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Quando os erros escondem virtudes - O caso Panama Papers

Apesar dos reparos de praxe destacando que, por si só, manter conta no exterior não é crime, no imaginário popular aqueles que optam por uma conta fora do Brasil o fazem com o objetivo de enganar o fisco.

29/4/2016

Nas últimas semanas o noticiário de jornais, de emissoras de TV e de rádios foi invadido por mais um tema explosivo: o Panama Papers, escândalo envolvendo contas bancárias e empresas em paraísos fiscais controladas por centenas de políticos e empresários de diversos países. Inclusive do Brasil. Apesar dos reparos de praxe destacando que, por si só, manter uma conta no exterior não se configura em crime, a impressão que fica no imaginário popular é que aqueles que optam por uma conta fora do Brasil o fazem com o objetivo de enganar o fisco ou proteger recursos obtidos de forma escusa.

Não é verdade. Até porque, caso fossem válidas as generalizações neste campo, poder-se-ia dizer que todos os brasileiros que abrem uma empresa ou uma conta bancária, aqui mesmo no Brasil, estariam praticando crime devido à quantidade de "empresas de fachada" e "contas de laranjas" descobertas nas inúmeras investigações do Ministério Público e da Polícia Federal.

Não queremos dizer com isso que os eventuais exageros e as simplificações, no momento de divulgar assuntos técnicos, sejam atos de má-fé por parte de quem quer que seja. Ao contrário. Avaliamos essa postura como sendo fruto da confusão de conceitos e da generalização. Por conta disso, gostaríamos de abordar o tema de uma forma mais ampla, começando com um breve histórico.

A partir da década de 1980, a intensificação no combate aos crimes de caráter transnacional (tráfico de armas, de drogas e a prostituição) fez com que as agências de segurança de diversos países começassem a atuar de forma mais estreita e colaborativa. O aperto na fiscalização e a divulgação das informações acabaram expondo também agentes públicos metidos em escândalos de desvios de verbas que, invariavelmente, iriam parar nos chamados paraísos fiscais.

No final da década de 1990, a questão do controle global da circulação do dinheiro entrou em um novo patamar, quando grupos organizados da comunidade judaica dos Estados Unidos conseguiram colocar em xeque o sistema bancário da Suíça. Fizeram isso ao provar inúmeros casos de conivência com o confisco irregular de bens de famílias judias, durante a Segunda Grande Guerra. Os acordos firmados com o UBS e o Credit Suisse, em 1998, resultaram na devolução de US$ 1,25 bilhão aos herdeiros de vítimas do nazismo cujas contas bancárias haviam sido confiscadas.

Desde então, a intensificação das medidas para conter a lavagem de dinheiro e a ocultação de patrimônio deixaram de figurar apenas nos acordos sobre segurança e combate ao crime organizado, passando a dominar também os debates nos fóruns sobre o sistema financeiro global. Especialmente no âmbito da OCDE, entidade que reúne os 34 países mais ricos do mundo.

Neste contexto, países e territórios que têm na intermediação financeira uma de suas principais fontes de recursos tiveram de promover ajustes. Um deles foi a ampliação do grau de abertura das informações, sem que isso afetasse o sigilo bancário e fiscal dos clientes – uma cláusula pétrea no sistema jurídico de praticamente todas as nações. Essa demanda partiu dos Estados Unidos, cujo governo exigiu ser informado sobre todas as movimentações bancárias de seus cidadãos, no exterior.

O arcabouço legal da medida foi o ato Conformidade Fiscal de Contas Estrangeiras (Facta, na sigla em inglês), editado em 2010. A determinação acabou sendo seguida pela União Europeia, cujos dirigentes pensam, até mesmo, em elaborar um ranking sobre a atuação e a performance dos chamados paraísos fiscais, de acordo com Marc Sanders, diretor da consultoria Taxand, citado em reportagem recente do jornal “Valor Econômico”.

Essa medida, caso seja implementada, será bastante positiva para o sistema financeiro global. Pois não apenas ajudaria a separar o “joio do trigo”, como também qualificaria o debate sobre a utilização de mecanismos mais sofisticados para proteção patrimonial e diversificação de portfólio. Mas mesmo antes de sua adoção em larga escala, alguns países que têm na intermediação financeira um componente importante de sua indústria de serviços já procuram se diferenciar.

Falamos especificamente das ilhas de Malta e da Madeira. Mais do que anonimato e isenção de taxas, os gestores de fundos offshore baseados nestas localidades apostam em taxas competitivas e na transparência. Pelo menos é isso que é apregoado nos prospectos de algumas consultorias que atuam nestas ilhas. Talvez, este possa ser o caminho para quem pretende operar no exterior, sem correr o risco de ser pego de roldão em escândalos nos quais a opinião pública tenha dificuldade em diferenciar o certo do errado.

Até porque, numa época de maior rigor fiscalizador por parte dos órgãos governamentais e de vazamentos de informações – que resultaram no Swiss Leaks, no Luxembourg Leaks e no Panama Papers, apenas para citar os mais recentes – tão importante quanto proteger o patrimônio familiar é fazê-lo de forma sustentável. Resguardando também a reputação.
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*Rodrigo Alonso Martins é advogado do escritório Ronaldo Martins & Advogados, CEO and Head of Wealth Planning Strategies, do escritório RIPOL Alliance Global Wealth Strategies.


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