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A cláusula de eleição de foro estrangeiro no novo CPC

Ao reconhecer com clareza a competência da autoridade estrangeira em cláusulas de eleição de foro, o direito brasileiro dá um passo em direção à segurança jurídica.

29/12/2015

Em contratos internacionais, a escolha do direito aplicável e do foro competente para solução de litígios são temas sensíveis aos contratantes. Não é incomum que partes de diferentes nacionalidades travem debates intensos para definição do regramento jurídico de tais contratos, e mais frequentes ainda são extensas cláusulas compromissórias, definindo parâmetros para a instituição e a condução escorreita de arbitragem, na eventualidade de surgir conflito em decorrência do pacto.

No entanto, em contratos envolvendo uma parte brasileira e outra estrangeira, podem ser encontradas cláusulas que remetam a solução de eventual litígio a autoridade jurisdicional estrangeira. Nessa hipótese, sob a égide do CPC de 1973 e da jurisprudência consolidada dos principais tribunais brasileiros, a cláusula de eleição de foro estrangeiro poderia se submeter a uma série de restrições, o que prorrogava a solução do litígio pela mera indefinição da autoridade judiciária competente para julgá-lo.

O CPC/73 preleciona, em seu art. 88, que é competente a autoridade judiciária brasileira quando:

(i) o réu estiver domiciliado no Brasil (ainda que seja estrangeiro);

(ii) a obrigação a que versa o litígio tiver de ser cumprida no Brasil; e

(iii) a ação se originar de fato ocorrido ou praticado no Brasil.

Interpretando o dispositivo, os tribunais brasileiros, especialmente o STJ, firmaram seu entendimento no sentido de que a competência da autoridade judiciária brasileira nos casos do art. 88 do CPC/73 seria concorrente com a da autoridade estrangeira eleita no contrato, em contraponto com a competência exclusiva disciplinada no art. 89 do CPC/731. E, em situações de competência concorrente, a jurisdição da autoridade brasileira não poderia ser afastada sob pena de ferir a soberania nacional (o primeiro dos fundamentos da República Federativa do Brasil, consoante art. 1º, inc. I, da Carta Magna), posto que o Estado brasileiro teria interesse no julgamento das causas ligadas ao ordenamento jurídico nacional.

Colhem-se como principais exemplos do posicionamento sobre o referido dispositivo legal os acórdãos proferidos: (i) em 2/6/15 pela 4ª turma do STJ nos autos do Recurso Ordinário nº 114/DF, de relatoria do min. Raul Araújo, e (ii) em 10/11/15 pela 5ª câmara Cível do TJ/RJ na Apelação 0039428-85.2013.8.19.0209, de relatoria do des. Henrique Carlos de Andrade Figueira. É curioso observar que ambas as decisões foram proferidas depois de promulgado o Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15), que traz norma específica sobre a cláusula de eleição de foro exclusivo alienígena, e modifica completamente o entendimento solidificado pelos tribunais.

Embora o CPC/15 praticamente reproduza no seu art. 21 o disposto no art. 88 do CPC/73, (invocado como fundamento jurídico para manter a competência do juiz brasileiro nos casos nele descritos), em seu art. 25, o novo código afasta a competência da autoridade judiciária brasileira no caso de eleição de foro exclusivo estrangeiro:

Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação.

A mudança introduzida pelo CPC/15 prestigia a autonomia da vontade das partes, tema caro em negociações internacionais. Ao reconhecer com clareza a competência da autoridade estrangeira em cláusulas de eleição de foro, o direito brasileiro dá um passo em direção à segurança jurídica. Espera-se que as longas discussões sobre a competência para julgamento de determinada causa – muito antes de se discutir seu mérito – sejam abreviadas, reduzidas, ou até mesmo extirpadas.

Vale ressaltar que a soberania nacional não foi mitigada com o art. 25 do CPC/15. A competência do juiz ou tribunal estrangeiros não será válida nos casos de competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira, definida no art. 23 do CPC/152. Além disso, depende da arguição de incompetência pelo réu em contestação, garantida a formação dialética da decisão. Por fim, nos termos do art. 63 do novo código, a cláusula de eleição de foro estrangeiro pode ser considerada abusiva até mesmo de ofício – em relações de consumo, por exemplo –, e só produz efeitos quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico.

É certo que a jurisprudência se forma com o tempo. Isso explica o posicionamento tardio dos tribunais brasileiros sobre a cláusula de eleição de foro alienígena, já superado pelo código novo, mas em consonância com os preceitos do código antigo. Nada obstante, as disposições do CPC/15 serão aplicadas assim que iniciada sua vigência, mesmo nos processos pendentes. Assim, a partir de 18 de março de 2016, os tribunais deverão analisar eventuais demandas sobre a inaplicabilidade da cláusula de eleição de foro estrangeiro sob a luz do art. 25 do novo código, e adaptar suas decisões aos preceitos da nova lei, mormente no que tange ao seu fundamento constitucional (a suposta violação à soberania nacional).

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1 O qual estabelece a competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira em ações relativas a imóveis situados no Brasil, e no inventário e partilha de bens situados no Brasil.

2 O CPC/15 reproduz as hipóteses de competência exclusiva do CPC/73, e acrescenta a competência da inderrogável da autoridade brasileira à partilha de bens situados no Brasil em ações de divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável.

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*Pedro Augusto de Castro Freitas é advogado do escritório GVM - Guimarães & Vieira de Mello Advogados.

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