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Pagamentos de lucros e resultados a diretores e administradores não-empregados. A questão da contribuição previdenciária

A cobrança da cota patronal previdenciária sobre os valores pagos a diretores não-empregados não encontra suporte tanto na Constituição como na legislação vigente, externando incongruências irreconciliáveis com a própria regulamentação administrativa da matéria.

17/5/2016

I. Introdução

O tema relativo ao salário-de-contribuição de segurados obrigatórios do Regime Geral de Previdência Social encerra discussões das mais variadas. Dentre elas, há uma que ainda desperta debates acirrados nas esferas administrativas Federais, relativa ao pagamento de lucros e resultados a administradores não-empregados.

O tema possui nuances diversas do pagamento de lucros e resultados a empregados, o qual, tanto no âmbito administrativo como judicial, não obstante as dificuldades interpretativas das particularidades dos planos, comportam consenso de que, uma vez atendidos os requisitos da lei 10.101/00, haveria a necessária exclusão do salário-de-contribuição.

Já no pagamento a administradores, no que diz respeito ao atual posicionamento da RFB, pode-se afirmar que, em síntese, adota-se uma premissa correta, que é a inaplicabilidade da lei 10.101/00 aos diretores estatutários, para obter uma conclusão errada, que é a inclusão de todo e qualquer valor pago a tais segurados na composição do salário-de-contribuição. O entendimento é atualmente estampado na Solução de Consulta COSIT nº 368/2014:

"CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS EMENTA: DIRETOR DE SOCIEDADE ANÔNIMA. CONDIÇÃO DE SEGURADO. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. LEI Nº 10.101, DE 2000. SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. O diretor estatutário, que participe ou não do risco econômico do empreendimento, eleito por assembleia geral de acionistas para o cargo de direção de sociedade anônima, que não mantenha as características inerentes à relação de emprego, é segurado obrigatório da previdência social na qualidade de contribuinte individual, e a sua participação nos lucros e resultados da empresa de que trata a Lei nº 10.101, de 2000, integra o salário-de-contribuição, para fins de recolhimento das contribuições previdenciárias. SEGURADO EMPREGADO. O diretor estatutário, que participe ou não do risco econômico do empreendimento, eleito por assembleia geral de acionistas para cargo de direção de sociedade anônima, que mantenha as características inerentes à relação de emprego, é segurado obrigatório da previdência social na qualidade de empregado, e a sua participação nos lucros e resultados da empresa de que trata a Lei nº 10.101, de 2000, não integra o salário-de-contribuição, para fins de recolhimento das contribuições previdenciárias"

Exponho, na sequência, os fundamentos que viabilizam minhas impressões sobre a intributabilidade dos lucros e resultados distribuídos a administradores não empregados.

II. Limites da Competência Impositiva – Rendimento do Trabalho versus Rendimento do Capital

A base normativa de toda imposição fiscal, no sistema tributário brasileiro, é a Constituição de 1988. Qualquer apreciação da natureza e alcance dos tributos fixados em lei depende, em maior ou menor grau, da competência tributária estabelecida na Lei Maior, a qual, de forma peremptória, delimita a prerrogativa estatal em fixar tributos, incluindo as contribuições previdenciárias.

No caso particular da participação nos lucros, a dúvida reside no alcance possível do art. 195, I, “a” da Constituição de 1988, o qual, na sua vigente redação, estabelece o seguinte:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

(...)(grifei)

A presente redação retrata o resultado da reforma constitucional produzida pela EC 20/98. A forma original do preceito citado previa, singelamente, a contribuição de empregadores sobre a folha de salários. A limitada previsão normativa de outrora trouxe, como conseqüência, a inconstitucionalidade parcial das leis 7.787/89 e 8.212/91, no que previam a imposição previdenciária patronal sobre valores pagos a pessoas físicas sem vínculo empregatício.

Na referida decisão1, proferida pelo STF, entendeu-se que o conceito de salário retrataria, com exclusividade, os rendimentos do trabalho devidos a uma espécie de trabalhador, que é o empregado. Demais trabalhadores, como autônomos, avulsos e empresários, não recebem salário, mas honorários, pro-labore, remuneração etc. Adotou-se, enfim, interpretação restritiva do preceito, em consonância ao significado clássico de salário no ordenamento jurídico brasileiro.

Em razão de tal premissa interpretativa da Corte Constitucional brasileira, optou-se pela mudança do texto, o que ocorreu com a referida EC 20/98, a qual, alargando a base de incidência, passou a prever a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício. Como se percebe, o objetivo central foi viabilizar a tributação das empresas que remunerassem trabalhadores desprovidos de vínculo empregatício.

Estabelecida a nova previsão constitucional, com o inegável alargamento da tributação previdenciária patronal, ainda resiste alguma dúvida de quão ampla foi a mudança, especialmente quanto a possibilidade de tributar valores não relacionados diretamente ao trabalho. Todavia, é importante termos em mente que, em momento algum, pretendeu-se tributar todo e qualquer valor pago a trabalhadores, mas, unicamente, superar a inconstitucionalidade das legislações pretéritas e, com isso, incluir as remunerações de avulsos, empresários e autônomos na base-de-cálculo previdenciária.

Não obstante tal questão, relativa ao novo alcance do preceito constitucional, ainda carecer de manifestação final do STF2, entendo que é correto afirmar que o sentido literal da regra constitucional de competência – limite interpretativo a ser aplicado – é muito clara ao delimitar a nova incidência, em qualquer hipótese, a rendimentos do trabalho.

A dicotomia entre rendimentos do trabalho e capital, de forma alguma, é tema inédito. Desde Adam Smith, é consensual que o salário decorre do trabalho, enquanto o lucro retrata o rendimento do capital investido pelo empresário. Mesmo na atualidade, os economistas contemporâneos, ainda que eventualmente críticos às premissas e conseqüências do sistema capitalista, não argúem qualquer contrariedade a esta clássica concepção.

É também intuitivo, mesmo para o público leigo, que um conceito não se confunde com o outro. É natural e facilmente perceptível que o trabalho, de modo algum, possui liame imediato com o lucro. Não são incomuns as situações de empresários que, mesmo após longa dedicação ao seu mister, não alcançam qualquer proveito econômico e, não raramente, ainda observam relevante perda patrimonial. Já para trabalhadores, com ou sem vínculo empregatício, o rendimento do trabalho é assegurado pela lei, pois não cabe a eles o risco da atividade econômica, o qual, por natural, é assumido pelo empresário. Seus rendimentos traduzem mera contraprestação pela atividade profissional desempenhada.

Por fim, a distinção encontra espaço, também, no direito positivo brasileiro, por meio do art. 43 do Código Tributário Nacional, o qual dispõe:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica :

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

§ 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção” (grifei)

Como se nota do art. 43, I do CTN, renda tributável, para fins do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, é aquela decorrente do produto do capital e/ou trabalho. Ou seja, se há incremento patrimonial – e este é o aspecto nuclear do imposto sobre a renda – proveniente de lucros da atividade econômica pelo empresário ou, cumulativamente, das retribuições pecuniárias pelos seus serviços, há, em qualquer hipótese, renda tributável.

A base de incidência do imposto de renda é mais ampla que os rendimentos do trabalho. Inclui proventos de capital e trabalho. Ambos configuram renda. A dicção legal é clara e não deixa qualquer dúvida sobre a separação necessária entre os conceitos. Igualmente transparente que a Constituição de 1988, mesmo após a EC 20/98, optou por tributar, para fins previdenciários, somente os rendimentos do trabalho.

Aqui, enfim, são extraíveis duas conclusões importantes. Primeiro, existe uma distinção relevante, reconhecida ontológica e normativamente, entre rendimentos do trabalho e do capital. Segundo, tal distinção, ainda que irrelevante para o imposto de renda, tendo em vista seu foco na majoração do patrimônio do contribuinte (renda líquida), é fundamental para a contribuição previdenciária patronal, restrita, por mandamento constitucional expresso, a rendimentos do trabalho, somente. Ignorar tal previsão traz como conseqüência o grave equivoco da tributação previdenciária sobre lucros e resultados a administradores não-empregados.

Ao contrário do imposto sobre a renda, a incidência previdenciária é circunscrita aos rendimentos do trabalho, unicamente. A disposição é categórica e cristalina. Ainda que permita a inclusão de trabalhadores sem vínculo empregatício, somente valores derivados do trabalho podem sofrer a respectiva tributação. Como não poderia ser diferente, caminha no mesmo sentido a regulamentação infraconstitucional da matéria, em estrita observância do mandamento constitucional.

III. Conclusão

Não obstante a interpretação administrativa divergente, tenho convicção que a cobrança da cota patronal previdenciária sobre os valores pagos a diretores não-empregados não encontra suporte tanto na Constituição como na legislação vigente, externando incongruências irreconciliáveis com a própria regulamentação administrativa da matéria.

A regulamentação da matéria ainda sofre com as compreensões equivocadas sobre base tributável previdenciária, não raramente tentando igualar as dinâmicas impositivas do imposto de renda e da cota patronal previdenciária. Tal premissa, além de contrária a todos os preceitos normativos vigentes, ainda ignora o papel do sistema protetivo como substituidor de rendimentos habituais, responsáveis pela manutenção do segurado e sua família. A tentativa de alargamento forçado da base previdenciária, mais do que uma preocupação abstrata com a correta aplicação das regras legais e constitucionais de competência tributária, traduz uma arbitrariedade fiscal com foco exclusivo no aumento de receitas para um sistema atuarialmente desequilibrado.

Sem embargo, insisto que, como reconhece a própria regulamentação administrativa, se um contribuinte individual, sócio administrador de sociedade limitada, pode receber valores derivados do capital – lucro – sem a consequente tributação e independente da submissão aos ditames da lei 10.101/00, o mesmo valerá para qualquer contribuinte individual, o que inclui diretores não-empregados de sociedades anônimas.

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1 STF, RE nº 177.296-4.

2 RE nº 565.160, Rel. Min. Marco Aurélio Mello

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*Fábio Zambitte Ibrahim é advogado, sócio do escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados, doutor <_st13a_personname productid="em Direito P?blico" w:st="on">em Direito Público pela UERJ. Mestre <_st13a_personname productid="em Direito Previdenci?rio" w:st="on">em Direito Previdenciário pela PUC/SP. Professor Adjunto de Direito Financeiro e Tributário da UERJ.

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