Depois de diversas propostas, substitutivos, emendas e acaloradas discussões nos plenário da Câmara e do Senado, foi sancionada pela presidente Dilma Roussef a lei 13.254/16, que cria um programa para a regularização espontânea de capitais não declarados existentes no exterior (o chamado Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária – “RERCT”). A presidente vetou, porém, alguns trechos do texto aprovado pela Câmara e pelo Senado (aqui abaixo, o “projeto”).
Alguns dos vetos realizados pela presidente geraram dúvidas quanto ao âmbito de aplicação do regime, tendo em vista que permanecem no texto legal alguns artigos que refletem conceitos presentes nos trechos vetados. Certamente, veremos diversas discussões a respeito do assunto nos próximos dias.
Um dos pontos controversos se refere à possibilidade de pessoas já condenadas por um dos crimes listados na lei, mas sem sentença transitada em julgado, aderirem ao RERCT. O texto aprovado pela Câmara e pelo Senado esclarecia que apenas pessoas já condenadas com sentença transitada em julgado estariam excluídas do programa. A presidente Dilma vetou o trecho que se referia a trânsito em julgado, levando ao entendimento que mesmo os réus condenados por sentença de primeira instância estariam impedidos de aderir ao regime.
Ao mesmo tempo, o artigo 5°, parágrafo 2° da lei estabelece que a extinção da punibilidade dos crimes cobertos pelo programa “somente ocorrerá se o cumprimento das condições se der antes do trânsito em julgado da decisão criminal condenatória”. Não está claro em que situações esse dispositivo seria aplicável.
Outro veto da presidente Dilma se refere à possibilidade de regularizar o patrimônio objeto de uma sucessão que esteja aberta. O dispositivo gerava dúvidas quanto ao marco temporal da regularização (já que uma sucessão ainda em aberto hoje não necessariamente estava em aberto em 31/12/14). Permanece, entretanto, a possibilidade de regularização de bens do espólio.
Outro aspecto temporal importante se refere ao prazo para que a Receita Federal emita o normativo regulamentando a adesão ao RERCT. O prazo inicialmente estabelecido no projeto era de 30 dias, mas a presidente entendeu que as autoridades fiscais poderiam precisar de mais tempo para regulamentar o regime, vetando o dispositivo. De acordo com a mensagem de veto, a estimativa das autoridades fiscais é que o normativo seja editado até 15 de março de 2016. Cabe lembrar, que o prazo para adesão ao regime (que é de 210 dias) só começa a correr a partir da publicação do normativo pela Receita Federal.
Foi também vetada a possibilidade de se declarar e regularizar joias, metais preciosos, obras de artes, antiguidades e material genético de produção animal, dada a dificuldade de se comprovar a titularidade e valor de mercado de tais bens, o que poderia abrir uma brecha para a regularização de recursos decorrentes de origem ilícita.
Se por um lado o veto limita a utilização indevida do regime, por outro desestimula a adesão ao regime por parte de contribuintes que tenham apenas parte de seus bens passíveis de regularização. Esse poderia ser o caso, por exemplo, de pessoas físicas que têm parte de seus ativos em ouro, e parte em fundos, ações e imóveis. Essa pessoa física estaria impedida de regularizar a totalidade de seu patrimônio e, caso optasse por uma regularização parcial (cobrindo apenas os fundos, ações e imóveis), continuaria sujeita a sanções em relação aos ativos não regularizados. Note-se, também, que o investimento em metais preciosos muitas vezes encontra-se depositado junto a instituições financeiras no exterior, que estão sujeitas à regulamentação de combate à lavagem de dinheiro, e que fornecem extratos indicando tanto o valor como a titularidade do investimento. Portanto, as informações necessárias à averiguação da origem dos recursos estariam plenamente disponíveis.
Merece também destaque a manutenção do artigo 4°, parágrafo 5°, da lei 13.254/16, que estende a interpostas pessoas a extinção da punibilidade pelos crimes abrangidos pelo regime.
Parece portanto que trustees e fundações também estariam protegidos pela anistia.
Por último, foi vetada a possibilidade de parcelar o imposto e a multa de regularização incidentes sobre os bens imóveis, tendo em vista a necessidade iminente de caixa. Pelo mesmo motivo, foi vetado o dispositivo que previa que a multa de regularização (em valor equivalente a 15% do patrimônio não declarado) teria a mesma destinação do imposto de renda. A intenção é que o Governo Federal tenha disponibilidade sobre o montante total da multa, podendo decidir livremente sobre a sua destinação.
Embora as razões da presidente sejam compreensíveis, alguns dos dispositivos vetados acabaram gerando insegurança jurídica. Restaram lacunas e contradições que geram incerteza quanto ao âmbito de aplicação do projeto e seus possíveis beneficiários. O fato de certos tipos de bens não serem elegíveis impede que alguns contribuintes com recursos lícitos possam regularizar a totalidade de seu patrimônio, o que vai na contramão dos objetivos da lei.
Feitas essas considerações, não resta que esperar a regulamentação por parte da Receita Federal e preparar a documentação comprobatória da origem e titularidade dos recursos, de modo que o contribuinte tenha em mãos todos os elementos necessários para preencher sua declaração de regularização.
Apesar da aparente simplicidade do procedimento, será necessário examinar preventivamente essa documentação a fim de preparar-se para eventual questionamento das autoridades. É importante recordar que as autoridades fiscais tem cinco anos para examinar e avaliar as informações que serão prestadas pelo contribuinte, convalidando a anistia.
É importante lembrar que o RERCT constitui uma possibilidade única para que os contribuintes venham a regularizar a situação de ativos lícitos não declarados, sem que sejam responsabilizados criminalmente pelas condutas previstas acima. Trata-se, sem dúvida, uma oportunidade a ser aproveitada.
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