Migalhas de Peso

Prós e contras da Lei de Repatriação de Capitais

Aqueles que tenham recursos de origem lícita mantidos indevidamente no exterior e que possuam documentação hábil e idônea para comprová-los devem considerar fortemente esta oportunidade única.

11/4/2016

Nas últimas décadas, as crises políticas e econômicas que sazonalmente acometem os países acabaram por motivar o deslocamento da poupança privada para jurisdições fiscalmente mais favoráveis. Com isso, de pequenos investidores a grandes grupos econômicos, todos buscaram estruturações cada vez mais sofisticadas de planejamento fiscal.

Nele estão inseridos arranjos societários e contratuais voltados à blindagem patrimonial e sucessória, a exemplo dos trusts, fundações privadas e off-shore companies, bem como estruturas financeiras nas quais se garante o sigilo quanto a titularidade de recursos, bens e direitos.

Na esteira de tais condutas, as administrações tributárias passaram a criar mecanismos de combate à erosão da base tributária e desvio de recursos. Tais medidas incluem a modernização/informatização dos fiscos, celebração de acordos internacionais de cooperação e troca de informações automáticas, bem como a instauração de foros de discussão a respeito de práticas fiscais nocivas.

Insere-se dentre tais iniciativas o Plano de Ação BEPS (Base Erosion and Profit Shifting Action Plan) apresentado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com o apoio político do G20, pelo qual seus membros se comprometem a adotar gradativamente um pacote de medidas de combate à evasão fiscal.

Outra iniciativa recente é a FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act), celebrada pelos Estados Unidos e que obriga as instituições financeiras estrangeiras a prestar informações relativas a contas de americanos e ao qual o Brasil aderiu por meio do decreto 8.506/15.

Nesse contexto, um dos passos pioneiros em direção a essa nova era de fiscalização internacional tem sido a implementação dos chamados “offshore voluntary disclosure programmes”. Com o principal intuito de “passar uma régua” no passado, inúmeros países implementaram leis de repatriação de capitais, perdoando aqueles que indevidamente remeteram ou mantiveram recursos no exterior, de modo a preparar suas legislações internas a esse novo modelo de controle internacional.

No Brasil, o programa de divulgação voluntária de recursos, introduzido pela lei 13.254/16 (“Lei de Repatriação”) e regulamentada pela Instrução Normativa RFB nº 1.627/16, apresenta um viés – sobretudo - arrecadatório. Tendo sido anunciado como uma oportunidade única, o programa permite que pessoas físicas e jurídicas que tenham remetido ou que mantenham recursos de origem lícita no exterior, sem observância dos devidos requisitos legais, regularizem sua situação perante os órgãos fiscais e regulatórios brasileiros.

Assim, entre 04 de abril a 31 de outubro de 2016, os contribuintes poderão aderir ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) mediante a entrega eletrônica, à Receita Federal, de uma declaração (Dercat), acompanhada do pagamento de um valor correspondente a 30% dos recursos declarados – 15% a título de imposto de renda e o restante equivalente a uma multa punitiva de 100% do tributo apurado. A taxa de câmbio foi fixada à cotação de 31 de dezembro de 2014 que era de R$ 2,66.

Como em modelos estrangeiros, para atrair os contribuintes que possuem recursos não declarados no exterior, o regime concede uma ampla anistia penal e fiscal. O cumprimento de tais condições:

(i) extingue a punibilidade dos crimes de evasão de divisas, sonegação fiscal e previdenciária, uso de documentos falsos, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro;

(ii) implica a remissão de quaisquer outros tributos federais e a redução de 100% das multas de mora, de ofício e isoladas e dos encargos legais (SELIC) relacionados aos recursos não declarados;

(iii) exclui todas as obrigações de natureza cambial ou financeira, principais ou acessórias, inclusive as meramente formais, que pudessem ser exigíveis em relação aos bens e direitos declarados.

Tais benefícios reduzem sobremaneira o ônus financeiro a que estariam sujeitos os detentores de recursos no exterior caso tivessem que regularizá-los sob a legislação ordinária. Exemplificativamente, uma pessoa que tivesse que declarar recursos sem o abrigo do RERCT, estaria sujeita à alíquota progressiva de IR, até 27,5%, aos acréscimos legais (juros SELIC) e, a depender do caso, multas que poderiam chegar a 225% do tributo não pago.

Outra disposição voltada a atrair os contribuintes é a que estabelece que a Dercat não poderá ser utilizada como único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal e tampouco para fundamentar qualquer procedimento administrativo de natureza tributária ou cambial em relação aos recursos dela constantes. A divulgação ou publicidade das informações implicarão efeito equivalente à quebra do sigilo fiscal.

Apesar da letra da lei ser explicita quanto a proteção dos dados constantes na declaração, em termos práticos, o sigilo das informações poderá ser frustrado em decorrência de “denúncias anônimas” endereçadas ao Ministério Público ou mesmo ser um ponto de partida para a investigação de eventuais outros ilícitos.

Outro aspecto obscuro refere-se às demais declarações que deverão ser objeto de retificação em decorrência da adesão ao programa, tais como a declaração de ajuste anual para pessoas físicas e a escrituração contábil societária para pessoas jurídicas. Isto porque a norma não é explícita quanto ao sigilo das informações ali constantes.

Estão excluídas do programa as pessoas já condenadas por crimes relacionados à evasão de divisas, ainda que por decisão não transitada em julgado. Logo, uma vez que o contribuinte tenha sido condenado em primeira instância (sem reversão do julgamento), já não poderá aderir ao programa. Também estão excluídos do regime os créditos tributários já constituídos e não pagos.

Um dos pontos nevrálgicos do RERCT refere-se à origem lícita dos recursos. Os debates mais acalorados relativos a sua aprovação no Senado, foi exatamente impedir que recursos oriundos de atividades criminosas (tais como tráfico de entorpecentes e corrupção) sejam “lavados” com a norma de anistia. Foi em meio a tal polêmica que parlamentares, repudiando a possibilidade de que estivessem legislando em interesse próprio, emendaram o projeto de lei para que políticos e funcionários públicos em cargos de direção (bem como seus parentes próximos) fossem excluídos do programa.

Apesar das centenas de emendas propostas por políticos e pela sociedade civil, ainda não foi esclarecida a forma como deverá ser comprovada a licitude dos recursos mantidos no exterior. O formato de declaração aprovado pela Receita Federal é bastante simples, bastando que o contribuinte declare como obteve os recursos. Por outro lado, a Instrução Normativa impõe que os documentos que amparam a elaboração das declarações sejam mantidos em boa guarda pelo período de cinco anos e, a falta de veracidade ocasionará a exclusão do declarante com a cobrança equivalente aos tributos, multas e juros incidentes. Esse cenário de insegurança certamente reduzirá as chances de que o regime tenha uma grande adesão por parte dos potenciais interessados.

Vale também mencionar que muitos brasileiros com recursos não declarados no exterior estarão indevidamente incluídos no mesmo modelo aplicado àqueles que se valeram de estruturas sofisticadas e com milhões de reais ocultados. É o exemplo daqueles brasileiros que imigraram em busca de uma oportunidade fora do Brasil e que, ao retornar, mantiveram recursos em contas bancárias estrangeiras. Nesse contexto, tais pessoas pagaram tributos nesses países e desconhecem por vezes os meandros burocráticos para regularizar sua situação. A lei deveria ter tratado tais situações de maneira mais simples e menos onerosa. Note-se que a única previsão nesse sentido é a exclusão da multa punitiva para recursos regularizados até o montante de 10 mil reais.

Por último, vale mencionar que um dos fatores que suscita maior insegurança aos contribuintes é a possibilidade da lei ser questionada pelo Ministério Público Federal perante o Supremo Tribunal Federal. Ainda que o próprio MPF entenda que não há impedimento normativo para a adoção do regime e a jurisprudência em casos análogos seja favorável aos contribuintes, tem-se noticiado que o procurador-geral irá avaliar a possibilidade de questionamento quanto à constitucionalidade do RERCT.

Isto posto, ainda que as restrições acima mencionadas exijam necessariamente a avaliação casuística quanto a conveniência de se aderir ou não, de plano, pode-se afirmar que aqueles que tenham recursos de origem lícita mantidos indevidamente no exterior e que possuam documentação hábil e idônea para comprová-los devem considerar fortemente esta oportunidade única.

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*Beno Suchodolski e Eduardo Fuser Pommorsky são advogados do escritório Suchodolski Advogados Associados.

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