Ao tratar da competência internacional, o novo CPC evoluiu no tratamento da matéria, solucionando questões controvertidas e valorizando o direito de acesso à Justiça, sem que isso signifique a admissão, ampla e irrestrita, da competência da autoridade judiciária brasileira para demandas sem qualquer ponto de conexão com o Brasil.
O Novo Código de Processo Civil (NCPC) estabelece os limites da jurisdição nacional nos artigos 21 ao 25, enquanto que o mesmo assunto foi tratado nos artigos 88 ao 90 do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73).
Uma breve análise dos artigos do NCPC, em comparação aos dispositivos legais do CPC/73, leva à rápida conclusão de que, no que se refere às regras de competência internacional, pouca coisa mudou de um código para outro. Na verdade, o NCPC somente inovou ao detalhar as hipóteses de competência exclusiva e concorrente da jurisdição nacional, criando novas hipóteses, como está previsto nos incisos do artigo 22 do NCPC.
O inciso I do mencionado artigo trata das ações de alimentos, fixando a competência da autoridade judiciária brasileira quando o credor tiver domicílio ou residência no Brasil, ou, ainda, quando o réu mantiver vínculos com o Brasil, como renda ou bens. Esse inciso eliminou as incertezas que existiam nas ações de alimentos que envolvem partes residentes em países diferentes e, ainda, facilitará o acesso à justiça do credor/alimentando que poderá executar, no Brasil, a sentença que fixa os alimentos, desde que devidamente homologada pelo STJ.
Nesse sentido, é fácil constatar que o NCPC buscou valorizar os princípios constitucionais, como é o caso do inciso I, do artigo 22 do NCPC, que garante o acesso à justiça, princípio previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.
Já o inciso II do artigo 22 do NCPC dispõe que compete à autoridade judiciária brasileira julgar as ações decorrentes de relações de consumo, desde que o consumidor tenha domicílio ou residência no Brasil. Essa disposição também eliminou a discussão que existia sobre a competência concorrente quando se tratam de demandas que discutem defeitos e ilícitos decorrentes das relações consumeristas envolvendo as corporações multinacionais, principalmente.
Já o inciso III do artigo 22 do NCPC é a maior e principal inovação em termos de Competência Internacional. Isso porque, o referido inciso prevê que compete à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeteram à jurisdição nacional.
Ou seja, segundo esse dispositivo legal, qualquer pessoa ao redor do mundo poderia, em tese, escolher a jurisdição nacional para processar e julgar uma demanda que não tem nenhuma relação com o Brasil, nenhum ponto de conexão que justifique o julgamento da controvérsia por uma autoridade judiciária brasileira.
Em que pesem os entendimentos já manifestados sobre essa inovação, de que o Brasil poderia se tornar um novo foro internacional de resolução de conflitos, uma breve análise do ordenamento jurídico brasileiro leva à conclusão que a aplicação do inciso III do artigo 22 do NCPC poderá ser afastada.
Para tanto, basta interpretar essa disposição legal sob a luz dos princípios da inconveniência do foro e da efetividade, para justificar a exclusão da controvérsia da apreciação pelo juiz brasileiro, quando a causa não tem um mínimo de contato com o Brasil.
Além do mais, levando-se em consideração a atual situação do Judiciário Brasileiro, com a quantidade de processos e recursos pendentes de decisão e a demora que se tem para obter uma solução para as controvérsias colocadas perante o Poder Judiciário, a inovação do NCPC, se interpretada no sentido de garantir a liberdade ampla e irrestrita das partes de elegerem a Justiça Brasileira como a competente para solução do litígio, não traz, na prática, nenhum benefício ao sistema jurídico brasileiro. Isso porque, essa nova regra somente criaria a possibilidade de se aumentar o número de demandas ajuizadas perante o Poder Judiciário, abarrotando ainda mais o tão demorado processo judicial brasileiro.
Por último, a regra do artigo 25 do NCPC, segundo a qual não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação, encerra a discussão, ainda existente na jurisprudência e em parte da doutrina, acerca da validade da cláusula de eleição de foro estrangeiro que exclui a competência da autoridade judiciária brasileira para os litígios decorrentes do contrato. Tal regra deixa expressa aquela que, ao nosso ver, era a disciplina mais adequada para a matéria , já que, se as partes detêm a liberdade de, no contrato, renunciar à própria jurisdição estatal (ao incluir, nos contratos, convenção de arbitragem), não faria sentido impedi-las de, sem renunciar à jurisdição estatal, submeter eventuais litígios, com exclusividade, a foro estrangeiro.
Portanto, das inovações trazidas pelo NCPC, três realmente vieram para solucionar questões controvertidas e que traziam muita discussão sobre a autoridade judiciária competente, valorizando o direito de acesso à justiça dos brasileiros. Por outro lado, o inciso III do art. 22 do NCPC, ainda gera bastante discussão sobre seus benefícios, por existir elevado risco de somente aumentar o trabalho do Poder Judiciário Brasileiro com questões internacionais, que não possuem qualquer ponto de conexão com o Brasil.
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*Marco Gasparetti e Marina Falcone são, respectivamente, sócio e associada da área de Contencioso Cível do escritório Mundie e Advogados.
*O presente artigo foi escrito e divulgado apenas para fins informativos e de debate, não constituindo orientação jurídica nem podendo ser interpretado como opinião legal ou posicionamento oficial do escritório sobre a matéria.