A engenharia genética vem enfrentando desafios cada vez mais complexos e, ao mesmo tempo, conquistando invejáveis avanços biotecnológicos, que rompem as barreiras das práticas convencionais e invadem o mundo com novas conquistas para a realização da reprodução humana assistida, além até dos moldes idealizados por Aldous Huxley, no seu Admirável Mundo Novo. Tanto é que nem mesmo a legislação ordinária tem fôlego para acompanhar tamanho progresso científico, dotado de um espetacular dinamismo e se socorre da normatização ética e procedimental das resoluções editadas pelo Conselho Federal de Medicina.
O Código Civil, que entrou em vigência em 2002, trouxe importante contribuição ao introduzir as figuras da fecundação artificial homóloga, da concepção artificial homóloga e da inseminação artificial heteróloga, em seu artigo 1.597, rechaçando definitivamente a imbatível regra da maternitas certa est. Mas, mesmo assim, com as limitações da lei ordinária, a primeira resolução do Conselho Federal de Medicina a tratar do tema foi de 1992, sofrendo atualizações em 2010, 2012, 2013 e agora em 2015, acrescentando sempre novos aprimoramentos que conjuguem o estágio atual da medicina reprodutiva com os interesses da sociedade.
A resolução 2121, publicada em 22/9/2015, revoga a anterior, 2013/2013 e estabelece algumas regras no tocante à ovodoação, procurando ajustá-la da forma mais adequada eticamente, evitando até mesmo qualquer banalização a respeito. A doação de óvulos é um assunto interessante e que vem ganhando corpo na medida em que a medicina, pelo seu caráter eminentemente pesquisador, atinge cada vez mais novas técnicas na área da reprodução assistida. Estima-se em 10% a chance de engravidar no caso de doação a paciente acima de 40 anos e, se for menor de 35, a chance aumenta para 40%. Muitas mulheres se sujeitam a tratamentos infindáveis para conseguir a gravidez e não atingem o resultado desejado Às vezes até o casamento entra em rota de colisão em razão do problema. Não só os casais desejam a reprodução, mas também pessoas solteiras que buscam a chamada “produção independente”, sem falar ainda dos casais homossexuais que já frequentam com certa assiduidade as clínicas de reprodução. Assim como o sangue, o leite materno, a doação de óvulos deve ser regida pela espontaneidade e altruísmo, levando-se em consideração a grandeza do ato.
A nova resolução autorizou a doação compartilhada de óvulos tendo como pano de fundo o princípio da solidariedade humana. Tem lugar quando a doadora e receptora carregam problemas para alcançar a gravidez e compartilham tanto do material biológico quanto dos custos financeiros que envolvem o procedimento. Assim, uma delas doa parte de seus óvulos para a outra, em troca do custeio parcial do tratamento, observando a idade de 35 anos como limite da doadora, assim como sua preferência sobre o material biológico que será produzido.
Importante esta regulamentação porque era comum uma mulher, sem dificuldade para engravidar, após se submeter a uma série de exames, doava parte de seus óvulos a outra para utilizar no procedimento, em troca de tratamento, check-ups ginecológicos e até mesmo remuneração em dinheiro. A norma afasta peremptoriamente qualquer caráter mercantil que possa contaminar a doação. Um filho não pode ser resultado de negociação entre as mulheres que participaram da ovodoação.
Foi além o dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos ao regulamentar também a gestação compartilhada em união homoafetiva feminina, em que não exista infertilidade. Referido procedimento, que já vinha sendo realizado, ocorre no relacionamento gay feminino e consiste na implantação de um embrião gerado a partir do óvulo de uma das parceiras e a sua consequente transferência para o útero da outra. A dúvida que pairava a respeito era de se saber se o procedimento deveria ser feito com doação de óvulo de doadora anônima. Porém, como o relacionamento homoafetivo já recebeu a homologação legal, nada mais justo do que considerá-lo como uma das formas de constituição de família.
A tal respeito, é interessante observar que alguns julgados, na esteira do avanço científico ora relatado, vêm decidindo no sentido de conferir às conviventes o reconhecimento da dupla maternidade, figurando ambas no assento de nascimento1. Na ausência de normatização a respeito, é até aconselhável o ajuizamento de ação de registro de nascituro com dupla maternidade para não ter que pleitear, posteriormente, a retificação do registro com a inclusão do nome da segunda mãe.
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1 Migalhas.
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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde, advogado, reitor do Centro Universitário do Norte Paulista, em São José do Rio Preto.
*Pedro Bellentani Quintino de Oliveira é bacharel em Direito pela Universidade Mackenzie, mestrando em direito pela Unesp/Franca, pós-graduando em direito empresarial pela FGV/São Paulo, advogado.