Foi publicada, em julho, a lei 13.151, que altera as regras referentes às associações assistenciais e fundações. Vejamos:
a) Finalidade das fundações
A nova lei estabelece mudanças sobre as fundações, alterando o Código Civil. Ampliou-se o leque de finalidades de uma fundação, que, até então, se restringia aos fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. Agora as fundações também podem ser instituídas para as finalidades de: assistência social; cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; educação; saúde; segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos; promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos; atividades religiosas. De qualquer forma, inobstante o avanço, havia discussões no sentido desse rol ser exemplificativo e não exaustivo. Ora, muito embora tenham sido definidas mais finalidades, há que se reconhecer que o legislador não tem o poder de prever todas as possibilidades e inseri-las na lei, de forma que continuamos a entender que o rol deve ter interpretação exemplificativa e extensiva.
b) Remuneração de dirigentes
A partir da nova lei, as associações assistenciais e fundações que possuem Certificado de Utilidade Pública Federal podem remunerar seus dirigentes, o que, antes, era vedado pela lei 91, de 1935.
Com relação às entidades imunes (a impostos e a contribuições), pela legislação anterior (2013), era possível remunerar diretores não estatutários contratados em regime da CLT sem limitação expressa na lei, bem como dirigentes estatuários (diretores, conselheiros) observando-se o limite de 70% da remuneração dos servidores do Poder Executivo Federal.
Com a regra atual, autoriza-se que as entidades imunes constituídas na forma de associações assistenciais e fundações remunerem dirigentes pelos serviços prestados sem a aplicação desse limite, desde que atuem "efetivamente na gestão executiva".
Destaque-se que devem ser respeitados alguns requisitos: o dirigente atuar efetivamente na gestão executiva, não remunerar acima do valor de mercado na região correspondente à sua área de atuação, fixar a remuneração por meio do órgão deliberativo superior da entidade, registrada em ata e, no caso das fundações, comunicar ao MP.
Por outro lado, a autorização da limitação à "remuneração de mercado" é uma questão de prova, sendo importante que a entidade possua uma pesquisa de mercado e a documente, bem como esteja atenta às regulamentações da lei sobre esse tema.
Assim, finalmente a questão da proibição de remuneração de dirigentes foi enfrentada pela legislação, mas ainda há pontos a serem definitivamente esclarecidos.
c) Quem são as "associações assistenciais"
A expressão legislativa "associações assistenciais" foi introduzida pela nova lei.
Afinal, trata-se da "assistência social"? Definitivamente o legislador não quis usar este termo, que é de longa data conhecido na legislação. Ao deixar de qualificar a "assistência", o legislador abrangeu um número maior de associações, alcançando, por exemplo, aquelas que façam assistência, mas que não sejam portadoras do CEBAS.
Com efeito, há dirigentes em (i) "instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural e científico e as associações civis" (entidades isentas de IR e CSLL), em (ii) "instituição de educação ou de assistência social" (entidades imunes a impostos) e em (iii) "entidades beneficentes de assistência social" (entidades imunes a contribuições sociais). Com relação aos itens (ii) e (iii), não há dúvida que são assistenciais. Da mesma forma as instituições de caráter filantrópico do item (i).
Entretanto, resta saber se as entidades de caráter "recreativo, cultural e científico e as associações civis" podem ser assistenciais. Entendemos que depende do tipo de assistência que elas fazem. Nos casos em que a assistência for relativa a direitos (sociais ou não), enquadram-se no conceito, como por exemplo, o direito ao lazer, à cidadania, à proteção moral e religiosa, dentre outros.
Tendo em vista que a legislação contém a expressão "associação assistencial", abrangerá qualquer entidade cuja natureza seja propiciar a assistência a direitos.
Assim, por essa razão, defendemos que a nova regra de remuneração de dirigentes deverá ser também aplicada às "instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural e científico e as associações civis" desde que sejam consideradas "associações assistenciais" ou fundações, conforme o art. 15 da lei 9.532/97.
Por outro lado, abarca ou não as associações educacionais e as de saúde? A resposta é sim, uma vez que o STF já se posicionou no sentido de dar uma interpretação mais ampla ao conceito de assistência social, com vistas a assegurar não apenas a promoção do art. 203 da Constituição Federal (assistência social "pura"), como também a garantia dos direitos sociais do art. 6º desse diploma (educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados). Além disso, a própria lei 12.101/09 prescreve que as entidades beneficentes de assistência podem atuar na área de saúde, educação e assistência social, sendo asseguradas a elas a imunidade a contribuições sociais.
d) E as associações não assistenciais?
As questões que se apresentam são: por que se permite a remuneração de dirigentes de "associações assistenciais" e "fundações" em geral, assistenciais ou não? E as associações em que se reconheça não terem natureza assistencial? Porque fundações não precisam ter caráter assistencial mas associações necessitam ter essa natureza?
Qual a razão para o discrímen? A resposta jamais pode ser "porque a intenção é privilegiar a assistência social". Isto porque autorizou-se a remuneração de dirigentes de "fundações", que podem exercer uma atividade não assistencial.
E também não se pode dizer que a razão para o tratamento desigual é a fiscalização do Ministério Público. Claro que o parquet vela pelas fundações. Mas isso não afasta nem diferencia a fiscalização dos órgãos fazendários.
E, pior, mantém a insegurança jurídica uma vez que a lei 9.532/97 não previu claramente a possibilidade de remuneração dos dirigentes estatutários das entidades isentas. A nova lei poderia ter corrigido esse ponto confuso, mas não o fez, mantendo dúvidas a respeito da possibilidade de as entidades isentas remunerarem seus dirigentes estatutários ainda que no limite de 70% do teto de remuneração do Poder Executivo Federal.
Ou seja, o legislador perdeu a oportunidade de resolver definitivamente essa questão, avançando apenas a passos muito lentos.
Conclusão
Enfim, a norma traz avanços importantes e propicia maior segurança às associações assistenciais e às fundações na remuneração de dirigentes, embora ainda persistam alguns pontos a se aclarar.
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*Claudia Roberta de Souza Inoue, Eduardo Guersoni Behar, Marcos Osaki e Mariana Kiefer Kruchin são advogados do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados.