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Os recursos públicos estão protegidos pelo sigilo bancário?

O sigilo bancário é um tema extremamente importante para o Direito apesar de se vislumbrar grande dificuldade no seu trato. É inerente à natureza humana a pretensão de manter certos aspectos da vida financeira à salvaguarda, tanto das autoridades fiscais, como da curiosidade alheia.Esse comportamento de cunho protetivo fundamenta-se no princípio da exclusividade, cuja principal característica é o "desejo de estar só".

24/4/2006


Os recursos públicos estão protegidos pelo sigilo bancário?


Tânia Nigri*


O sigilo bancário é um tema extremamente importante para o Direito apesar de se vislumbrar grande dificuldade no seu trato.


É inerente à natureza humana a pretensão de manter certos aspectos da vida financeira à salvaguarda, tanto das autoridades fiscais, como da curiosidade alheia. Esse comportamento de cunho protetivo fundamenta-se no princípio da exclusividade, cuja principal característica é o "desejo de estar só".


O segredo das operações bancárias desperta, por sua própria natureza, uma enorme polêmica, observando-se no Brasil, a prolação de decisões conflitantes até mesmo nos Tribunais Superiores.


Ao longo dos anos, diversas foram as teorias formuladas para justificar o instituto do sigilo bancário. Para muitos doutrinadores como Sérgio Carlos Covello, a natureza do sigilo bancário seria fundamentalmente a de ordem moral. Para referido doutrinador, o banco deveria preservar os segredos dos correntistas não somente em razão do interesse do cliente — a quem poderá não interessar a exteriorização de sua situação patrimonial — mas também em função da própria instituição bancária, empenhada em manter sua reputação.1


Apesar da gênese moral do sigilo bancário, aos poucos ele foi sendo transformado em obrigação, devendo ser observado não apenas pelos bancos, mas por toda a sociedade, transformando-se em norma jurídica em muitos países.


Após a promulgação da Carta de 1988, o sigilo bancário passou a ser encarado por muitos como espécie do gênero “intimidade e proteção da vida privada” (a doutrina e a jurisprudência pátrias as consideram como institutos similares), sujeitando-o, portanto, a reserva de jurisdição.


Esse entendimento leva à questionável e perigosa conclusão de que o sigilo bancário seria verdadeira cláusula pétrea, o que dificultaria, sobremaneira, qualquer elaboração legislativa tendente a flexibilizá-lo2.


Apesar de vislumbrar-se no inciso X da Lei Maior uma regra fundamental para o resguardo do cidadão, entendemos que essa privacidade se refere somente à liberdade de ser, de estar e de agir, e ao campo da sua pessoalidade, agregando informações de interesse unicamente do seu titular ou de um grupo estreito, sendo absolutamente destituída de reflexos ou efeitos sociais, o que, sem dúvida, não ocorre com as informações bancárias, que atinem à propriedade do indivíduo3.


Nota-se, com bastante regularidade, a reação negativa das pessoas em relação aos poderes de exação do Fisco, observando-se algumas manifestações aguerridas daqueles que alegam a inviolabilidade de seus dados bancários por ele envolverem um suposto direito à intimidade.


Essa questão envolve uma grave tensão dialética entre o direito fundamental do cidadão de se opor ao devassamento de sua privacidade e a indiscutível necessidade de se pagar impostos de forma devida, além de se buscar o combate eficaz da prática de crimes, sobretudo os financeiros e fiscais.


No desempenho da atividade fiscalizatória do Estado, empenhando-se na realização, na maior extensão possível, o princípio da justiça fiscal4, a autoridade deve utilizar-se dos meios necessários ao cumprimento de suas funções. A investigação constitui-se em uma premissa da ação fiscal, uma fase procedimental preliminar, que encontra seu fundamento na própria Constituição Federal. Tal investigação é um momento anterior ao lançamento tributário em que são verificadas as informações prestadas espontâneamente pelos contribuintes ao Fisco, e onde se buscam subsídios para apurar irregularidades, formando um conjunto de provas necessárias à elucidação e demonstração da prática de enriquecimentos ilícitos, sonegações, infrações ou crimes tributários.


Por isso, parece bastante razoável que a utilização dos dados financeiros dos contribuintes para fins de tributação, não implica na violação da intimidade do contribuinte porque sua divulgação é vedada por lei. Ainda que se considerasse tal utilização como transgressão à vida privada, há que se relembrar que há autorização legislativa e constitucional explícitas para esse fim. A legislação autorizadora do acesso aos dados foi instituída em nome de um bem maior — a perseguição aos objetivos da República, consistentes na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na garantia do desenvolvimento nacional, na erradicação da pobreza, na redução das desigualdades sociais e regionais e na promoção do bem de todos, insculpidas no artigo 3º da Constituição Federal, o que só é possível com a cobrança de tributos5.


O poder fiscalizatório estatal vem se estruturado ao longo dos anos e os cidadãos brasileiros têm aumentado o controle das contas públicas, levantando o enorme véu que sempre o protegeu dos olhos alheios. A própria Constituição contém dispositivos incentivadores desse acompanhamento, assim como a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101, de 4/5/2000, que visa preservar a transparência e a responsabilidade na administração e gerência do dinheiro da coletividade, bem ao encontro do princípio da moralidade administrativa.


O Ministro Marco Aurélio, ao analisar esse princípio assinalou que “o agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César6”. Em verdade, o dever de "mostrar honestidade" nada mais seria do que o princípio da publicidade, pelo qual todos os atos públicos devem ser de conhecimento geral, para que a sociedade possa fiscalizá-los7.


O princípio da publicidade é próprio do Estado Democrático. Reza o art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988 que o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes. Pertencendo o poder ao povo, este não poderá ficar privado de informações concernentes ao agir da Administração Pública. Aquele que atua e decide na qualidade de representante do povo, tem o dever acentuado de dar satisfação dos seus atos8.


Apesar de encontrar fundamento expresso no caput do art. 37 da Carta Magna, há diversos dispositivos constitucionais que o reforçam. Desta forma, o art. 5º, XXXIII assegura o direito a receber dos órgãos públicos informações do interesse próprio do particular ou de interesse coletivo, o inciso LXXII do mesmo artigo introduziu o habeas data em nosso sistema, permitindo o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante ou de caráter público, constantes nos registros ou bancos de dados de entidades governamentais, possibilitando, ainda, a retificação de dados, o inciso XXXIV, também do art. 5º assegura a todos, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder e a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesses pessoais.


A moralidade administrativa foi alçada à categoria de princípio constitucional expresso somente na Constituição Federal de 1988, previsão escrita jamais encontrada nas Cartas que a precederam, referindo o artigo 5º, inciso LXXIII da Lei Maior à possibilidade de anulação dos atos lesivos à moralidade administrativa.


A moralidade deve ser o princípio informador de toda a atividade desempenhada pela Administração Pública, sendo defeso ao administrador o agir dissociado dos conceitos comuns, ordinários, válidos atualmente e desde sempre, respeitadas as diferenças históricas, do que seja honesto, probo ou justo.


Da leitura da Constituição podemos observar que ela protege direitos, organizados sob a forma de princípios que aparentemente estariam em rota de colisão: Os princípios da publicidade e da moralidade de um lado e a inviolabilidade do direito à intimidade e à vida privada de outro.


Essa aparente incompatibilidade entre os diversos direitos fundamentais, albergados constitucionalmente, é seguramente um dos mais difíceis temas a ser estudado na seara do Direito. Para o desnudamento de tão difícil questão, há que se proceder à penosa tarefa da harmonização de dois ou mais valores fundamentais em conflito.


Aqueles que entendem ser o sigilo bancário um mero desdobramento do direito à intimidade, sustentam haver um confronto quase intransponível entre o dever de publicidade insculpido no artigo 37, caput e a garantia da intimidade prevista no artigo 5º, X, o que não ocorre verdadeiramente, conforme se verá.


A Constituição, ao assegurar a inviolabilidade do direito à intimidade está, por óbvio, se referindo ao direito das pessoas físicas, ou quiçá das pessoas jurídicas privadas, já que protege “a vida familiar, pessoal do homem, a sua vida interior, espiritual, aquela que leva quando vive por detrás de sua porta fechada"9. Demonstrar-se-ia absurda e insustentável qualquer hermenêutica que tendesse a estender tal prerrogativa à Administração Pública, seja nos seus atos, seja nas operações bancárias que realiza.


O eminente professor Celso Lafer sustenta que o direito à informação exata e honesta é um ingrediente de juízo indispensável para a preservação da esfera pública10, o que demonstra, sem qualquer margem de dúvida, que as operações com recursos públicos não devem ser feitas de forma secreta, velada, clandestina.


É fato, que o resguardo da intimidade demonstra-se indispensável ao amadurecimento da identidade humana, o que não se ousa questionar, mas não há que se falar em segredo ou vida privada em situações que envolvam bens e direitos públicos, já que tais interesses devem ser de conhecimento de todos.


Mesmo que entendêssemos, como sustenta grande parte da doutrina, que o sigilo bancário fosse uma decorrência natural do direito à intimidade e à vida privada, não encontraríamos qualquer relação conflituosa entre os dois princípios, já que, em verdade, cada um deles se destinaria a um destinatário específico. O princípio da inviolabilidade da intimidade e da vida privada se destinaria a todas as pessoas físicas ou jurídicas, desde que operando com recursos de origem privada11, enquanto que o princípio da publicidade se aplicaria a Administração Pública, direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.


Essa garantia, entretanto, não pode ter o elastério pretendido por alguns, e se estender à intimidade do gestor que realizou operações com dinheiro público. Tal ilação não pode caber no Estado de Direito em que vivemos. Não se pode supor que o constituinte, ao elaborar a Carta Cidadã, tenha criado normas de proteção à privacidade e à intimidade do Administrador Público no desempenho do seu munus funcional, com o fito de erigir um mecanismo inibidor do direito à investigação.


Tal assertiva demonstra-se absurda e claramente equivocada, e certamente estimularia a profusão de atos de improbidade administrativa, notadamente o desvio e o mau uso do dinheiro público, que é exatamente o que a Constituição visa evitar.


Resta claro que as transações realizadas pelo Estado não podem se valer de um inexistente direito a confidencialidade, nos moldes daquele protegido pelo inciso X, do artigo 5º da Lei Maior, para se furtarem ao princípio da publicidade.


Não vislumbramos no descortinamento das operações bancárias realizadas com recursos públicos, qualquer malferimento, mesmo que reflexo, ao instituto do sigilo bancário. Não se pode crer que nos financiamentos oferecidos aos particulares, em cumprimento às políticas governamentais, haveria a intimidade dos mutuários a ser protegida, eis que instrumentalizado o empréstimo através de um contrato bancário.


Tal assertiva induziria, por óbvio, pela ilegalidade de todo o conteúdo dos diários oficiais, já que os extratos dos contratos são ali publicados, declinando-se, inclusive, o nome das pessoas e empresas que com o Estado contratam, sem que nunca se tenha oposto o direito à intimidade ou vida privada para coibir tal prática.


Merece lembrar que a Lei nº 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, prevê a necessidade de apresentação anual da evolução patrimonial das pessoas mencionadas, podendo ainda ser pedida a “quebra” do sigilo bancário sempre que paire suspeita de apropriação indevida de recursos públicos, o que demonstra a necessidade de uma completa transparência no trato dos interesses da coletividade, sem a qual não se atingirá a tão almejada, e ainda tão distante, justiça social.
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1CABRERA, Rafael Gimenez de Parga. El Secreto Bancário em derecho español in Revista de Derecho Mercantil, nº 113, Imprensa Aguirre, Madrid, apud COVELLO. Sérgio Carlos. op. cit., p. 88.

2O Excelentíssimo Ministro Moreira Alves, em voto proferido no pedido de medida liminar na ADI nº 939-7/DF, requerida contra alguns artigos da Emenda Constitucional nº 3/93 e da Lei Complementar nº 77/93, que, respectivamente, discriminara e instituíra o IPMF, referindo-se às cláusulas pétreas, assinalou que a Constituição não pretende que as instituições arroladas, no seu inciso IV do § 4º do artigo 60, sejam insusceptíveis de alterações, pois, quando há exigência de tendência a abolir significa que pode, ainda, haver alterações toleráveis até imediatamente antes do ponto em que se caracteriza a tendência à abolição. Relator: Min. sydney Sanches, Julgamento: 15/12/1993, Órgão Julgador: Tribunal Pleno,publicação: DJ de 18-3-94 p. 05165 ementário vol-01737-02, p. 60.

3Em julgamento proferido pela Turma Especial do TRF da 4º Região, decidiu-se sobre o sigilo bancário que “Inexiste ofensa ao art. 5º, inciso X, da CF/88 porquanto o patrimônio não se confunde com a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem das pessoas” ( AGA 1912, Relator Juiz Tadaaqui Hirosi, Julgamento em 11/7/2001, DJU 18/7/2001). Admite-se o risco de uma ingerência indireta da “quebra” do sigilo bancário no âmbito da vida privada, em situações excepcionalíssimas, podendo ser citada a transferência de numerário de uma pessoa a um filho havido fora do matrimônio, o que acabaria sendo do conhecimento da Receita que, entretanto, tem o dever legal de guardar sigilo acerca da informação.

4 Segundo o magistério do professor Ricardo Lobo Torres, a capacidade contributiva consiste "em legitimar a tributação e graduá-la de acordo com a riqueza de cada qual, de modo que os ricos paguem mais e os pobres, menos".(TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. v. 3, p. 334).

5 Aristóteles em “Ética a Nicômaco” constata que a idéia de justiça, bem como a de injustiça é equívoca, pois, segundo o uso “ o homem injusto é aquele que viola a lei e é também o cúpido. Por conseguinte, salta aos olhos que o homem justo é aquele que respeita a lei e é também aquele que salvaguarda a igualdade. Logo, pode-se concluir que a noção do justo corresponde às noções de legal e de igual, e a noção de injusto às de ilegal e desigual” (PERELMAN, Chaim. Ética e direito. Trad. Maria Armantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.148.

6 Recurso Extraordinário nº 160.381-SP, Relator Ministro Marco Aurélio, publicado no RTJ 153/1030.

7 Dessa forma, a conjugação dos princípios da moralidade e da publicidade impediria que o agente público se valesse do escudo da inviolabilidade da intimidade e da vida privada para a prática de atividades ilícitas Na opinião de Alexandre de Moraes seria lícita a utilização de gravações clandestinas, realizadas sem o conhecimento do agente público, para comprovar a sua participação na prática de atos ilícitos, não lhe sendo possível alegar as inviolabilidades a intimidade ou vida privada no trato da res pública; pois, na Administração Pública não vigora o sigilo na condução dos negócios políticos do Estado, mas sim o princípio da publicidade.(MORAES, Alexandre de, Direito constitucional, 7º ed., revista, ampliada e atualizada, São Paulo: Atlas, 2001, p. 125).

8 Ferraz, Sérgio, Dallari, Adilson Abreu. Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 84.

9 DOTTI, René Ariel. Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação, São Paulo, editora Revista dos Tribunais,1980 p. 68

10 LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo, Companhia das Letras, 1991, p.251.

11 O Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de decidir tão importante questão, por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança nº 21.729-4-DF, impetrado pelo Banco do Brasil em face do Procurador Geral da República, em 6.8.1993. A instituição Bancária buscou o Judiciário alegando se sentir constrangida pela pretensão ministerial de ter acesso à lista dos beneficiários de empréstimo concedido pelo Banco ao setor sucroalcooleiro, assim como à relação dos mutuários que já estivessem previamente em débito com a instituição bancária.

A tese apresentada pelo Ministério Público calcava-se no fato de que a requisição estaria relacionada com financiamentos concedidos a pessoas jurídicas, não se podendo alegar, nesse caso, a inviolabilidade da vida privada, esta sim protegida pela Lei Maior. Acrescentava, ainda, que a negativa de cumprimento da ordem ministerial teria violado os artigos 129, inciso VI, da Constituição Federal e o artigo 8º, incisos II e IV e § 2º, da Lei Complementar nº 75/93, insistindo, portanto, na possibilidade de requerer as informações diretamente, sem a intervenção judicial.

Os Ministros Marco Aurélio Mello e Ilmar Galvão consideraram inconstitucional o artigo 8°, § 2°, da Lei Complementar nº 75/93, entendendo que a referida Lei Orgânica não poderia prescindir de ordem judicial para acesso aos dados bancários, já que tal exceção somente poderia decorrer da própria Constituição, como aconteceu com as Comissões Parlamentares de Inquérito (art. 58, § 3º). O Ministro Maurício Corrêa destacou que o artigo 8º, § 2º, da Lei Complementar nº 75/93 deveria ter sua aplicação afastada, merecendo uma interpretação conforme a constituição, uma vez que a quebra do sigilo bancário ou fiscal necessita da absoluta independência daquele que decide, além de ser indispensável compreender, também, que, em se tratando de situação excepcional, devem ser restritas as possibilidades de sua ocorrência.

Segundo o Ministro, o acesso aos dados protegidos seria uma das tarefas típicas do Poder Judiciário ou de órgãos que exerçam jurisdição extraordinária, como é o caso das Comissões Parlamentares de Inquérito, o que não ocorre com o Ministério Público, não exigindo o artigo 129, VI, da Constituição Federal que seus membros tenham os requisitos inerentes ao múnus da magistratura, dando a eles, inclusive, a possibilidade do exercício da advocacia (art. 29 da ADCT), do desempenho excepcional, de atividade político-partidária (art. 128, II, “e”), e outras liberdades, não compatíveis com o exercício de jurisdição extraordinária. A interpretação do artigo 129, VI, da Constituição Federal, no sentido de que poderia o Ministério Público requisitar diretamente as informações protegidas seria, na sua opinião, inadequadamente ampliativa. Não se deveria, entretanto, segundo ele, declarar a inconstitucionalidade do artigo da Lei Orgânica Ministerial, devendo, ser dado a ele uma interpretação conforme a Constituição, ficando ressalvado que a expressão "sob qualquer pretexto" nele contida não alcançaria nem o sigilo bancário, nem, tampouco, o fiscal, que só podem ser violados no interesse da justiça e por ordem judicial.

Mencionado voto foi acompanhado pelo Ministro Celso de Mello, para quem a intervenção jurisdicional se constituiria em fator de preservação do regime das franquias individuais e impediria, também, pela atuação moderadora do Poder Judiciário, o rompimento injusto da esfera de privacidade das pessoas. O Ministro votou no sentido de ser concedida a segurança, sem, entretanto, ser declarada a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei Orgânica do Ministério Público da União, lhe dando, contudo, uma interpretação conforme a Constituição.

Nesse mesmo sentido, votou o Ministro Carlos Velloso, assinalando que, por mais nobres que sejam as atribuições do Ministério Público, o órgão ostentaria a posição de parte, a quem não competiria a obrigação de ser imparcial. Prosseguiu seu voto, informando que o Ministério Público é advogado da sociedade, é órgão de acusação na ação penal; logo, para a quebra de sigilo bancário, por ele pretendida, deve haver a participação do Poder Judiciário.

Em posição diametralmente oposta, o Ministro Francisco Rezek, acompanhado pelo Ministro Moreira Alves, assinalou que não vislumbrava no sigilo bancário uma estatura constitucional, já que na Lei Maior há a determinação de que o tema seja tratado pela legislação complementar. Em razão dessas ponderações, afirmou que o inciso X do rol de direitos se refere a algo que, a seu ver, somente extraordinariamente se poderia agasalhar a contabilidade das pessoas naturais, que dirá a das empresas. O inciso XII do artigo 5º, segundo entende, não protegeria os dados do conhecimento de terceiros, mas apenas a comunicação desses dados. Diante disso, não haveria razão para que a movimentação financeira das empresas e a das pessoas naturais fossem excluídas da autoridade legítima. A Lei Complementar nº 75/93, no que tange a essa questão, teria dado a seqüência necessária ao artigo 129 da Constituição, sem malferir o artigo 5º da Carta Política.

As restrições ao Ministério Público, no tocante à requisição direta dos dados sigilosos, somente poderiam ocorrer se a própria Constituição entronizasse o instituto do sigilo, o que, na opinião do Ministro, não ocorre no sistema brasileiro.

O Ministro Octávio Gallotti registrou em seu voto que o Banco do Brasil como agente delegado do Poder Público, ao intermediar empréstimo do Governo Federal a empresas privadas, sujeitar-se-ia ao princípio da moralidade ou, ao menos, ao da publicidade, conforme norma expressa do artigo 37 da Constituição. Com isso, a questão da quebra do sigilo bancário perderia o valor, razão pela qual se indeferia o writ postulado pelo Banco do Brasil, admitindo-se a requisição direta pelo Parquet federal das informações buscadas. Tal posição foi acompanhada integralmente pelo Ministro Néri da Silveira, para quem, tratando-se de operação em que haja dinheiro público, a publicidade deve ser a tônica do negócio.

O Ministro Sydney Sanches e, em parte, o Ministro Sepúlveda Pertence adotaram uma posição intermediária entre todos os argumentos acima mencionados, votando no sentido de que o artigo 5°, inciso XII, não protegeria dados, mas somente a comunicação de dados. Por essa razão, admitir-se-ia, ao menos em tese, a autorização legal para que as autoridades administrativas, com função investigatória, e, principalmente o Ministério Público obtivessem os dados bancários sem a intervenção judicial. Acrescentam ainda que, no caso em exame, em face do princípio da publicidade que norteia o ato administrativo envolvido, ficaria deferida a requisição ministerial direta, indeferindo-se, portanto, o mandamus requerido.

Diante das candentes discussões e em vista dos novos argumentos expendidos pelos Ministros, o Ministro Marco Aurélio decidiu ratificar sua posição, registrando sua discordância com as alegações dos Ministros Octávio Gallotti e Néri da Silveira, já que a Constituição Federal não distingue a origem das informações, mesmo tendo presente a natureza dos recursos envolvidos11 .

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* Advogada, formada pela UERJ, especializada em Direito de Empresas pela PUC/RJ e mestre <_st13a_personname w:st="on" productid="em Direito Econômico">em Direito Econômico pela UGF/RJ.





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