Migalhas de Peso

Transparência e Conformidade no combate à corrupção

É forçoso que o meio empresarial na sua inteireza mostre coesão e dê exemplo de engajamento no combate permanente à corrupção.

7/6/2016

Vigendo desde Janeiro de 2014 a Lei 12.843/13, comumente chamada de Lei Anticorrupção trouxe para a legislação pátria ditames legais bem definidos sobre a responsabilidade jurídica das empresas no país e impôs à realidade do mundo corporativo a importância da cultura do compliance. O termo compliance, que os autores e operadores de direito tomaram emprestado da língua inglesa, significa “agir de acordo com uma regra, com uma instrução interna ou um comando”.

Afora legislações esparsas e de pontual aplicação, o instituto do compliance incorporou-se de vez a mentalidade e prática jurídica do nosso sistema legal com o advindo da Lei 9.613 e da Resolução 2.554 do Conselho Monetário Nacional, ambas de 1998. A partir dessas legislações as instituições financeiras e as empresas de capital aberto passaram a ter o dever de colaborar com as investigações de lavagem de dinheiro (os chamados “deveres de compliance”) passando assim, por imposição legal e não mais por critérios ético-voluntários, a ter que criar mecanismos de controle interno capazes de combater à prática de corrupção, da lavagem de dinheiro e de outras condutas assemelhadas.

Nas empresas multinacionais já de algum tempo passou a ser prática comum à adoção de politicas de compliance, em obediência a tratados internacionais e legislações extraterritorial tais como, mas não somente, o Foreign Account Tax Compliance Act - FATCA , o UK Bribery Act e o Foreign Corrupt Practices Act - FCPA. Tais legislações de origem americana e europeia tiveram por objetivo regrar nas empresas transnacionais a comunicação e prestação de contas aos órgãos reguladores internacionais de potencias atos ilícitos, fraude, corrupção e denúncias envolvendo essas corporações com vistas a evitar, ou ao menos combater e minimizar, a corrupção e lavagem de dinheiro nos negócios. Importante ressaltar que a característica geral e comum de uma politica de compliance, seja no exterior ou no Brasil é sempre a prevenção.

No vácuo desse movimento mundial de regramento do combate à corrupção e a lavagem de dinheiro ilícito novas legislações penais surgiram, aprimorando os mecanismos de incriminação do agente da prática delituosa, mas também e na mesma proporção, a figura do gestor da empresa.

No ano de 2000 o governo brasileiro assinou a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, promulgada através do Decreto 3.678/00 contribuindo assim para o combate a lavagem de dinheiro. Editou-se posteriormente a Lei 9.613/98, que tipificou no Brasil o crime de lavagem de dinheiro e que foi alterada depois pela Lei 12.683/12 com o objetivo de tornar mais eficiente à persecução penal dos crimes de lavagem de numerário.

Por fim e também em resposta as imensas manifestações populares de 2013 criou-se o diploma legal de nº 12.843/13, conhecido como a Lei Anticorrupção. Por meio dessa nova lei passou-se na esfera administrativa a aplicar-se às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos na legislação sanções que variam de multa pecuniária no valor de 0,1% (um décimo por cento) à até 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo (excluídos do calculo os tributos), as quais nunca serão inferiores à vantagem auferida quando for possível sua estimação. Já na esfera judicial, o texto da citada lei dispõe que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, assim como do Ministério Público, poderão ajuizar ações com vistas à aplicação de sanções às pessoas jurídicas infratoras que variam da pena de perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtido da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé, até a suspensão ou interdição parcial de suas atividades, dissolução compulsória da pessoa jurídica e proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público pelo prazo mínimo de 01 (um) e máximo de 05 (cinco) anos. Registre-se que a Lei 12.843/13 determina responsabilidade objetiva dos agentes sem a necessidade de comprovação de dolo ou culpa da pessoa jurídica para a aplicação das penas.

Em consequência, já em 2014 dizia a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que “o Brasil tem avançado em iniciativas de combate à corrupção em geral e também na questão do suborno de funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais”. Para a entidade, “a entrada em vigor da Lei da Empresa Limpa foi um importante passo nesse sentido, uma vez que abarca atos lesivos à Administração Pública nacional e estrangeira”.

A contrário sensu, levantamento disponibilizado pela mesma OCDE constatava que 36% das empresas brasileiras ainda não haviam começado a reformular suas políticas e procedimentos para ficar em conformidade com a nova legislação, sendo que 67% delas afirmaram já ter pelo menos uma linha de denúncia ou canal de ouvidoria. Outras 9% das empresas ouvidas disseram ainda “que esses serviços estão em fase de implantação”. Estes dados podem não estar atualizados ao dia de hoje, mas mesmo assim não deixam de sinalizar um preocupante atraso no ritmo de adequação a nova legislação no tocante a adoção de politicas próprias de compliance.

Nesse sentido de adequar a legislação brasileira as regras elementares de lisura, notadamente da coisa publica, o novo governo pretende aprovar brevemente na Câmara dos Deputados o texto da denominada Lei de Responsabilidade das Estatais, já aprovada no Senado Federal. O projeto dessa lei estabelece regras de transparência e gerenciamento das empresas estatais brasileiras.

Não se imagina acabar com a corrupção por decreto ou mesmo reduzi-la a níveis dos países nórdicos de um dia para o outro. Esse é lamentavelmente um mal intrinsicamente enraizado na nossa cultura mas que, espera-se, tenda a diminuir com a devida aplicação do robusto arcabouço jurídico hoje disponível. Tampouco criemos ilusões de que se acabará com a corrupção e com os corruptos enquanto permanecerem impunes os corruptores.

Assim sendo, com o Brasil atravessando esta delicada quadra da politica nacional em que as instituições democráticas têm dado provas de estabilidade e vitalidade funcional, é forçoso que o meio empresarial na sua inteireza mostre coesão e dê exemplo de engajamento no combate permanente à corrupção e ao malfeito que ainda existem no Brasil adotando em seus negócios, de forma pronta e vigorosa, politicas de conformidade com a lei de combate a corrupção vigente.

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*Carlos Araujo é advogado e Presidente da Comissão de Advocacia Corporativa da OAB/RJ.

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