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CVM moderniza regras de negociação por companhias abertas com as próprias ações e divulgação de participações relevantes

1/10/2015

1. A Comissão de Valores Mobiliários ("CVM") editou, em 17 de setembro de 2015, as Instruções nº 567 ("Instrução CVM 567") e nº 568 ("Instrução CVM 568"), alterando e modernizando as regras relativas à negociação por companhias abertas de ações de sua própria emissão e, a partir de agora, dos derivativos nelas referenciados.

2. A Instrução CVM 567, que substituiu as Instruções CVM nº 10 e 390 ("Instrução CVM 10" e "Instrução CVM 390", respectivamente), teve por objetivo atualizar e harmonizar as regras da autarquia de acordo com as recomendações internacionais da OICV/IOSCO1, incorporar precedentes de decisões do colegiado da CVM, bem como abranger, no âmbito das operações realizadas, as operações com derivativos lastreados em ações de emissão da própria companhia.

3. Por sua vez, a Instrução CVM 568 teve por objetivo adequar as exigências de divulgação de informações, tendo em vista as alterações introduzidas pela Instrução CVM 567, e aprimorar as exigências relacionadas às negociações de ações por parte de administradores e outras pessoas com acesso a informações privilegiadas.

Instrução CVM 567 – Negociação com ações de emissão da própria Companhia

4. A Instrução CVM 567 incluiu no rol de negociações reguladas e sujeitas aos limites da CVM, além de ações e opções de compra e venda como anteriormente previsto pela Instrução CVM 10 e pela Instrução CVM 390, quaisquer valores mobiliários referenciados em ações de emissão da companhia, como por exemplo bônus de subscrição e derivativos referenciados em ações.

5. Na revogada Instrução CVM 10, as negociações com ações pela própria companhia podiam ser aprovadas tão somente pelo seu conselho de administração, sendo vedadas operações privadas. A Instrução CVM 567 passou a exigir em determinadas situações a aprovação pela assembleia geral das companhias2, como em (i) operações realizadas fora de mercados organizados que envolverem, ainda que por meio de diversas operações isoladas, mais de 5% da espécie ou classe de ações em circulação em menos de 18 meses; (ii) operações realizadas fora de mercados organizados a preços 10% superiores ou 10% inferiores às cotações de mercado, nos casos de aquisição ou alienação, respectivamente; (iii) operações que tenham por objetivo alterar ou preservar a composição do controle acionário ou da estrutura administrativa da companhia; e (iv) operações realizadas fora de mercados organizados, quando a contraparte for parte relacionada à companhia. As operações realizadas pela própria companhia fora de bolsa, se autorizadas pela assembleia geral nos termos acima, não dependem mais de prévia autorização da CVM.

6. Com exceção aos casos mencionados, as negociações com ações de emissão da própria companhia ou de valores mobiliários nelas referenciados continuam a ser aprovadas pelo conselho de administração, tendo sido adicionado um novo anexo à Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009 (“Instrução CVM 480”), com as informações mínimas a serem fornecidas por tal órgão ao mercado, dentre elas podemos citar (i) a justificação do objetivo e dos efeitos econômicos da operação; (ii) características dos instrumentos derivativos que a companhia venha a utilizar, se houver; e (iii) descrição de eventuais acordos ou orientações de voto existentes entre a companhia e a contraparte das operações.

7. Outra inovação trazida pela Instrução CVM 567 foi com relação ao prazo para de tais operações, uma vez aprovadas pelo conselho de administração ou assembleia geral, conforme o caso, o qual foi aumentado de um prazo de realização de 365 dias para um prazo de liquidação em 18 meses.

8. A nova regra veda ainda as operações de negociação de ações, ou de valores mobiliários nelas referenciados, de emissão da companhia quando (i) objetivem ações do acionista controlador; (ii) sejam realizadas em mercados organizados a preços superiores aos de mercado; (iii) estiver em curso período de oferta pública de aquisição de ações de sua emissão; (iv) requerer a utilização de recursos superiores aos disponíveis. Adicionalmente, a nova regra manteve o limite de 10% para manutenção de ações de emissão própria companhia em tesouraria, incluídas as ações mantidas em tesouraria de suas controladas e coligadas, porém adicionando também ações correspondentes à exposição econômica assumida em razão de contratos de derivativos ou de liquidação diferida, celebrados pela companhia, suas controladas ou coligadas.

9. Nesse sentido, contam para o limite de 10% de ações em tesouraria os derivativos referenciados em ações, mesmo que a contraparte não constitua proteção patrimonial. Nas palavras da Superintendência de Desenvolvimento de Mercado: "a abordagem de considerar todas as ações objeto desses contratos como em tesouraria aparenta ser operacionalmente mais simples e está em linha com as mudanças propostas para o art. 12 da Instrução CVM nº 358".

10. Com relação aos recursos disponíveis que podem ser utilizados para a aquisição de ações, ou valores mobiliários nelas referenciados, de sua própria emissão, a Instrução CVM 567 atualizou as reservas consideradas indisponíveis, em função de alterações na lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976 ("Lei das S.A."), possíveis a utilização de recursos disponíveis em todas as reservas de lucros ou de capital, com exceção das reservas (i) legal; (ii) de lucros a realizar; (iii) especial de dividendo obrigatório não distribuído; e (iv) de incentivos fiscais. Além disso, poderá ser utilizado o resultado já realizado do exercício social em andamento, segregadas as destinações às reservas mencionadas acima. A verificação dos recursos disponíveis é realizada pela diretoria com base nas últimas demonstrações financeiras divulgadas anteriormente à transferência.

11. A Instrução CVM 567 aproveitou também para incluir critérios de conduta diligente que devem ser adotados pelos administradores de companhias abertas quando aprovando ou recomendando à assembleia geral a aprovação de negociação com as próprias ações, sendo eles assegurar que (i) a situação financeira da companhia é compatível com a liquidação da aquisição em seu vencimento sem afetar o cumprimento das obrigações assumidas com credores nem o pagamento de dividendos obrigatórios, fixos ou mínimos; e (ii) caso a existência de recursos disponíveis tenha sido verificada com base em demonstrações contábeis intermediárias ou refletidas no ITR, que não há fatos previsíveis capazes de ensejar alterações significativas no montante de tais recursos ao longo do período restante do exercício social.

12. De acordo com a revogada Instrução CVM 10, a companhia deveria alienar, num período de três meses a contar da aprovação do balanço que apurasse excesso de ações com relação ao saldo de lucros e reservas, as ações de tal excesso. Ao final de tal período, as ações não alienadas seriam canceladas. Já a nova regra prevê que as companhias deverão cancelar ou alienar as ações em excesso do saldo de recursos disponíveis em até seis meses a contar da divulgação das demonstrações contábeis que serviram de base para a apuração do excesso, que devem ser as últimas demonstrações divulgadas.

13. De acordo com a Instrução CVM 10 as ações mantidas em tesouraria não teriam direitos econômicos ou políticos, o que foi mantido pela Instrução CVM 567, porém a nova regra aproveitou para esclarecer que tais ações farão jus a bonificações em ações, podem ser objeto de grupamentos e desdobramentos e devem ser desconsideradas para cálculo de quóruns de instalação e deliberação da Lei das S.A.

14. Como anteriormente previsto pela Instrução CVM 10, a Instrução CVM 576 estabelece que situações excepcionais podem ser levadas à deliberação da CVM para autorização de negociações com ações de emissão da própria companhia em condições diversas às previstas na norma.

Instrução CVM 568 – Revisão de Regras de Divulgação de Informações

15. A Instrução CVM 568, conforme mencionado acima, teve por objetivo adequar as exigências de divulgação de informações, tendo em vista as alterações introduzidas pela Instrução CVM 567.

16. Em relação aos formulários individuais e consolidados que demonstram as negociações realizadas por diretores, membros do conselho de administração, membros do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas estatutários das companhias. Tais formulários deveriam ser entregues mensalmente, até dez dias após o encerramento do mês a que se referiam, independentemente de ter havido movimentação na posição de tais pessoas. A nova regra manteve o prazo, porém a divulgação somente se faz necessária quando houver alteração das posições detidas ou no mês em que houver a investidura no cargo das pessoas acima mencionadas.

17. Há agora também a obrigatoriedade de divulgação mensal, nos mesmos moldes, da exigência de divulgação valores mobiliários negociados por administradores, das negociações com valores mobiliários negociados pela própria companhia, suas controladas e coligadas.

18. Uma alteração significativa foi a forma de se calcular os incrementos ou supressões de participação relevantes. Anteriormente, a divulgação de aquisição de participação relevante deveria ser feita em um primeiro momento quando o limite de 5% fosse atingido e, posteriormente, a cada incremento de 5% da participação (por exemplo, quando realizada uma compra inicial de 8% divulgava-se a aquisição, já a próxima divulgação ocorreria quando passasse de 13%). A Instrução CVM 568 deixou o parâmetro de divulgação mais simples de ser aferido exigindo a divulgação sempre que cruzados os patamares fixos de 5%, 10%, 15% e assim consecutivamente ou, em caso de alienação, a redução desses patamares. Instrumentos derivativos também deverão ser considerados nesse cálculo, de acordo com regras específicas.

19. Foi incluída também a possibilidade de formalização de planos individuais de investimento por acionistas controladores ou quaiquer por pessoas que, em virtude de seu cargo, função ou posição tenham acesso a informações relativas a ato ou fato relevante, e não apenas administradores, membros do conselho fiscal e outros órgãos estatutários com funções técnicas ou consultivas, como previsto na regra anterior.

20. Assim, esses planos permitirão a negociação de ações de emissão da companhia nos períodos vedados mesmo que tais pessoas tenham acesso a ato ou fato relevante ainda não divulgado, se existir a intenção de promover a incorporação, cisão total ou parcial, fusão, transformação ou reorganização societária, desde que (a) sejam formalizados por escrito para o Diretor de Relações com Investidores antes da realização de quaisquer negociações; (b) estabeleçam, em caráter irrevogável e irretratável, as datas e os valores ou quantidades dos negócios a serem realizados pelos participantes; e (c) prevejam prazo mínimo de 6 seis meses para que o próprio plano, suas eventuais modificações e cancelamento produzam efeitos. Ainda, permite-se a negociação, por meio do plano, em períodos de vedação em decorrentes da divulgação de informações financeiras, desde que, além do disposto acima, a companhia tenha aprovado cronograma definindo datas específicas para divulgação dos formulários ITR e DFP e obriguem seus participantes a reverter à companhia quaisquer perdas evitadas ou ganhos auferidos em negociações com ações de emissão da companhia, decorrentes de eventual alteração nas datas de divulgação dos formulários ITR e DFP, apurados através de critérios razoáveis definidos no próprio plano.

Conclusão

21. A edição de uma Instrução pela CVM consolidando, simplificando e atualizando as disposições da Instrução CVM 10 e, consequentemente da Instrução CVM 390, já eram esperadas pelo mercado há algum tempo, devido ao fato de que tais instruções eram muito antigas (1980 e 2003, respectivamente) e, desde então, foram objeto de poucas alterações.

22. A nosso ver, houve uma evolução dos referidos normativos, com expansão do escopo das operações permitidas e regulamentadas, inclusão de definições mais claras e completas, simplificação de certos procedimentos, bem como a inclusão expressa de situações já decididas no âmbito do Colegiado da CVM.

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1 Recomendações evidenciadas no Report on Stock Repurchase Programs elaborado por tal organização internacional.

2 Vale ressaltar que a aprovação da assembleia geral é dispensada quando se tratar de (i) transferência decorrente do exercício de opções no âmbito de plano de opções ou outros modelos de remuneração baseados em ações, observado que determinados critérios adicionais devem estar presentes para esta dispensa; e (ii) oferta pública de distribuição secundária de ações, ou de valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações, em tesouraria.

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*Guilherme Sampaio Monteiro é associado da Área Empresarial de Pinheiro Neto Advogados.

*Luiz Felipe Fleury Vaz Guimarães é associado da Área Empresarial de Pinheiro Neto Advogados.

*Gustavo Ferrari Chauffaille é associado da Área Empresarial de Pinheiro Neto Advogados.
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*Colaboraram com esta edição Henrique Lang e José Luiz Homem de Mello, sócios da Área Empresarial de Pinheiro Neto Advogados.
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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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