Recentemente perdemos por unanimidade na 5ª câmara Cível do TJ/RJ uma exceção de incompetência onde se questionava se uma empresa brasileira com base em um contrato com uma empresa estrangeira estaria compelida a aceitar, para ajuizamento de ação com base no contrato, o foro estrangeiro de eleição expressa no contrato.
O tribunal, baseando se em caso líder de julho último, do STJ, decidiu que a empresa brasileira pode escolher, nestes casos, por ajuizar seu pedido no foro brasileiro. Em síntese, o judiciário entendeu que a escolha contratual pode ser “mitigada pela função social do contrato e pela soberania nacional”. Ainda, do voto do relator, ”sendo as normas de competência internacional de ordem publica, as partes podem optar por ambas as jurisdições, mas não é possível desprezar uma em detrimento de outra, como previsto na clausula de eleição”.
Adiante o acórdão obtempera que nesses contratos com mais razão se aplica a escolha do foro brasileiro quando a obrigação cujo cumprimento se discute era para se cumprida no Brasil.
Isso nos remete á imediata reflexão sobre a aplicação desse claro paradigma jurisdicional aos inúmeros casos onde empresas nacionais se defrontam com clausulas de arbitragem no exterior impostas por seus grandes contratantes. E aqui cabe notar que mesmo grandes contratantes nacionais, como visada Petrobras tem como regra impor tal solução arbitral no exterior para os conflitos derivados de seus contratos.
Muita vez isso traduz uma barreira criada para os pequenos contratados, face aos custos consideráveis das arbitragens, sobretudo nas câmaras internacionais. E, claro, se essa diretriz do judiciário se aplica limitando a jurisdição estatal escolhida no contrato, naturalmente se aplica na limitação da jurisdição não estatal selecionada no ajuste.
Parece ser essa uma tendência recente no judiciário, tirando, pois a compulsoriedade do foro estrangeiro quando é uma parte nacional que vai à justiça buscar seus direitos.
Esse direcionamento da jurisprudência brasileira nos conduz a ponderar sobre algumas variáveis processuais.
Sem dúvida, se a parte brasileira, mais frágil economicamente, ajuizar pedido com base no contrato, perante o judiciário brasileiro, estará protegida, acobertada por aquela diretriz jurisprudencial acima.
Mas, se acaso esta mesma parte for citada, por sua contraparte mais poderosa, em processo arbitral no exterior, terá ela que se submeter e responder àquele processo arbitral, pois que a escolha e iniciativa seria do outro contratante? Ou vigeria de toda forma o proclamado princípio da função social do contrato, turbinado pela declarada soberania nacional, habilitando essa parte mais fraca a preferir o foro brasileiro, mesmo sendo a iniciativa contenciosa provinda da outra parte?
Este deve ser um ponto de direito muito sensível na sua devida apreciação. Ricardo Ramalho Almeida na sua excelente obra “Arbitragem Internacional e Ordem Publica” (Renovar, 2005, pág.214) lembra, em contrapartida do fundamento da nova jurisprudência acima, do princípio da boa Fe objetiva nas relações internacionais, impossibilitando “o Estado, ou a entidade estatal, que tenha anuído à clausula de arbitragem “invocar posteriormente para fugir à arbitragem algum impedimento legal ou outro, posterior, que pretendesse viciar anular ou privar de efeitos a celebração da convenção arbitral.
Ora, se tal diretriz tende por fulminar a recusa arbitral por entidades estatais com mais razão se aplicaria a casos outros onde a chamada parte forte seja uma empresa privada.
De todo modo, adverte o autor (pág. 76) “decidindo o arbitro adotar uma postura liberal afirmando sua jurisdição sem que a mesma seja induvidosa sob todos os sistemas legais potencialmente envolvidos, restará sempre o risco-que pesará sobre as partes de a sentença arbitral ter seu reconhecimento e execução subsequentemente negados ao menos na jurisdição problemática”.
Na hipótese que aqui ressaltamos será nossa no Brasil a “jurisdição problemática” onde há de se cumprir o débito contratual, cogitando se que as cortes aqui situadas eventualmente neguem seguimento a decisão arbitral, quando uma das partes, a mais fraca contratualmente, tiver ajuizado seu pedido aqui no país, com base no principio acima adotado pelo judiciário, e, no entanto tenha sido citada e eventualmente compelida a responder a rito arbitral no exterior. Será que frente a esses decantados princípios internacionais, decerto refletidos na Lex Mercatoria, prevaleceriam as diretrizes um tanto xenófobas como essa agora expressa no judiciário brasileiro?
Matéria importante e decerto de relevo para tantos contratados que se veem diante de um curso arbitral caro, no exterior, por força de clausula contratual de regra imposta por seu contratante.
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*João Luiz Coelho da Rocha é advogado e sócio no escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados e ex-professor de Direito da PUC/RJ.