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“Whistleblower” no Direito Tributário Norte-Americano: Possibilidade de Adoção no Brasil?

Um eventual programa de “premiação aos denunciantes” em matéria tributária deve ser estruturado em nosso País de forma a preservar os direitos constitucionalmente consagrados.

20/5/2016

O Código Tributário Federal dos Estados Unidos da América (“EUA”) no Título 26 (“U.S. Code: Title 26 - Internal Revenue Code ”), “Subtítulo F – Procedimento e Administração (§§ 6001 a 7884) ”, “Capítulo 78 – Descoberta de Responsabilidade e Execução de Título (§§ 7601 a 7655) ”, “Subcapítulo B – Poderes e Deveres Geais (§§ 7621 a 7624)” , “Seção § 7623 – Despesas de detecção de pagamentos a menor e fraude, etc.” , “Subseção (b) Premiações para os denunciantes” , prevê a possibilidade de premiação ao denunciante cujas informações resultarem em tributação adicional, penalidades e outros montantes que deveriam ter sido recolhidos pelo sujeito passivo tributário. Tal premiação corresponderá a um percentual que pode variar de 15% (quinze por cento) a 30% (trinta por cento) do total arrecadado com a denúncia.

É o denominado “Whistleblower – Informant Award Program” (“Programa de Premiação ao Denunciante”) sob responsabilidade da “Internal Revenue Service”, a Receita Federal dos EUA.

Trata-se de previsão distinta do nosso instituto jurídico da “colaboração premiada”, previsto na Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (“Lei nº 8.072/90”), a conhecida “Lei dos Crimes Hediondos”, tendo sido encampada por vários diplomas legais até a edição da Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013 (“Lei nº 12.850/13”), a chamada “Lei de Combate às Organizações Criminosas”.

Em sentido semelhante às disposições legais que regulam as “colaborações premiadas” das pessoas físicas, o nosso ordenamento jurídico prevê a possibilidade de o Estado conferir compensação ao colaborador pessoa jurídica quando da celebração do chamado “acordo de leniência”, previsto originalmente nos artigos 86 e 87 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011 (“Lei nº 12.529/11”), a denominada “Lei de Defesa da Concorrência”, e também reproduzido na Lei nº 12.846; 1º de agosto de 2013 (“Lei nº 12.846/13”), em seus artigos 16 e 17.

No “acordo leniência” o Estado, dentro da órbita da supremacia do interesse público, poderá, diante das informações e provas disponibilizadas pela pessoa jurídica, celebrar o referido acordo cujos efeitos poderão acarretar considerável diminuição das sanções previstas nos mencionados diplomas legais, ou até mesmo imunidade completa a tais sanções, de acordo com o regramento estabelecido pelos legisladores das referidas leis 12.529/11 e 12.846/13.

Seja na celebração de colaborações premiadas por pessoas físicas, seja na celebração de acordos de leniência por pessoas jurídicas, o sistema brasileiro exige que o beneficiário tenha participado dos ilícitos reportados.

A hipótese retratada pelo Código Tributário dos Estados Unidos e destacada acima, no entanto, está relacionada a uma circunstância distinta das mencionadas na legislação brasileira: um terceiro denuncia às autoridades, Receita Federal, mediante prova, a ocorrência de sonegação fiscal por parte de outro contribuinte.

O instituto do “Whistleblower Program” constitui importante instrumento de combate à sonegação de tributos conforme aponta o “Relatório Anual para o Congresso: Ano Fiscal de 2015” , elaborado pela divisão da Receita Federal norte-americana encarregada do programa. De acordo com os dados do referido documento, desde 2007 as informações prestadas pelos denunciantes ao Fisco norte-americano possibilitaram a recuperação de US$ 3 bilhões (três bilhões de dólares norte-americanos) em tributos e penalidades, bem como propiciaram o pagamento de premiações acima de US$ 403 milhões (quatrocentos e três milhões de dólares norte-americanos) aos denunciantes.

A criação legal do instituto data de 1867 e o Programa foi consideravelmente reformado nos anos de 1996 e 2006, sendo a última reforma responsável pela fixação dos percentuais de 15% (quinze por cento) a 30% (trinta por cento) para o pagamento de premiações decorrentes da arrecadação baseada em denúncias.

Do ponto de vista histórico, há nítida semelhança cultural entre a premiação a ser paga aos denunciantes em matéria tributária, prevista no Código Tributário Federal dos EUA, e as recompensas pagas em virtude da captura de malfeitores durante a ocupação da parte oeste do território norte-americano, tão bem retratada pelo cinema.

Não obstante a fixação dos percentuais mínimo e máximo em lei, dentro dessa margem legal as autoridades fiscais dispõem de competência para o estabelecimento da percentagem incidente sobre cada caso concreto, de acordo com critérios objetivos e que devem considerar o montante arrecadado e as provas oferecidas pela denúncia.

Os percentuais de 15% (quinze por cento) a 30% (trinta por cento) são aplicáveis aos casos envolvendo discussões a partir de US$ 2 milhões (dois milhões de dólares norte-americanos). Nos casos que envolvam quantias menores, como por exemplo pessoas físicas cujo ingresso de renda seja inferior a US$ 200 mil (duzentos mil dólares norte-americanos), o percentual de pagamento das premiações será inferior a 15% (quinze por cento) do total arrecadado com a denúncia.

O relato do “whistleblower” deve ser formalizado por meio da assinatura de um formulário, denominado “form 211”, que deve conter a denúncia submetida à apreciação da Receita Federal mediante a identificação do denunciante e, por este motivo, não serão aceitas denúncias anônimas.

A divisão da Receita Federal norte-americana responsável pelo “Whistleblower Program” apresentou proposta ao Congresso americano, relativamente ao ano fiscal de 2016, destinada à aprovação de medidas com objetivo de aprimorar o Programa: 1ª) proteção legal aos denunciantes contra a retaliação de seus empregadores, na medida em que os primeiros colocarão suas carreiras em risco, e 2ª) proteções substanciais aos contribuintes por meio da imposição de sanções aos denunciantes que, indevidamente, divulguem informações obtidas a partir da denúncia à Receita Federal.

A denúncia será desconsiderada caso o Fisco já disponha das informações prestadas. Algumas pessoas estão impossibilitadas de realizar denúncias, tais como os funcionários públicos ou prestadores de serviços ao Poder Público, os quais, de alguma forma tiveram acesso a dados fiscais do contribuinte.

Não pretendemos aqui estabelecer crítica ao instituto previsto na legislação tributária norte-americana, o qual tem vínculos histórico, cultural, econômico e jurídico com a realidade de tal sociedade.

No entanto, cabe ao intérprete do Direito refletir teoricamente a respeito da possibilidade e os efeitos de eventual adoção em nosso ordenamento de figura jurídica relativa à premiação ao denunciante no âmbito do direito tributário.

Indubitavelmente, tratar-se-ia de mais um instrumento em prol das autoridades no combate à sonegação fiscal e, por esta razão, encontraria amparo no magno princípio da supremacia do interesse público.

A premiação ao denunciante poderia desempenhar um papel no auxílio à proteção da livre concorrência, protegida constitucionalmente, a qual é afetada toda vez que uma pessoa jurídica consegue angariar mercado não em função de eficiência gerencial, competência no desenvolvimento de produtos, utilização de tecnologia avançada e ou controle de custos, mas sim pelo simples inadimplemento de obrigações tributárias ou cometimento de crime de sonegação fiscal.

Inegavelmente, as autoridades fiscais brasileiras dispõem de inúmeros instrumentos e dispositivos legais para combater os crimes contra a ordem tributária, dentre os quais, a título de exemplo, o acesso aos dados bancários de contribuintes sem prévia autorização judicial, disponibilização com fundamento na LC 105/01, circunstância respaldada pelo plenário do STF, o qual, em recente julgamento conjunto das Ações Declaratórias de Inconstitucionalidades 2.386, 2.397 e 2.859 e do RE 601.314, entendeu, por maioria de votos, que a referida lei implicava na transferência do sigilo da órbita bancária para a fiscal, ambas protegidas contra o acesso de terceiros.

Assim, a partir de uma análise constitucional, o maior entrave à eventual adoção em nosso Direito de figura semelhante à prevista na legislação tributária norte-americana (“Awards to Whistleblowers”) e aqui objeto de análise, seria, ao nosso ver, o sigilo dos dados fiscais e bancários, protegido pela inviolabilidade do direito à intimidade e à vida privada, nos termos do artigo 5º, inciso X, da Constituição, sigilo também assegurado como decorrência do direito de propriedade, garantido pelo inciso XXII, do mesmo artigo 5º.

De acordo com tais premissas, é possível considerar que dificilmente um terceiro poderia ter acesso a dados sigilosos sem violar os referidos dispositivos constitucionais e, ainda, divulgar tais documentos às autoridades tributárias para verificação de eventual ilícito tributário.

Note-se que em tal hipótese, se estivermos diante de um ilícito penal-tributário, as autoridades fiscais não teriam competência administrativa e legal para apurar eventuais crimes de sonegação de tributos, uma vez que, de acordo com o nosso ordenamento jurídico, tal atribuição é reservada às autoridades policiais e ao Ministério Público.

As recentes e exitosas atuações em conjunto, na esfera federal, entre as autoridades fiscais, policiais e Ministério Público tornam evidente a busca pela supremacia do interesse público no combate aos ilícitos administrativos, tributários e penais, escopo este que não deve ser prejudicado pela eventual adoção de instituto jurídico que implique em sobreposição das funções estatais.

Em síntese, um eventual programa de “premiação aos denunciantes” em matéria tributária deve ser estruturado em nosso País de forma a preservar os direitos constitucionalmente consagrados à intimidade, à vida privada e à propriedade, protegidos pelo artigo 5º, incisos X e XXII, bem como deve respeitar a competência dos órgãos envolvidos na fiscalização e investigação de infrações tributárias e criminais.

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*Claudio de Abreu é advogado e professor de Direito Tributário PUC/SP.


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