoa jurídica, para depois e desde que o tipo societário adotado permita, os bens particulares dos sócios poderão ser responsabilizados diretamente” (TARTUCE, 2014, p. 251).
Mesmo nas sociedades irregulares, nas sociedades em nome coletivo, nas comanditas simples ou por ações, os sócios respondem de forma subsidiária, pelas obrigações sociais (GIARETA, NERY JUNIOR, 2010).
A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade decorrente da responsabilidade civil da mesma, está disciplinada no art. 50 Código Civil:
Em caso de abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
O tema também está insculpido no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor:
O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
Registra-se que nos casos de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade fundada no art. 50 do Código Civil, necessário se faz a comprovação do abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade e/ou a comprovação da confusão patrimonial.
O desvio de finalidade da pessoa jurídica, ocorre quando "os sócios ou administradores utilizam a sociedade para fins diversos daqueles almejados pelo legislador, isto é, fora do objeto societário". (FONSECA)
Confusão patrimonial se caracteriza pela mescla dos patrimônios dos criadores da pessoa com a pessoa jurídica e desse envolvimento chega-se a uma fraude praticada pela pessoa jurídica, com o fito de lesar terceiros.
A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, porém, não ocorre no primeiro momento do processo, sendo que à princípio a sociedade responde com todos os seus bens, sendo a responsabilidade do sócio, conforme já dito, subsidiária.
O Novo Código de Processo Civil alterou o procedimento para efetivação da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, criando um capítulo próprio – Do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, sendo que a primeira mudança aparente está na impossibilidade de o juiz requerer ex oficio.
Dessa forma, o julgamento da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade pelo juiz, depende do requerimento da parte contrária, não podendo o próprio magistrado declarar de ofício.
Ressalta-se, ainda, que preconiza o artigo 135 do Código Civil que haverá citação para que no prazo de 15 dias, o sócio ou a pessoa jurídica, se manifestem ou requeiram provas, demonstrando aqui, que o legislador se preocupou em garantir o contraditório, antes que ocorra bloqueio ou mesmo a penhora de bens particulares.
O novo Código de Processo Civil preocupou-se no geral em garantir o bom andamento processual, atentando-se principalmente ao sócio, para que não ocorra erro processual e material quanto a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica e ofensa ao bem particular do sócio.
A teoria da desconsideração existe para garantir que obrigações de natureza civil (GIARETA, NERY JUNIOR, 2010).
Tem-se, portanto, que para que ocorra a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, vários requisitos sejam comprovados, além da garantida processual de ter a oportunidade de o sócio apresentar sua defesa e provas.
Ante o exposto, conclui-se, que a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, prevista no artigo 50 do Código Civil, visa coibir os sócios do abuso da personalidade jurídica a fim de evitar prejuízo a terceiros, sendo que em contrapartida o procedimento adotado pelo novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15) para a efetivação da desconsideração, visa proteger a pessoa do sócio, priorizando o contraditório, evitando, desse modo, a aplicação indiscriminada da responsabilização dos sócios, sendo necessário para a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica neste caso, além do reconhecimento da insuficiência de bens do devedor, a comprovação do desvio da finalidade da sociedade e/ou a confusão patrimonial entre os bens dos sócios e da sociedade.
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Referências
BRASIL, Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor.
_____, Lei 13.105, de 16 de Março de 2015 – Código de Processo Civil.
_____, Lei 10.406, de 10 de Janeiro de 2002 - Código Civil.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Teoria geral do direito civil. 31 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade – organizadores. Responsabilidade civil: Direito de empresa e exercício da livre iniciativa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Lei de introdução e parte geral. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2014.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2014.
FONSECA, Luciana Carvalho - Elementos da Teoria da Desconsideração da personalidade jurídica e a Disregard Doctrine - in https://www.oab-pa.org.br/artigos/ElementosPersonalidade.pdf.
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*Bruno César Silveira das Graças é advogado no escritório Barbero Advogados.