A mídia tem noticiado a possibilidade de alteração de contratos de trabalho de executivos para adequação à crise das empresas e, pelo que se lê, parece que aos trabalhadores de alto escalão se aplica outra legislação trabalhista. Este assunto merece um tom de reflexão.
Um dos princípios de aplicação da legislação trabalhista brasileira é de "proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos" (Constituição Federal, art. 7º, XXXII e parágrafo único do art. 3º da CLT). Com esta previsão nosso sistema jurídico trabalhista rejeita a distinção que alguns países fazem entre os chamados colarinhos brancos e colarinhos azuis.
Se forem considerados o sistema hierarquizado das empresas e a superação de crise econômica, a previsão constitucional desafia uma dificuldade natural para que empregadores criem modelos seguros de planejamento trabalhista cujo objetivo é de redução de custos ou, muitas vezes, para retenção de talentos ou de equipes.
Um dos instrumentos para tentativa de superação de crises das empresas tem previsão na Constituição Federal e implica negociação coletiva para redução de salários (art. 7º, VI) e, em geral, tem atingido setores específicos da economia, nem sempre se aplicando a todos os trabalhadores das empresas.
A crise atual tem atingido o nível de desemprego em todas as empresas e compromete de forma direta os salários diferenciados de executivos que, embora protegidos pela expertise das funções exercidas e outras garantias contratuais, não são menos vulneráveis do que o chão de fábrica. Todos sofrem com a perda de emprego e do salário na proporção de suas dívidas e compromissos sociais.
Compatibilizar os interesses recíprocos neste nível de relação de emprego implica correr riscos para as empresas, pois a proteção legal vale para todos e, por mais intelectual e dono de sua vontade que o trabalhador possa parecer, aplica-se, na relação de emprego, o disposto nos artigos 9º (CLT), em torno da nulidade de atos praticados pelo empregador, e 468 (CLT) que condiciona a validade da alteração à manifestação da vontade do trabalhadores condições sempre vantajosas e benéficas.
Neste sentido decidiu o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região que não se pode falar no princípio da relativização do princípio de proteção. ("Embora o obreiro ocupasse alto cargo na estrutura empresarial, tal fato não permite afastar a aplicação dos princípios e regras trabalhistas inerentes ao trabalho subordinado, tampouco desvirtuar a relação empregatícia e seus requisitos, como se verifica dos termos do art.9º, CLT. A mera ocupação de cargo elevado na estrutura empresarial não afasta a aplicação do princípio protetor, tampouco permite sua relativização").
Deste modo, quando se trata de planejamento trabalhista que se antecipa ao contrato de trabalho, é possível que a empresa consiga estabelecer formas de contratação e benefícios atrativos que causem menor impacto no custo contratual. Exemplificativamente, projetos de integração do trabalhador na atividade empresarial, mediante aproximação de parceria no trabalho e em resultados podem reduzir o conflito natural do contrato de trabalho. Um dos instrumentos mais eficazes neste modelo é o da participação dos trabalhadores nos resultados das empresas da lei 10.101/00 que, se elaborado com sabedoria, pode transformar o ambiente da empresa e contribuir para melhores resultados.
Todavia, quando se trata de modificar as condições contratuais vigentes a fim flexibilizar ou reduzir salários e benefícios, é essencial a valorização do exercício da boa-fé contratual de ambas as partes. Ainda que manifestado expressamente pelo empregado o desejo de permanência no emprego com redução de ganho ou flexibilização das condições contratadas, não se pode ignorar possível risco de questionamento judicial para reparação futura, observada a prescrição quanto ao pactuado (Súmula 294, TST).
O conteúdo das alterações produzidas deve trazer compensações de natureza econômica a fim de que os interesses sejam ajustados e o exercício da autonomia da vontade não possa ser colocado em dúvida no futuro.
Portanto, quando se tratar de relação de emprego, a alteração de conteúdo do pactuado em contratos de profissionais de altos salários ou executivos, transfere às empresas a missão da escolha entre o risco de contingência e a preservação do profissional, lembrando sempre que vivemos um modelo de legislação que faz uma blindagem de proteção dos direitos assegurados quer contratualmente quer pela lei. As chances de êxito de questionamentos perante a Justiça do Trabalho não são muitas porque a lei não dá ao Juiz outra opção que sua aplicação.
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*Paulo Sergio João é advogado trabalhista e professor da PUC-SP - Especialização, MBA e Extensão e FGV Direito SP.