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Considerações sobre a regulamentação do Marco Civil da Internet

O texto vedou condutas unilaterais ou acordos entre operadoras e serviços que comprometam o caráter público e irrestrito do acesso à internet.

30/5/2016

Muito se disse sobre a regulamentação do Marco Civil da Internet, um dos últimos atos do governo Dilma. Mas antes de entender a regulamentação e as suas implicações, é preciso dar um passo para trás, e entender os conceitos básicos da lei 12.965/2014.

A princípio, não é demais relembrar que Marco Civil é uma lei. Justamente a Lei 12.965/2014, publicada em 23 de abril de 2014 e em vigor 60 dias após a sua publicação. Significa que estamos às vésperas de completar dois anos de existência de tal legislação.

Trata-se, em resumo, do diploma legal que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres dos usuários da internet. O processo legislativo que deu origem a esta lei foi marcado por intensa participação popular: foram mais de 2.300 contribuições, que, ao todo, tiveram mais de 18.000 visualizações. O mesmo aconteceu com o processo de regulamentação da lei, que contou com contribuições, por exemplo, do Facebook e da Netflix.

Certo. Mas por que regulamentar?

Uma lei é regulamentada para que se determine detalhes de como deverá ser aplicada. Não se trata de uma modificação, porque a regulamentação não pode inovar. O Marco Civil menciona, expressamente, três pontos de regulamentação, distribuídos em 6 artigos:

a) - Neutralidade da rede (art. 9, § 1º);
b) - Privacidade na rede (art. 10, § 4º; art. 11, § 3º e art. 11, § 4º);
c) - Guarda de registros (art. 13 e art. 15).

O decreto regulamentador (Dec. 8771/2016) está na edição extra de 11 de maio de 2016 do Diário Oficial da União, e entra em vigor 30 dias após a sua publicação (se o presidente em exercício, durante os 180 dias do processo de impeachment não derrubar as últimas medidas tomadas pela presidente Dilma).

O texto vedou condutas unilaterais ou acordos entre operadoras e serviços que “comprometam o caráter público e irrestrito do acesso à internet” e “priorizem pacotes de dados em razão de arranjos comerciais”, bem como “privilegiem aplicações ofertadas pelo próprio responsável pela transmissão, comutação, roteamento ou empresas integrantes de seu grupo econômico”. Isto significa, na prática, que as operadoras não podem mais liberar acesso gratuito a determinados serviços (o que era comum ocorrer com serviços de streaming de música ou acesso a redes sociais sem desconto do pacote de dados de internet do usuário). Mesmo serviços das próprias operadoras estão proibidos de ter tratamento diferenciado na hora da cobrança.

Esta é uma proibição que deve gerar muita polêmica. Já há vozes levantando a inconstitucionalidade da medida, com base no artigo 170 da Constituição Federal, que estabelece a livre iniciativa como fundamento da ordem econômica.

No que tange à privacidade dos dados, passou-se a exigir sistemas de autenticação dupla para provedores de conexão e aplicações que armazenam dados pessoais.

Sobre a neutralidade de rede, determinou-se que poderá ser quebrada em situações de emergência e de urgência técnica, como a disseminação de spam e durante ataques hackers.

Um tema cuja solução era mais esperada, não foi discutido: nenhum artigo trata do fim da internet fixa ilimitada. Por outro lado, discutiu-se (ainda que de maneira superficial) a questão que levou, recentemente, ao bloqueio do aplicativo WhatsApp, por decisão judicial: A Administração Pública não poderá solicitar dados genéricos ou coletivos e precisará publicar anualmente relatório estatísticos de quantas requisições cadastrais fez, para onde, quantos deferidos, indeferidos e o número de usuários afetados, além de dizer quais são os padrões que utiliza para manter esses dados protegidos.

Da mesma forma, os provedores devem criar mecanismos de controle estrito sobre os dados, com níveis de senha e estratégias para garantir a inviolabilidade dos dados com o uso de recursos como a encriptação ou similar.

Ao "usuário comum", as alterações não trazem grandes impactos imediatos. Mas espera-se que a internet se torne um local mais seguro a cada dia. E vivenciar a criação de legislações pautadas em consultas públicas, como tem sido o Marco Civil, reforça a ideia de democracia crescente no Brasil.

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*Luciana Pimenta é coordenadora pedagógica no IOB Concursos, advogada e revisora textual.

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