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O advogado nos procedimentos inquisitivos: a nova lei 13.245/16

Não se pode perder de vista que a lei não restringe sua aplicação ao inquérito policial, mas sim prevê seu alcance a todo procedimento investigativo.

24/1/2016

A cultura processual penal brasileira, atrelada ao vetusto Código de Processo Penal, com vigência a partir de 1941, trilhou a via da persecução penal sinalizando sempre duas fases: a inquisitiva e a do contraditório. Na primeira, realizada com base na investigação policial e sem a presença defensiva, apura-se a autoria e a materialidade do delito. Na segunda, com a abertura do contraditório, formata-se a peça delatória estatal ou mesmo particular visando a entrega da prestação jurisdicional. E assim caminha até os dias atuais.

Muitas discussões doutrinárias foram travadas, assim como proferidas inúmeras decisões jurisprudenciais a respeito do valor probatório da investigação policial e, principalmente, da confissão nela ofertada. Uma das conclusões era a de que, sendo coerente a confissão da fase inquisitiva com a apresentada em juízo, tinha o condão de validade.

Com a vigência da Constituição Federal, foram introduzidos vários dispositivos tuteladores dos direitos e garantias do cidadão que esteja respondendo a procedimento administrativo de qualquer natureza, obrigando, em consequência, a perfeita adequação com relação ao exercício do direito de defesa, justamente para se estabelecer o equilíbrio entre a pretensão punitiva estatal, com total participação na fase primeira, e a garantia defensiva individual, cuja participação se operava posteriormente, coram judice. Com tal paridade, afasta-se uma das providências elencadas na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, no sentido de “abolir a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre a tutela social”. Tanto é que o nemo tenetur se detegere passou a configurar como uma das garantias ao indiciado.

No dia 12 de janeiro de 2016, foi publicada a lei 13.245, que alterou dispositivos no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (artigo 7º, incisos XIV e XXI da lei 8.906/94), especialmente para garantir ainda maior eficácia aos direitos conferidos a todos os cidadãos que, por algum motivo, são investigados em procedimentos administrativos inquisitivos.

Assim, reputa-se louvável, em um primeiro momento, a intenção do legislador em tentar fazer valer as disposições atinentes a um Estado Democrático de Direito, a fim de que o cidadão possua recursos para poder se defender e, sobretudo, produzir as provas que entenda necessárias e que, por qualquer motivo, não podem esperar a análise do magistrado, quando da instrução do processo eventualmente ajuizado.

Nesse passo, vislumbra-se que a grande novidade, ao menos no que diz respeito à norma positivada, repousa no novo inciso XXI, do artigo 7º, do EOAB, já que a lei prevê a nulidade do interrogatório ou do depoimento tomado sem a presença de advogado, e, ainda mais, dos atos subsequentes que dele possam derivar, sendo autorizado ao casuístico, inclusive, apresentar razões e quesitos que julgue fundamentais para o deslinde do Inquérito Policial ou de qualquer outro procedimento investigativo.

Também merece destaque o parágrafo 12, do artigo ora citado, que prevê a responsabilização por abuso de autoridade da autoridade que impedir o acesso de advogado, com a finalidade de prejudicar o exercício de defesa. Como a lei não pode impedir o acesso à prestação jurisdicional, fica garantido ao advogado, no mais, requerer acesso aos autos ao juiz competente, caso o EOAB não seja respeitado.

Não se pode perder de vista que a lei não restringe sua aplicação ao inquérito policial, mas sim prevê seu alcance a todo procedimento investigativo. Logo, os procedimentos administrativos criminais, instaurados pelos membros do Ministério Público, também precisarão respeitar as novas disposições trazidas pelo EAOB, bem como todo e qualquer procedimento que, de alguma forma, crie a necessidade do investigado em constituir advogado para acompanhamento do feito.

Assim, pode-se dizer que a nova lei não trouxe, empiricamente, nenhuma novidade jurídica, haja vista que esses entendimentos já vinham sedimentados em vasta jurisprudência, inclusive de nossos tribunais superiores, em razão da própria dimensão constitucional da ampla defesa.

De qualquer forma, parece que a positivação de conduta, por si só, já traz uma segurança maior ao operador do direito, que vê nas previsões abstratas da lei um caminho mais firme e confiável para fazer valer as disposições e entendimentos sedimentados.

Desta feita, reputa-se válida a intenção do legislador em proteger as disposições constitucionalmente garantidas a qualquer cidadão que integre um Estado Democrático de Direito, sobretudo quando embates jurídicos tendem, de algum modo, a dificultar o exercício delas.

Cabe ao operador, então, respeitar as garantias que todo investigado – e cidadão – possui para, caso venha a ser processado, o seja com base em elementos de prova válidos e convergentes com os ditames de Justiça. “É por todas essas razões, acentua Reale, que cumpre reconhecer que a justiça, condicionante de todos os valores jurídicos, funda-se no valor da pessoa humana, valor-fonte de todos os valores”1.

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1 Reale, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p. 377.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.





*Antonelli Antonio Moreira Secanho é assistente jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduação "lato sensu" em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP.



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