Qual a relação entre registro de medicamentos e patentes?
Igor Simões*
No Brasil, apenas a Anvisa possui competência para conceder o registro para a comercialização de um determinado medicamento. De posse deste registro, a empresa está autorizada pelo órgão a comercializar seu produto em território nacional, ressalvados os direitos de terceiros.
Uma forma importante que o governo possui para aumentar o acesso da população aos fármacos é o incentivo à indústria de medicamentos genéricos, cujo setor é formado por laboratórios nacionais e estrangeiros. Não é por acaso que o mercado mundial de medicamentos genéricos tem crescido a uma média de 11% ao ano, e que o consumo desses medicamentos, no Brasil, cresceu quase 220%, desde que chegaram às farmácias, em 2000. Este crescimento se deve ao fato de que quando o medicamento genérico entra no mercado, sem os mesmos custos de pesquisa e de propaganda do medicamento de referência, acaba sendo vendido a um preço até 40% menor.
Com relação ao medicamento genérico, conforme a própria definição legal, este só pode ser fabricado caso o medicamento de referência não possua proteção de patente ou outros direitos de exclusividade. Partindo-se desse princípio, é sensato dizer que, tendo a Lei nº 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial) instituído a possibilidade de se obter patentes para produtos e processos farmacêuticos no Brasil, o apoio do governo federal à fabricação de medicamentos genéricos pode ser considerado como uma forma de tentar fortalecer a indústria farmacêutica nacional, que, com exceção de poucas empresas, não tem tradição em pesquisa de medicamentos inovadores.
No que diz respeito à patente de um medicamento, esta pode ser definida como o monopólio de exploração do mesmo, por tempo limitado, que é conferido pelo Estado, na forma do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), com prévia anuência da Anvisa. Diferente do registro de comercialização concedido pela Anvisa, a concessão da patente não autoriza a empresa titular do monopólio a comercializar o medicamento no Brasil, apenas lhe dá direitos exclusivos de exploração. Ou seja, se uma empresa possui exclusividade patentária de um medicamento e não possui registro de comercialização, o produto não pode ser vendido nem por ela nem por mais ninguém.
Em nosso país, percebemos que não existe qualquer relação entre os processos de obtenção do registro de comercialização e o de obtenção de uma patente para um mesmo medicamento. O motivo é a falta de interesse e sintonia entre as duas instituições nacionais envolvidas, que são a Anvisa e o INPI. Esse vácuo é prejudicial, pois o registro de comercialização e a patente de um medicamento deveriam estar diretamente ligados. Infelizmente, com isso, não raro, ocorrem casos de concessão de registros de comercialização a terceiros de medicamentos protegidos por patentes, cujos prazos de vigência ainda estão longe de terminar.
Um bom exemplo de interação entre instituições responsáveis pela concessão de registros de medicamentos e patentes, é o trabalho realizado em conjunto entre a repartição Norte-americana de Marcas e Patentes (sigla, em inglês, USPTO) e o FDA (U.S. Food and Drug Administration). Por exemplo, informações complementares sobre as datas de expiração de patentes de medicamentos podem ser obtidas no "Orange Book" (fonte - FDA, Center for Drug Evaluation and Research). Com a cooperação entre o FDA e o USPTO, uma empresa interessada em fabricar um determinado medicamento que ainda esteja protegido por patente nos EUA, pode saber quando tal patente vai se extinguir e pode se preparar para colocar o medicamento genérico no mercado norte-americano assim que a patente deixar de ser válida. Trata-se de um modelo de sucesso de cooperação e que poderia ser seguido por nossas instituições envolvidas. Se isso ocorresse no Brasil, provavelmente, o número de medicamentos genéricos comercializados iria aumentar, ocasionando crescimento da oferta de medicamentos de qualidade, com preço menor ao consumidor.
As sugestões para a solução do problema são: formulação de uma política pública séria na área da saúde, com controle de preços que reconheça a relevância das pesquisas, respeito à propriedade industrial, incluindo reestruturação do INPI, e uma política regulatória estável. Talvez tenhamos, assim, um maior número de parcerias entre iniciativa privada e instituições acadêmicas com aumento de investimentos em P&D por parte da indústria farmacêutica, com frutos a serem colhidos para o povo, objetivando, verdadeiramente, o seu bem-estar.
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*Agente da Propriedade Industrial do escritório Daniel Advogados
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