É muito comum e até mesmo desesperador, numa sociedade em que as regras comezinhas de educação, aquelas que estabelecem as bases primárias para uma convivência harmônica, são reiteradamente descumpridas, o cidadão, cumpridor de seus deveres, se vê diante de uma situação de despojamento de seus bens, por meio de ação rápida, intimidativa e violenta. E é até interessante observar que o crime de furto, por um longo período, reinou de forma soberana entre as modalidades de subtração e, justamente por não exigir a aproximação com o titular da res furtiva, passou a ser aceitável, apesar de repudiado.
Perdeu, no entanto, seu reinado para o crime de roubo, que se realiza de forma violenta e instantânea, em contato direto com o proprietário que, sem qualquer chance, vê-se obrigado a entregar os pertences exigidos. E é voz rotineira nas ocorrências policiais ouvir da vítima que o ladrão roubou somente o carro, o dinheiro, cartões de crédito e celular, sem praticar qualquer ato agressivo, a não ser o intimidativo, geralmente com emprego de arma de fogo, já costumeiro.
Uma questão que foi longamente debatida em nossos tribunais e ocupou inúmeras linhas dos doutrinadores penalistas residiu na fixação do momento consumativo do crime de roubo, pois, dependendo da interpretação lançada sobre o caso, poderia ocorrer a desclassificação para a forma tentada do ilícito, com nítida vantagem para o roubador.
Veja-se a hipótese, até muito frequente, do assaltante que aborda o motorista, subtrai dele seus pertences e se coloca em fuga, sendo, a poucos metros de distância, pilhado em flagrante por um policial. A seguir a interpretação que durante muito tempo foi acolhida, o caso giraria na órbita do crime de roubo na modalidade tentada.
Ocorre que o STJ, de forma categórica, sem deixar qualquer margem para interpretação diversa, decidiu que "consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem, mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida a perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada"1.
Com isso, a corriqueira expressão “posse mansa e pacífica ou desvigiada” do bem roubado, utilizada por muitos doutrinadores, não serve mais como paradigma de aferição para consumação do crime de roubo.
Ou seja, basta que o agente subtraia da vítima, mediante violência ou grave ameaça, o bem desejado. No exato instante em que o roubador inverte a posse da res, tem-se por consumado o delito de roubo, ainda que ele seja capturado momentos após o crime.
Com efeito, mostra-se bastante razoável que a consumação do crime de roubo se dá com a retirada do bem da esfera patrimonial da vítima. Assim, se o roubador, mediante grave ameaça ou violência exercida com o emprego de arma, por exemplo, subtrai o celular de uma vítima, vindo a dele apoderar-se, tem-se por completo o iter criminis percorrido, havendo plena consumação do crime, ainda que um policial venha a prender o agente logo em seguida à conduta.
De outro lado, se no instante da abordagem da vítima, com emprego de arma, o agente é capturado por um policial, que impede a subtração, verifica-se, claramente, que o crime de roubo não se consumou por circunstância alheia à vontade do agente, qual seja, a abordagem policial (ou mesmo em caso de repulsa da vítima, que vem a conseguir proteger seu bem da subtração).
Deste modo, tem-se que a decisão em comento vem ao encontro de uma justiça penal mais condizente com a realidade brasileira. Se, de um lado, verifica-se o aumento indiscriminado dos crimes contra o patrimônio, de outro, para fazer prevalecer o controle social, há necessidade de se dar uma interpretação mais rigorosa ao texto legal, revigorando-o com propósitos protetivos ao cidadão e ao seu patrimônio.
___________________
1 REsp 1.499.050 – tese registrada no sistema de repetitivos com o tema 916 em 05/11/15.
___________________
*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, com doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.
*Antonelli Antonio Moreira Secanho é assistente jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduação "lato sensu" em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP.