Migalhas de Peso

A velha jurisprudência defensiva que não se consegue sepultar

Taxa de congestionamento processual na Justiça do Trabalho não pode gerar necessariamente um excesso de formalismo.

16/11/2015

Recente publicação vista nos sites jurídicos, mostrou que, uma diferença de R$0,03 (três centavos), fez com que um Agravo de Instrumento interposto por uma empresa deixasse de ser apreciado pelo Colendo TST, em razão de uma então declarada deserção.

Esta decisão proferida pela 7ª turma da mais alta Corte Trabalhista do país baseou-se no entendimento consubstanciado na sua antiga OJ 140 da SDI-1, que assim estabelece: "Ocorre deserção do recurso pelo recolhimento insuficiente das custas e do depósito recursal, ainda que a diferença em relação ao quantum devido seja ínfima, referente a centavos".

À primeira vista, este assunto nem deveria ser considerado "novo", porque o entendimento da OJ 140 da SDI-1 do TST permanece intacto desde os idos de 1998.

Entretanto, basta revisitar as últimas decisões sobre o tema, para se constatar que o próprio Tribunal Superior do Tralhado já estava em vias de abrandar o rigor excessivo com que trata os recursos ditos desertos, em razão diferenças ínfimas.

Não foi por menos que no julgamento do AIRR-110700-31.2007.5.05.0132, referiu a relatora, Ministra Dora Maria da Costa, que “a tese da deserção não se sustenta em razão de o texto da OJ 140, que afirma ser deserto o recurso quando o recolhimento das custas e do depósito recursal for insuficiente, ainda que a diferença em relação à quantia devida for ínfima, "referente a centavos".

Igualmente, em outro caso semelhante, destacou o ministro Carlos Alberto Reis de Paula, que a interpretação correta da Orientação Jurisprudencial 140 é a de observar o Princípio da Proporcionalidade. Dessa forma, o teor OJ 140 não pode alcançar os centavos, "que são desconsiderados até para o recolhimento de tributos", lembrou o relator.

Esta tendência, todavia, não é a que prevalece, ao menos quando nos deparamos com uma lamentável decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho, que vai de encontro ao novo protótipo legal da CLT e do CPC.

O depósito recursal na Justiça do Trabalho, introduzido pela lei 5.422/68, tem como principal objetivo a garantia do juízo quando da interposição de recursos. Este é um aspecto OBJETIVO. Mas há o aspecto SUBJETIVO. Talvez o mais ignorado na casuística trabalhista: partindo-se desta premissa, não se pode afirmar que o Juízo não está “garantido”, mormente porque o valor faltante é irrisório, e não fará qualquer diferença em eventual execução processual.

A Justiça do Trabalho, ou o senso de Justiça, entretanto, faria bem se não distinguisse a (i) busca da efetiva solução do litígio submetido ao Poder Judiciário em prol do (ii) excesso de formalismo processual para se alcançar uma completa prestação jurisdicional.

Não há nada de errado no fato de a Justiça do Trabalho indeferir o processamento dos recursos desprovidos de preparo, mas isso não se pode fazer a qualquer custo, especialmente, quando esse custo é absolutamente irrisório.

A taxa de congestionamento processual na Justiça do Trabalho não pode gerar necessariamente um excesso de formalismo, de maneira que a cada momento sejam impostas maiores dificuldades para que o jurisdicionado exercite o seu Direito, especialmente quando a decisão fere os princípios constitucionais e traz uma sensação de insegurança jurídica.

Diz-se insegurança jurídica porque, como mencionado anteriormente, a decisão claramente foi proferida carregando ultrapassado e exacerbado formalismo, não mais agasalhado por um Direito dito “Moderno”.

E, em se tratando de modernidade, o NOVO Código de Processo Civil/2015 focou fortemente na solução alternativa de resolução de controvérsias, como a Mediação, Conciliação e Arbitragem, além de diversificar a ideia de deserção automatizada quando houver insuficiência do preparo.

Nesse sentido, o Novo Código de Processo Civil traz em seu artigo 1007, §2º, a possibilidade de suprir, no prazo de 5 (cinco) dias, eventual insuficiência no preparo.

Mesmo diante da inaplicabilidade subsidiária da referida previsão legal, especialmente porque a Consolidação das Leis do Trabalho não é omissa quanto aos depósitos recursais, vale dizer que o próprio Tribunal Superior do Trabalho está fazendo “vistas” moucas ao §11º, do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho, mesmo se tratando de uma norma aberta.

Os processos produtivos se sofisticaram e se diversificaram, mas os juristas conservadores ainda têm à mão o velho entendimento previsto na OJ 140 da SDI-1 do TST.

A miopia histórica que está levando à repetição do erro clama por um processo de depuração e amadurecimento, sendo absolutamente natural e esperado que os novos protótipos legais (artigos 896, § 11º, da CLT e 1007, §2º, do CPC) ganhem cada vez mais musculatura. Isto, só com o tempo e com a perseverança!

Para o bem do Direito do Trabalho já poderíamos ter-nos convencido da eficácia dessa mesma fórmula, mas o Tribunal Superior do Trabalho, assoberbado com os inúmeros processos que jorram diariamente nos gabinetes de seus Ministros, bem como nas mãos dos Desembargadores Convocados, prefere empurrá-los para debaixo do tapete, como uma forma “legal”, assim alcunhada, de fechar a torneira.

E assim o Direito do Trabalho vai arregimentando um exército crescente de lides sem a efetiva análise do Direito material, mas com todas as questões processais/procedimentais efetivamente analisadas e julgadas.

Mal algum faria aos jurisdicionados, e um bem tremendo à profilaxia da esperteza judicial, se o formalismo exacerbado fosse refutado quando tudo leva a concluir pela ausência de má fé da parte, especialmente quando a conduta (deixar de recolher três centavos) não advém qualquer vantagem processual.

Em tempos mais recentes o TST parecia estar abandonando esse tipo de jurisprudência defensiva, o que era extremamente louvável, mas esta decisão joga um banho de água fria na felicidade e segurança jurídica geral. Tomara tenha sido única e não volte a ser reiterada.

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*Renato Belmonte é especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório Rodrigues Jr. Advogados.

*José Augusto Rodrigues Jr. é sócio fundador do escritório Rodrigues Jr. Advogados.

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