Ao tratar da execução de título extrajudicial estrangeiro, o novo CPC pouco evoluiu em relação ao CPC de 1973, mantendo os obscuros e dúbios requisitos de executoriedade do título estrangeiro, que ainda geram insegurança ao credor de obrigação transnacional quanto à utilização da execução como forma de satisfação de seu crédito.
Apesar da sua importância, em especial para advogados que têm clientes estrangeiros que mantêm negócios com empresas brasileiras, o §2º do art. 585 do Código de Processo Civil de 1973, que dispõe sobre a possibilidade de executar no Brasil um título extrajudicial estrangeiro, é um dos dispositivos menos comentados pela doutrina e menos usados pelos advogados, que dificilmente se aventuram em ajuizar execuções baseadas em títulos estrangeiros.
Este desinteresse pelo dispositivo foi refletido no novo Código de Processo Civil (“NCPC”), que conforme está sendo visto nesta série de artigos, trouxe várias alterações relevantes para o processo civil no âmbito do Direito Internacional, mas nenhuma relacionada à execução de título extrajudicial estrangeiro.
O Código de Processo Civil de 1973, em seu §2º do art. 585 dispõe que: “Não dependem de homologação pelo Supremo Tribunal Federal, para serem executados, os títulos executivos extrajudiciais, oriundos de país estrangeiro. O título, para ter eficácia executiva, há de satisfazer aos requisitos de formação exigidos pela lei do lugar de sua celebração e indicar o Brasil como o lugar de cumprimento da obrigação”.
O Novo Código de Processo Civil alterou a disposição apenas formalmente para dividi-la em dois parágrafos, que foram assim dispostos no art. 784: “§ 2o Os títulos executivos extrajudiciais oriundos de país estrangeiro não dependem de homologação para serem executados. § 3o O título estrangeiro só terá eficácia executiva quando satisfeitos os requisitos de formação exigidos pela lei do lugar de sua celebração e quando o Brasil for indicado como o lugar de cumprimento da obrigação”.
Como se verifica, a alteração é meramente formal, não havendo nenhuma inovação, o que é uma pena dada a importância da disposição legal, que possibilita o ajuizamento de execução para cobrança de título estrangeiro, acelerando a cobrança pelo credor, que, de outra forma, deveria se sujeitar às vias ordinárias ou ao ajuizamento de ação em país estrangeiro e depois à homologação da sentença estrangeira perante o Superior Tribunal de Justiça.
Os requisitos para a execução de título estrangeiro, assim, continuam os mesmos: (i) satisfazer “os requisitos de formação exigidos pela lei do lugar de sua celebração” e (ii) indicar o Brasil “como lugar de cumprimento da obrigação”, mas poderiam e deveriam ter sido esclarecidos e modernizados pelo legislador do Novo Código de Processo Civil.
O primeiro requisito consiste na comprovação de que o título estrangeiro é válido nos termos da legislação do lugar da sua celebração. Ocorre que tal disposição não é clara, pois deixa margem para o entendimento equivocado, mas comum na doutrina, de que apenas o título que tenha força executiva no país de sua formação pode ser executado no Brasil.
Tal entendimento não é correto, pois inviabiliza a aplicação do dispositivo, já que são raros os países que preveem em sua legislação o processo de execução (ou algo que a ele se assemelhe). Ou seja, entender que o título estrangeiro que se busca executar no Brasil deve ser título executivo no país de origem, seria o mesmo que inviabilizar a sua execução perante o Judiciário brasileiro.
O que a lei exige é que o título estrangeiro represente um negócio jurídico válido nos termos da lei estrangeira. É o que se verifica da leitura atenta do §3º do art. 784 do CPC, que dispõe que: “O título estrangeiro só terá eficácia executiva quando satisfeitos os requisitos de formação exigidos pela lei do lugar de sua celebração e quando o Brasil for indicado como o lugar de cumprimento da obrigação”.
Assim, certamente, o legislador, ao praticamente manter, no NCPC, a redação do §2º do art. 585 do Código de Processo Civil de 1973, perdeu uma ótima oportunidade para resolver esta controvérsia, de forma a explicitar que basta que o título seja considerando um negócio jurídico válido pela legislação do local da sua celebração que a execução no Brasil será possível, o que certamente viabilizaria mais execuções de títulos estrangeiros no Brasil.
O segundo requisito é que o Brasil seja indicado como o lugar de cumprimento da obrigação. Este requisito, ao contrário do que seria recomendável, também não foi esclarecido e modernizado pelo legislador reformador. Isto porque, considerando-se a natureza e a forma como os negócios são celebrados atualmente por meio de contratos bilaterais nos quais o vendedor e o comprador estão em países diferentes, dificilmente o título estrangeiro irá prever expressamente que o Brasil é o lugar de cumprimento da obrigação.
A falta desta previsão expressa nos títulos e manutenção na legislação de que o título indique o Brasil “como lugar de cumprimento da obrigação” praticamente impossibilita o ajuizamento da execução do título estrangeiro. Assim, era necessário que o legislador tivesse modernizado a disposição para prever como segundo requisito para a execução de título estrangeiro que o devedor fosse residente no Brasil e/ou que tivesse seus bens aqui localizados, em prol dos princípios da realidade e efetividade da execução.
Este é inclusive o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que, ao julgar o REsp nº 1.080.046-SP, entendeu que, tendo em vista as modernas formas de pagamento, sendo o devedor residente no Brasil, aqui é lugar de cumprimento da obrigação, pois é daqui que partiria a ordem de pagamento do valor devido, mesmo que o credor seja pessoa domiciliada em país estrangeiro.
Desta forma, o legislador do NCPC perdeu a oportunidade de esclarecer e modernizar a previsão legal de execução de título estrangeiro, o que, se tivesse sido feito, certamente, permitiria o ajuizamento de mais execuções, permitindo que os créditos fossem recuperados de forma mais rápida e eficaz sem a necessidade de ajuizamento de ações ordinárias ou de homologações de sentenças estrangeiras.
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*Marco Gasparetti e Marina Tavares são, respectivamente, sócio e associada da área de Contencioso Cível do escritório Mundie e Advogados.
**O presente artigo foi escrito e divulgado apenas para fins informativos e de debate, não constituindo orientação jurídica nem podendo ser interpretado como opinião legal ou posicionamento oficial do escritório sobre a matéria.