Um dos espetaculares vídeos do grupo Porta dos Fundos retrata a história de um casal marcado pelo tédio da previsibilidade. A mulher reclama do marido porque já sabe tudo que ele vai dizer etc. Enfim, só mesmo assistindo, porque com palavras é impossível reproduzir1.
Vendo o vídeo lembrei-me de quando eu era criancinha pequenina lá em Pouso Alegre, MG, e assumi um compromisso de não ser uma pessoa repetitiva porque sempre que ouvia alguém falando algo que já havia falado várias vezes achava o sujeito meio maluco ou mesmo um “bobão”, como costumava, à época, ofender os desafetos, sendo que, além disso, o efeito gerado era o de que eu acabava me convencendo do contrário do sentido expresso na fala.
Como o propósito, ainda que não revelado, de quem se submete a fazer uma manifestação pública é o de convencer a quem se dedica, como resultado de uma opção ou por obrigação, escutá-lo, a estratégia de não repetir a fala tornou-se, para mim, uma palavra de ordem.
Se o palestrante simplesmente diz o que a gente já sabia o que ele ia dizer o momento fica um tanto quanto chato e foi por isso, talvez, que alguns palestrantes contumazes, que concorrem no mercado pelos parcos espaços de fala, começaram a pensar em meios cada vez mais inovadores e surpreendentes para fazer sua exposição, declamando poemas, lendo contos, contando piadas e até cantando... Como já se disse: “a vida não tá fácil prá ninguém...”
Buscar a empatia do público é importante porque, afinal, uma palestra não deixa de ser um exercício de convencimento. Além disso, o momento tem um sentido em si a tal ponto que mesmo com danos ao conteúdo uma fala agradável já vale a pena, podendo, inclusive, ter um efeito catártico.
Mas essa tarefa de tentar agradar é muito dura porque a plateia tantas vezes se posta como um crítico implacável. Alguns congressistas habituais ficam ali anotando tudo e o palestrante até se comove, pensa que está agradando, mas no fundo o anotador só está esperando o orador cometer uma falha para depois fazer uma pergunta destruidora. Agora, então, com esse negócio de gravação por celular, fazer uma palestra passou a ser uma atividade de risco, pois tudo que você diz, retirado de contexto, pode ser usado contra você, sendo divulgado, com sentido deturpado, para milhares de pessoas, e se “viralizar”, como se diz, para milhões...
Além disso, a inovação trazida na palestra em pouco tempo vira rotina. O palestrante “dá tudo de si”, prepara a fala, encena e até canta. Tempos depois, o ouvinte mal humorado vai e diz: “Ai, vai cantar de novo!!!”
Eu já declamei, li contos, contei piada, cantei, utilizei vídeos de documentários e de filmes clássicos, sendo que agora estou na fase Barbixas e Porta dos Fundos (que são sensacionais). Até já arrisquei alguns passos de sapateado, cabendo esclarecer que me tornar um “streeper” não está em cogitação, ainda... E claro, sempre deixo um tempinho para falar um pouco de direito do trabalho...
E para que essa toda longa introdução? Primeiro, claro, para cumprir a estratégia de trazer alguma inovação e, segundo, para consignar que na situação específica em que me vi envolvido neste ano, ao ter recebido a honrosa missão de conversar com os juízes e juízas do trabalho da 15ª. Região, em diversos encontros regionais, sobre a incidência, ou não, do novo CPC no processo do trabalho, em cada encontro – e já foram três – as dificuldades de surpreender a plateia foram se multiplicando.
Ainda que eu me esforçasse para criar uma nova dinâmica de exposição o conteúdo não tinha como ser diferente e, evidentemente, as juízas e juízes que vinham para cada novo encontro já tinham notícia do que eu havia dito no anterior, até porque, logo no dia seguinte, a notícia era dada pelo setor de imprensa do Tribunal2.
Pois bem. Se já disse, de três formas diferentes que rejeito a aplicação do novo CPC no processo do trabalho por conta da incompatibilidade, da desnecessidade e dos graves riscos que a aplicação do novo CPC traz aos direitos trabalhistas, e se todos aqui já sabem que falei isso e, portanto, vieram preparados e, consequentemente, desanimados, para ouvir a mesma história, ainda que com outro roteiro, vi-me na quase obrigação, até para manter a pertinência da palestra, de perverter essa ordem preconcebida dos fatos.
Resolvi, então, visualizar a aplicação de alguns dispositivos do novo CPC no processo do trabalho, avaliando os efeitos disso.
Creio que com isso aqueles que pretendiam dormir na palestra já terão ao menos alguma curiosidade para ouvir o que vem pela frente.
Pois bem, mantendo a lógica argumentativa de que o processo do trabalho não precisa do novo CPC para cumprir sua função de servir como instrumento do direito do trabalho, que é um direito diverso do direito civil para qual o novo CPC está voltado, pretendo nesta fala indicar qual seria o efeito (paradoxal) da aplicação dos seguintes dispositivos do novo CPC no processo do trabalho: artigos 1º; 4º; 5º; 6º; 67 a 69; 77, I a V; 79; 80; 81; 98, §4º; 99; 99, 4º; 139, III, IV, VI e VIII; 142; 156, § 1º; 191; 202; 292, § 3º; 293; 300; 311; 370; 372; 373, § 1º; 375; 378; 385; 406; 481; 487, III, b; 497 a 501; 503; 517; 520; 521, I, II, III e IV; 523, § 1º.; 534; 535, § 3º, VI; 536; 537; 674 a 681; 794; 794, § 1º; 795, § 2º; 829; 833, § 2º.
Vejamos o que isso representa.
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Confira o artigo na íntegra.
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*Palestra proferida no Encontro de Juízes do Trabalho da 15ª. Região, organizado pela Escola Judicial da 15ª. Região, realizado no dia 12/11/15, no Plenário Ministro Coqueijo Costa do TRT15.
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1 https://www.youtube.com/watch?v=qX7ntbo8zXw.
2 Cabe aqui o registro acerca da competência do pessoal da imprensa do Tribunal, que não apenas consegue pinçar o sumo do que foi dito como ainda faz a palestra ter uma qualidade que de fato não teve (e falo isso, pensamento, exclusivamente nas minhas falas).
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*Jorge Luiz Souto Maior é professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP.