Um jovem, distraidamente, caminhava pelas ruas da cidade empunhando seu celular. Foi abordado por outro, um pouco mais velho, que lhe solicitou o empréstimo do aparelho para fazer uma ligação para a mãe, já que havia esquecido o seu em casa. Inicialmente, o proprietário do celular achou estranho o pedido, uma vez que não conhecia a pessoa e frequentou o silêncio recomendado pela ocasião. Não teve tempo, porém. Uma saraivada de argumentos foi lançada pelo pedinte e o mais forte deles foi que, se a situação fosse inversa, emprestaria seu celular, pois a comunicação era séria e seria feita com a mãe. Como não houve nenhum sinal de ameaça ou violência, pelo contrário, o pedido foi feito com educação e com voz equilibrada, acabou cedendo e emprestou o celular. Ao receber o aparelho, o outro jovem saiu em desabalada carreira. Na capa que revestia o celular estava guardada uma nota de cem reais.
A conduta praticada ronda os tipos penais do furto mediante fraude, da apropriação indébita e do estelionato, carregando nuances comuns de cada um deles. A intenção do agente era a de obter o aparelho celular e, para tanto, poderia trilhar vários caminhos ilícitos para atingir seus objetivos. Além do celular ficou também com a importância em dinheiro, como se fosse um bônus pela engenhosa arte de convencimento.
A conduta fraudulenta afasta-se por completo do roubo e do furto mantendo deles considerável distância. Justamente pelo fato de se travar um relacionamento de inteligência visando impedir qualquer reação da vítima, mantida atônita por algum tempo após o golpe. Daí a história grega que Sócrates desenvolveu uma técnica que, por truques mágicos de lógica, deixava seu interlocutor tão inseguro que aceitava qualquer explicação que lhe fosse oferecida.
No furto qualificado mediante fraude o agente emprega meio ardiloso para burlar a vigilância da vítima, desviando sua atenção para que o objeto possa ser subtraído com segurança. É o exemplo clássico daquele comprador que entra na loja, solicita determinada mercadoria ao vendedor que vai providenciar o pedido, mas a finalidade era burlar sua atenção, pois subtrai outra. O importante é que o agente praticou, ao mesmo tempo, a fraude e a subtração.
Na apropriação indébita. O agente tem a posse ou a detenção do bem, porém, não o devolve ao seu proprietário, quando instado para tanto, invertendo a natureza da posse e passa a agir como se fosse o dono (animus rem sibi habendi). É de se observar que neste tipo penal o bem não foi entregue pelo proprietário mediante meio insidioso e sim espontaneamente.
O tipo penal do estelionato é o que guarda melhor adequação da conduta.
A vítima, no caso narrado, desde o início da mise en scène, não percebeu a fraude. Dialogou com o agente de forma amistosa, teve condições de avaliá-lo rapidamente e afastar qualquer impressão desfavorável, aceitou a argumentação de forma consciente e, se alguma dúvida levantou, imediatamente foi dissipada pela forma polida que reinou na conversa. Os atos praticados pelo agente foram aptos para induzir e manter em erro a vítima e produziram um clímax favorável para aplicação do golpe, pois comprometeram a prudência normal e eliminaram a sagacidade mínima inerente à pessoa comum. Daí que a entrega do aparelho foi de forma consciente, em razão da situação de erro a que foi induzida.
A artimanha, o engodo, a mentira, o logro, relato minucioso de um fato com manobras técnicas e falsas de convencimento são facetas da própria humanidade que, a cada tempo, de acordo com sua cultura e tradições, vem acentuando a habilidade de pessoas para trapacear e, consequentemente, auferir vantagens em prejuízo da incauta vítima. Quanto mais o homem se comunica, quanto mais desenvolve suas capacidades de montar tramas ardilosas, mais se aprimora na arte de aplicar golpes visando unicamente seu próprio benefício. No Brasil, temos inúmeros exemplos de contos, muitos deles repetitivos, que são aplicados com certa frequência e com notável aprimoramento para atingir o sucesso almejado.
Haja vista o conto do bilhete premiado, que reiteradamente é aplicado e as pessoas dão crédito às falaciosas promessas. "O golpe bem-elaborado e encenado, adverte Dias Júnior, com efeito, costuma tirar muito de seu poder de envolvimento da hábil criação desse ambiente de encantamento capaz de fazer relaxar as defesas próprias do estado de vigília e estimular as atitudes tomadas ao sabor dos impulsos do momento"1.
E os experientes golpistas, refinando cada vez mais suas técnicas, vão se aproveitando da inocência e ingenuidade das pessoas.
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1 Dias Júnior, José Augusto, Os contos e os vigários: uma história da trapaça no Brasil. São Paulo: Leya, 2010, p. 260.
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