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Câmara aprova Projeto de Lei que permite a repatriação de patrimônio no exterior

Para que o Brasil obtenha eficiência na arrecadação com essa medida é fundamental que observe as experiências internacionais de sucesso.

7/12/2015

Como amplamente alardeado pela mídia, no dia 11 de novembro deste ano foi aprovado pela Câmara dos Deputados o texto base do Projeto de Lei1 que dispõe sobre a repatriação de recursos, bens e direitos, de origem lícita, não declarados no exterior, oportunidade em que foi criado o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT).

Atualmente aguardando a aprovação do texto pelo Senado e a posterior sanção presidencial, o PL ganhou grande repercussão por ser considerada a última oportunidade para quem mantém recursos não declarados ao fisco fora do país e possui interesse em declará-los com anistia de multas e, principalmente, de diversos crimes, como sonegação fiscal e crimes contra ordem tributária e contra o Sistema Financeiro, haja vista os crescentes esforços internacionais para trocas de informações entre países e cooperação para evitar evasão fiscal e planejamentos tributários ilícitos, das quais o Brasil tem participado ativamente.

Em linhas gerais, o Regime Especial consiste na declaração dos recursos no exterior mediante a elaboração de declaração única de regularização, acompanhada do pagamento integral de 15% de Imposto de Renda sobre todo o valor declarado, bem como de multa de 100% sobre o imposto. Assim, o impacto econômico para aqueles que aderirem ao RERCT, caso seja mantida esta regra, será de 30% sobre o patrimônio declarado.

Neste ponto é interessante alertar que para o declarante de bens imóveis será possível parcelar o imposto e a multa em até 12 vezes2, sendo a primeira parcela devida no ato da adesão do RERCT, desde que não existam outros ativos financeiros declarados cujos valores somados sejam suficientes para o pagamento integral do imposto e multa.

O projeto vem sendo bastante criticado pela oposição em razão do suposto baixo impacto econômico ao evasor, que, além de não responder criminalmente pela conduta, ainda recolherá um valor inferior se comparado com a legislação em vigor, que é de 27,5% de imposto e 20% de multa.

Entretanto, se tomarmos a experiência internacional como exemplo, é possível perceber que os projetos de repatriação que mais obtiveram êxito de arrecadação, como se espera no Brasil (R$ 100 bilhões), foram aqueles em que as alíquotas variaram entre 1% e 7%3. Esses países também foram os que ofereceram grande segurança jurídica a esse tipo de projeto.

Por outro lado, os países que buscaram altas alíquotas, similares às apresentadas no projeto de lei no Brasil, ficaram bem longe de suas expectativas4.

Portanto, em nossa análise, para que o Brasil obtenha eficiência na arrecadação com essa medida, é fundamental que observe as experiências internacionais de sucesso, utilizando como premissas as baixas alíquotas, de maneira a estimular a conduta, bem como dar a máxima segurança jurídica para essas operações, garantindo que a legislação não seja alterada posteriormente, prejudicando aqueles que a realizaram.

Ainda de acordo com o PL, o regime se aplicará às pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliados no Brasil em 31 de dezembro de 2014, ou que aqui residiram em período anterior, que tenham sido ou ainda sejam proprietários de ativos, bens ou direitos não declarados no exterior para o fisco brasileiro até esta data.

Em relação à declaração, o Projeto de Lei prevê que o valor do patrimônio em moeda estrangeira deverá ser convertido em dólar americano pela cotação do dólar para o último dia útil do mês de dezembro de 2014, qual seja, R$ 2,65, o que poderá ser considerado uma vantagem se comparado com a cotação atual.

É importante ressaltar que, além da extinção da punibilidade criminal, o Projeto de lei prevê a anistia dos (i) créditos tributários decorrentes do descumprimento das obrigações tributárias; (ii) 100% das multas de mora, de ofício ou isoladas e encargos legais diretamente relacionados a esses descumprimentos; (iii) multa pela não entrega da Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior ao Banco Central do Brasil; e (iv) penalidades aplicadas pela Comissão de Valores Mobiliários ou outras entidades regulatórias.

Dentre as questões tributárias, alguns pontos já chamam a atenção para possíveis questionamentos futuros, como por exemplo a inovação em relação ao fato gerador do imposto e a vedação das deduções de sua base de cálculo.

Isto porque o texto aprovado pela Câmara inovou quando considerou ocorrido o fato gerador do IR (acréscimo patrimonial) em 31 de dezembro de 2014, independente da data em que este realmente ocorreu, disposição que afastaria, em tese, qualquer discussão acerca da decadência desse tributo e, consequentemente, sua multa.

Obviamente que, como se trata de uma situação de anistia e regime especial, é preciso usar esse argumento com muita parcimônia e apenas em casos extremos, haja vista a possibilidade de exclusão do Regime e a responsabilização penal pelas condutas anistiadas.

Ademais, apesar de considerar ocorrido o fato gerador em 31 de dezembro de 2014, o PL também determinou que a opção pelo RERCT dispensa o pagamento de acréscimos moratórios incidentes sobre esse IR até a data do pagamento, o que pode ser visto com bons olhos, considerando que não serão aplicados juros de aproximadamente um ano.

Com relação à base de cálculo, ficou determinado que esta será considerada o valor dos ativos declarados sem qualquer dedução ou descontos de custo de aquisição, o que também poderá ser levado à discussão em razão da possível violação às disposições em vigor.

Embora exista uma grande polêmica em torno do projeto de regularização do capital não declarado no exterior, ele tem tramitado em caráter de urgência e o Governo pretende aprová-lo ainda em 2015, o que lhe garante celeridade nesse processo.

Apensar disso, após aprovação na Câmara, o projeto foi enviado ao Senado em 12 de novembro, onde ganhou um novo número5, e deverá ser incluído na Ordem do Dia em 18 de dezembro de 2015. A expectativa é que o PL seja votado até 06 de fevereiro de 2016. Se não for votado até essa data, o projeto tranca a pauta do Senado a partir do dia 7 de fevereiro, sendo obrigada sua votação.

Portanto, a aprovação do projeto é estimada para o primeiro trimestre de 2016.

Por fim, destacamos que após a aprovação do PL pelo Congresso e a sanção presidencial, a regulamentação da Lei deverá ser realizada pela Receita Federal do Brasil em até 30 dias após sua publicação, sendo que a adesão ao RERCT poderá ser feita no prazo de até 210 dias contados da publicação do regulamento.

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1 Projeto de Lei nº 2.960-D de 2015

2 Corrigidas pela taxa SELIC.

3 Itália – Alíquotas: 2,5% e 5% - Resultado: EUR 63,2 bilhões (estimativa era de EUR 50 bilhões)
México - Alíquotas: 1% e 7% - Resultado: USD 40 bilhões (estimativa era de USD 4 bilhões)

4 Inglaterra – Alíquotas: Ordinárias com redução de penalidade - Resultado: £ 400 milhões (estimativa de £ 2,2 bilhões)
Alemanha - Alíquotas: 25% e 35% - Resultado: EUR 800 milhões (estimativa de EUR 5 bilhões)

5 Projeto de Lei da Câmara nº 186, de 2015.
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*Felipe Wagner de Lima Dias e Homero dos Santos são advogados do escritório Almeida Advogados.

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