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Breves considerações sobre algumas modificações trazidas pelo novo CPC (lei 13.105/15)

Trata-se apenas de uma modesta tentativa de consolidar pontos essenciais, que os autores – na qualidade de advogados – entendem que lidarão mais no dia a dia forense.

5/2/2016

O intuito deste texto não é esgotar o tema atinente às principais alterações do novo Código de Processo Civil. Antes disso, trata-se apenas de uma modesta tentativa de consolidar pontos essenciais, que os autores – na qualidade de advogados – entendem que lidarão mais no dia a dia forense e que, como consequência direta, poderão influenciar também na rotina dos departamentos jurídicos de médias e grandes empresas.

Esperamos contribuir para uma maior internalização da nova legislação, em uma análise gradativa, seguindo - dentro do possível - a ordem dos artigos do NCPC os quais, independentemente de seus diversos defeitos, certamente trazem consigo importantes inovações.

De início, o novo CPC traz um título com diversas normas fundamentais, dentre as quais destacamos a materialização normativa do princípio da cooperação (art. 6º). O referido artigo também traz importante referência à justiça da decisão, ao mencionar expressamente que as partes devem cooperar para uma “decisão de mérito justa”. A palavra, ainda que de conceito extremamente relativo, é uma essência que norteia o código e, como veremos adiante, se entrelaçara com outros diversos dispositivos ao longo de todo o Livro.

Houve, também, significativo reforço do contraditório em todas as fases processuais (com algumas exceções, como no caso de análise de medidas urgentes), como podemos ver na parte final do art. 7º e arts. 9º e 10.

O artigo 8º aponta para a possibilidade de decisões fundadas exclusivamente em princípios. Neste mesmo contexto, observamos que o art. 489, §2º pode levar a interpretações de que os julgadores estariam autorizados a fazer ponderação de um princípio com uma regra (aqui desconsideramos as discussões sobre a caracterização ou não dos princípios também como regras). Aqui, abre-se importante campo argumentativo para a “decisão justa” mencionada alhures, quando dos comentários ao art. 6º.

Uma inovação que foi festejada (e criticada) por muitos, mas que provavelmente será extirpada do texto: a ordem cronológica, que poderia ter um impacto positivo, foi alterada pelo PLC 168/2015, pendente de sanção pela Presidenta.

No artigo 55, §3º observamos o disciplinamento formal da previsão da “conexão por prejudicialidade”, para evitar decisões conflitantes (o dispositivo fala que a reunião se dará “mesmo sem conexão” entre os processos).

A incompetência absoluta, quando reconhecida, não mais leva automaticamente à nulidade das decisões proferidas pelo juízo incompetente (art. 64, §4º).

Substancial aumento na pena por litigância de má-fé (artigo 81) e incidência de honorários advocatícios (artigo 85), dentre outros casos, no cumprimento de sentença (inclusive no provisório) e nos recursos, o que leva a uma necessária revisão das estratégias a serem adotadas em relação ao cumprimento de condenações e interposição de recursos. Neste contexto, é prudente sinalizar que, de acordo com o §4º do art. 90, “se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação reconhecida, os honorários serão reduzidos pela metade”. Neste contexto, ocorreu uma verdadeira ampliação dos efeitos do art. 652-A do CPC/73, que previa a referida redução apenas para hipótese específica no processo de execução.

Em nosso sentir, os litigantes que possuem um volume grande de causas devem ter um maior controle dos casos extintos sem resolução de mérito, visto que houve uma ampliação da regra da necessidade de depósito prévio dos honorários e custas do processo anterior, como pode ser visto no artigo 92 do novo código.

Ainda no contexto dos “grandes litigantes”, com o disciplinamento detalhado da assistência judiciária gratuita (art. 98 a 102), nos casos de “litigantes contumazes”, é prudente um controle para que possam ser detectados facilmente casos em que o beneficiário da gratuidade não se encontra mais na situação de insuficiência de recursos (por exemplo, quando receber indenizações em outros processos e não pagar custas/honorários em processo no qual foi sucumbente). O §6º do artigo 98 autoriza que o magistrado defira parcelamento das despesas, ao invés de conceder gratuidade.

O novo CPC detalhou melhor os requisitos da procuração (vide §§ 2º e 3º do art. 105) e previu expressamente que a procuração conferirá poderes para todas as fases do processo, exceto se o outorgante limitar expressamente (art. 105, §4º) e exigiu a inclusão do endereço eletrônico para recebimento de intimações ou outras comunicações (art. 287, caput).

De acordo com o artigo 133 e seguintes, a desconsideração da personalidade jurídica seguirá procedimento específico, incidental (também cabível para a desconsideração “inversa”), sendo certo que a ausência de participação do “prejudicado” no incidente pode fundamentar embargos de terceiro (art. 674, §2º, III).

Inovando de maneira bastante positiva, a Lei 13.105/2015 garantiu da intervenção do amicus curiae (art. 138) em ações que se enquadrem como sendo de matéria relevante, com tema específico ou repercussão social, trazendo consigo a ideia do legislador de cada vez mais buscar respaldo através de uma pluralidade de interpretes da norma.

Na forma do artigo 139, VI, o magistrado pode dilatar prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova. Também vislumbramos uma ampliação de poderes do juiz, para “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias” (medidas coercitivas indiretas e diretas) visando o cumprimento de ordem judicial, “inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária” (art. 139, IV).

O artigo 190 é importantíssimo no sistema processual, autorizando que as partes estabeleçam mudanças procedimentais, sempre garantido o controle jurisdicional. Tal artigo possibilita a realização de “negócios processuais”, inserindo inclusive previsões em contratos firmados, mesmo sem existência de processo judicial em curso. A negociação das partes pode envolver também distribuição do ônus da prova (art. 373, §§3º e 4º) e escolha de perito (art. 471).

Demonstrando mais uma vez o espírito cooperativo que permeia a nova legislação processual, vemos a possibilidade de fixação de calendário processual (art. 191 e art. 357, §8º) que, devidamente ajustado entre as partes e o juiz, irá dispensar intimações (§2º).

Novidade que alegrou bastante os advogados, a contagem dos prazos processuais passa a ser em dias úteis (art. 219). Ainda neste contexto, observamos a inaplicabilidade do prazo em dobro nos processos eletrônicos (art. 229, §2º).

Fica claro com o NCPC que o prazo para cumprimento de liminares terá início na data de recebimento da ordem (art. 231, §3º). Na mesma pegada de efetivação e agilidade, a representação por excesso de prazo ganhou uma disciplina mais detalhada (art. 235), inclusive com previsão de remessa dos autos ao substituto legal (§3º).

O processo eletrônico segue ganhando importância e caminhando para se consolidar no âmbito processual. As citações por meio virtual passam a ser regra para as empresas públicas e privadas (com exceções), conforme pode ser visto no artigo 246.

Importante inovação encontramos no artigo 269, § 1º, com a autorização para que o advogado promova a intimação do advogado da outra parte por meio do correio, obedecendo às formalidades previstas no referido dispositivo.
Na petição inicial, o legislador impôs que a petição inicial seja acompanhada da procuração, que conterá tanto o endereço físico como o eletrônico do advogado (art. 287, caput).

O valor da causa nas ações de indenização por danos morais deverá reflitir corretamente a pretensão do autor (art. 292, V), impactando diretamente na avaliação da sucumbência recíproca.

Diante da estabilização da decisão que concede a tutela antecipada (art. 304), a parte deverá rever a estratégia recursal, considerando também os custos associados aos recursos. De toda sorte, os §§2º e seguintes preveem medida processual para revisão, reforma ou invalidação da tutela antecipada concedida conforme artigo 303.

Ainda no campo das tutelas provisórias, a tutela da evidência (art. 311) impõe às partes que adotem uma postura de maior ponderação quanto à viabilidade de discussão judicial em determinados casos, mormente aqueles nos quais a tese de defesa seja apenas para postergar cumprimento de obrigações (vide incisos I e IV do artigo citado).

O artigo 317 garante às partes o direito à manifestação, e consequente correção de eventual vício, antes da extinção sem julgamento de mérito.

A petição inicial passa a ter novos requisitos, dispostos no artigo 319, tais como o “endereço eletrônico” e “opção pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação”. Este mesmo artigo concede à parte autora oportunidade de requerer que o juízo auxilie na obtenção de dados essenciais da parte ré (§1º).

Clareando algo discutido na doutrina, o novo código reforça que a interpretação do pedido deve se dar de acordo com a postulação e o princípio da boa-fé (art. 322, §2º). Da mesma forma, a decisão judicial deve ser interpretada “a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé”.

A adaptabilidade do procedimento nos casos de pedidos cumulados num único processo (art. 327, §2º, segunda parte) autorizará que o juiz adote providências importantes para o julgamento da causa.

Nas hipóteses em que o pedido for indeterminado e não for caso de possibilidade de pedido genérico, o juiz reconhecerá a inépcia da inicial (art. 330, §1º, II).

A audiência prévia do art. 334 (aplicável em qualquer caso submetido ao procedimento comum, excetuando-se os que não admitirem autocomposição) estabelece uma fase inicial que visará a composição do litígio, evitando que demandas se arrastem pelo tempo. A referida audiência só não ocorrerá se ambas as partes declararem expressamente o desinteresse consoante §5º do citado dispositivo (havendo litisconsórcio, todos devem declarar o desinteresse). A ausência injustificada é sancionada com multa.

Para a defesa, há concentração de toda a matéria numa única peça (art. 337), observando-se atentamente as disposições dos artigos 338 e 339.

Inovação quanto à possibilidade de “julgamento parcial de mérito” (inclusive de forma antecipada – art. 356), recorrível por agravo de instrumento (art. 354, par. único c/c art. 1.015, XIII).

A disciplina do saneamento do feito (art. 357), momento processual crucial para o processo, sofreu diversas melhorias, cabendo ressaltar que as próprias partes podem apresentar ao juízo a delimitação das questões de fato e de direito, em conjunto, para homologação judicial (§2º). No saneamento compartilhado (§3º), o juiz convoca as partes para colaborarem no saneamento do feito e, neste caso, já devem apresentar rol de testemunhas (§5º).

Mesmo que já fosse matéria constitucional, o fato do caput do artigo 379 do novo CPC tecer claramente o direito da parte de não produzir prova contra si, aproxima mais este importante direito constitucional do dia a dia forense, possibilitando até mesmo que a parte discuta a exigência de cumprimento de determinada ordem judicial.

Ainda no campo probatório, embora já prevista desde 1994 (lei 8.935, art. 6º, III e art. 7º, III), a ata notarial aparece no novo CPC (art. 384) e deve ser bastante utilizada pelas partes, para atestar existência de fatos, visando sua utilização em processos judiciais.

Os dados corretos para intimações de testemunhas possuem muita relevância, pois os advogados deverão intimar as testemunhas que indicarem (art. 455), cabendo intimação judicial quando for frustrada a intimação pelo advogado (§4º).

Analisando o artigo 489, podemos ver que ele concretiza em disposições específicas o princípio constitucional da fundamentação das decisões, exigindo ainda mais zelo do Judiciário na elaboração destes atos.

Pelo artigo 491 ficaram mais claras as obrigações do juiz ao proferir sentença relativa a ação que objetive uma obrigação de pagar quantia (aplicável inclusive quando o acórdão modificar a sentença, consoante §2º).

Na legislação que entrará em vigor brevemente há um disciplinamento mais completo da hipoteca judiciária (art. 495), além de expressamente autorizar o protesto de decisões transitadas em julgado (art. 517) e a negativação (art. 782, §5º).

Não sendo cumprida voluntariamente a condenação, a multa de 10% e os honorários advocatícios serão cabíveis também em sede de cumprimento provisório (art. 520, §2º).

É importante destacar que, de acordo com o artigo 537, §§3º e 4º, as astreintes são devidas desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e cabe cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo.

Outra inovação pertinente é que os memoriais de cálculos para cumprimentos de sentença ou execuções de títulos extrajudiciais são mais detalhados (art. 524 e art. 798). Em relação ao prazo para impugnação ao cumprimento de sentença, observa-se que se inicia após o curso do prazo de 15 dias para pagamento voluntário (vide art. 525).

Nos procedimentos especiais, podemos destacar a disciplina de particularidades para ações possessórias que envolverem grande número de pessoas (arts. 554, 565) e o cabimento de monitória não só para obrigação de pagar quantia (art. 700), assim como o disciplinamento mais detalhado dos embargos monitórios (art. 702).

O processo de execução (Livro II, art. 771 e seguintes) encontra-se melhor disciplinado, inclusive com regramento expresso e disciplinado da prescrição intercorrente (arts. 921, §§ 1º e 4º, e 924, V).

No campo recursal, como o artigo 927 impõe aos magistrados a observância, dentre outros, das teses jurídicas firmadas em acórdãos de julgamento de IRDR (incidente de resolução de demandas repetitivas), em IAC (incidente de assunção de competência) e dos precedentes locais (“orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados), as partes devem participar ativamente dos casos que tenham potencial de gerar precedentes vinculantes.

Calha apontar que o IAC (art. 947) é cabível quando houver relevante questão de direito, com grande repercussão social e sem repetição em múltiplos processos, sendo permitida intervenção de amicus curiae (art. 138); já IRDR (art. 976) é cabível quando houver “simultaneamente” (i) repetição de demandas sobre mesma questão “unicamente de direito” e (ii) risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, sendo permitida intervenção de amicus curiae (e apresentação de recurso – arts. 138 e 983).

Os embargos infringentes foram substituídos pela técnica de julgamento do art. 942; na ação rescisória, fica claro o seu cabimento contra violação da ordem jurídica como um todo (art. 966, V) e a reclamação encontra-se detalhadamente disciplinada (art. 988 e seguintes).

O novo CPC explicita textualmente que os recursos não impedem a eficácia da decisão como regra (art. 995, caput).

Reforçando a necessidade de participação efetiva das partes no acompanhamento de processos que possam fixar teses gerais (até para possibilitar avaliação de pertinência de revisão de tese – art. 986), especificamente na seara da prestação de serviços públicos, veja-se que os artigos 985, §2º e 1.040, IV, determinam que o resultado do julgamento, nos casos em que tiver por objeto questão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, será comunicado à agência reguladora, para que fiscalize o cumprimento da tese adotada.

Os embargos de declaração tiveram um regramento mais preciso, podendo destacar o disposto no artigo 1.026, caput (inexistência de efeito suspensivo da decisão) e o §4º do mesmo dispositivo (inadmissão automática de novo ED se os dois anteriores forem considerados protelatórios).

Finalizando, apontamos a previsão em rol fechado dos casos de cabimento do agravo de instrumento (art. 1.015, I a XIII).

Muitas outras modificações importantíssimas claramente não vieram dispostas aqui, mas como dito no início do artigo, a pretensão é apenas de contribuir para a disseminação das novas previsões processuais trazidas pela Lei 13.105/2015. No mais, até aquelas situações aqui abordadas só serão melhor clareadas – quanto a extensão e real aplicabilidade - no dia a dia forense, mas desde já se mostra inequívoco o anseio do código em garantir ao jurisdicionado um judiciário justo, célere, efetivo e viável.

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*Umberto Lucas de Oliveira Filho é especialista em Direito Processual Civil pela UFPE. Especialista em Direito Ambiental pela UFBA. Autor de artigos publicados em periódicos. Advogado do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia – Unidade Bahia.

*Diogo Dantas de Moraes Furtado é pós-graduando em Direito Processual Civil pela UFPE. Autor de artigos publicados em jornais e periódicos. Advogado do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia – Unidade Pernambuco.



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