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Impropriedades técnicas da Medida Provisória 692: incertezas quanto à amplitude da majoração do Imposto sobre a renda incidente no ganho de capital

A MP peca por não alterar diretamente o diploma normativo originário que versa sobre o ganho de capital das pessoas jurídicas.

28/12/2015

No bojo do malfadado e ainda incipiente ajuste fiscal, o governo editou recentemente a Medida Provisória 692, que, além de dispor sobre o PRORELIT – Programa de Redução de Litígios Tributários, majorou a alíquota do imposto sobre a renda incidente no ganho de capital percebido por pessoa física em decorrência da alienação de bens e direitos de qualquer natureza.

De acordo com a nova sistemática, a apuração do imposto devido será orientada, a partir de 1° de janeiro de 2016 (em obediência ao princípio da anterioridade), pela aplicação de percentuais escalonados de acordo com a quantificação do ganho de capital auferido (diferença positiva entre o valor de alienação e o custo de aquisição), nos seguintes termos:

I - 15% sobre a parcela dos ganhos que não ultrapassar R$ 5.000.000,00;

II - 17,5% sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 5.000.000,00 e não ultrapassar R$ 10.000.000,00;

III - 20% sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 10.000.000,00 e não ultrapassar R$ 30.000.000,00; e

IV - 22,5% sobre a parcela dos ganhos que ultrapassar R$ 30.000.000,00.

Adicionalmente, a Medida Provisória erigiu regras tendentes a delimitar o ganho de capital devido na hipótese de alienação em partes do mesmo bem ou direito (conjunto de ações ou quotas de uma mesma pessoa jurídica, por exemplo), sendo que, a partir da segunda operação, o ganho de capital deverá ser somado aos ganhos auferidos nas operações anteriores para fins da apuração do imposto, deduzindo-se o montante do imposto pago nas operações pretéritas.

Por mais que a mencionada tributação possa ser questionada pelo oportunismo, pelo desestímulo à dinamização das atividades empresariais e, notadamente, pela desconsideração da divisibilidade das participações societárias (por vezes alienadas segregadamente em contextos distintos), não se pode olvidar do seu inegável respaldo no princípio da capacidade contributiva, baliza que norteia a cobrança dos impostos e, dessa forma, legitima constitucionalmente o acréscimo de alíquotas com base na demonstração da capacidade econômica do contribuinte.

Todavia, ao mesmo tempo em que referido princípio é prestigiado no art. 1° da Medida Provisória ele é, paradoxalmente, vilipendiado no artigo subsequente, que estende a majoração das alíquotas nos patamares descritos acima às pessoas jurídicas que alienem bens e direitos do ativo não-circulante (investimentos, imobilizado ou intangível), à exceção das pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado.

Ora, ao excluir de tal imposição as sociedades optantes pelos mencionados regimes de tributação a Medida Provisória assegura que o acréscimo da carga tributária recaia justamente sobre as pessoas jurídicas que, em tese, reuniriam as condições econômicas mais desfavoráveis a suportá-lo, isto é, sobre as entidades integrantes do Simples Nacional, em uma irracionalidade cega que contraria a translúcida lógica de proteção das micro e pequenas empresas estatuída em diversos trechos da Constituição.

Nesse sentido, a Medida Provisória n° 692 padece de um mal próprio às medidas imponderadas, cuja necessária perspectiva sistêmica, consoante ao texto constitucional como um todo, é perdida pela urgência inconsequente que as fundamenta.

Não obstante tal incongruência, a impropriedade da redação do art. 2° da MP ainda obscurece a amplitude da norma nele contida, eis que, ao optar pela confusa exclusão do âmbito da regra das “pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado” ao invés da simples inclusão restritiva das “pessoas jurídicas tributadas com base Simples Nacional” a MP dá azo a incertezas quanto à possível abrangência da majoração da alíquota relativamente aos ganhos apurados por empresas estrangeiras, em nítido descompasso com a técnica legislativa preconizada pela Lei Complementar n° 95/98, que demanda que as disposições normativas sejam redigidas com clareza e precisão, este último atributo obtido mediante a articulação da linguagem “de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma” (art.11).

De igual modo, a MP peca por não alterar diretamente o diploma normativo originário que versa sobre o ganho de capital das pessoas jurídicas, omissão que contribui para o agravamento do irracional, disperso, incompreensível, inseguro, aviltante (não faltam adjetivos) caleidoscópio que é a legislação tributária brasileira.

Embora não concordemos com a interpretação tendente a expandir a elevação das alíquotas aos não-residentes, tendo em vista a especificidade de várias regras que governam os ganhos de tais pessoas e, ademais, pelo fato de que a MP emprega conceito contábil inaplicável às sociedades localizadas no exterior, não se pode afastar, de plano, eventual posicionamento contrário das autoridades fiscais, considerando-se, nesse desígnio, que as pessoas jurídicas domiciliadas no exterior estão, em regra, sujeitas ao mesmo tratamento tributário aplicável àquelas domiciliadas no Brasil

Em tal cenário nebuloso, lamenta-se a pobreza da exposição de motivos que acompanhou a propositura do então projeto de Medida Provisória EM nº 00125/2015 MF pelo Ministro Joaquim Levy, o qual se limita a invocar a suposta prevenção de planejamentos tributários abusivos como justificativa à inclusão do esquizofrênico art. 2°:

“Da mesma forma, o art. 2º determina que o ganho de capital, auferido por pessoa jurídica, não sujeitas à tributada [sic] com base no lucro real, presumido e arbitrado, seja tributado mediante à aplicação das mesmas alíquotas previstas na legislação do IRPF. A medida visa evitar planejamentos com o objetivo de aproveitar a tributação reduzida do ganho de capital.”

Desperdiçou-se, portanto, oportunidade de se delimitar, ainda que minimamente, a expectativa dos contribuintes acerca da interpretação de uma norma que aparenta ser propositalmente mal elaborada, insegurança essa que se revela como uma das vertentes mais nefastas do aperto fiscal, oriunda da edição de normas insuficientemente pensadas, cujo caráter eminentemente arrecadatório acaba por turvar as demais consequências delas advindas.

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*Gabriel Bicalho Carvalho é advogado de Direito Tributário no escritório Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.

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