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O novo marco legal das parcerias público-privadas no Distrito Federal: apresentação de projetos

Essa redefinição do papel do Estado diz respeito ao reconhecimento de que a Administração Pública, em sentido amplo, possui limitações.

8/9/2015

As parcerias público-privadas, ou simplesmente PPPs, aparecem como reflexo de um fenômeno econômico-social relacionado às noções de desestatização e liberalização econômica. No Brasil, as PPPs começaram a se desenvolver ao longo da década de 90, quando houve grande reestruturação na atuação do Estado, até então fortemente intervencionista, na atividade privada.

Essa redefinição do papel do Estado diz respeito ao reconhecimento de que a Administração Pública, em sentido amplo, possui limitações. Sejam elas de origem financeira, orçamentária, tecnológica, de infraestrutura ou ligadas aos serviços públicos classicamente tutelados pelo Estado, como saúde, educação e segurança, fato é que existem demandas cada vez mais complexas da população por serviços eficientes e de qualidade que a máquina estatal não consegue suprir.

É nesse contexto que a concessão de serviços públicos, a privatização e, mais recentemente, as próprias PPPs ganham amplo espaço e se desenvolvem no cenário brasileiro. Antes de iniciar comentários específicos acerca das parcerias público-privadas, importante destacar as diferenças entre os referidos institutos.

A concessão constitui delegação de serviço público, mediante elaboração de um contrato, de maneira autorizada e regulamentada pela Administração Pública. Esse instituto, diferentemente do que ocorre na privatização, não acarreta a transferência do serviço público para a esfera privada. Possui previsão constitucional (art. 175) e seu principal marco legal é a lei 8.987/95.

No caso da privatização, ou desestatização, ocorre a transferência definitiva do bem ou serviço, antes de competência pública, para a iniciativa privada. E, mais, prescinde de autorização prévia do poder legislativo e da realização de leilão público. A privatização tem como marco normativo a lei 9.491/97.

As parcerias público-privadas, por sua vez, constituem novas configurações do instituto da concessão, com peculiaridades tais que se adaptam à necessidade de diversificação e releitura dos contratos administrativos. Em âmbito federal, as PPPs estão previstas na lei 11.079/04.

Há duas modalidades de parceria público-privada: a concessão administrativa e a concessão patrocinada.

A concessão administrativa é adequada quando a própria Administração Pública é usuária direta ou indireta. Já a concessão patrocinada é utilizada no caso de serviços ou obras públicas que requeiram, além da tarifa cobrada pelos futuros usuários, uma contraprestação pecuniária da Administração à empresa privada.

As principais diferenças entre as concessões da lei 8.987/95 e as novas modalidades previstas pelas PPPs são as seguintes: contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado; possibilidade de distribuição de riscos, responsabilidades e e encargos entre os parceiros; possibilidade de oferecimento de garantias pelo poder público e obrigatoriedade de constituição de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) pelo parceiro privado.

Outro aspecto importante refere-se ao fato de que os contratos de PPPs são de médio/longo prazo, não podendo ser inferiores a 5 (cinco) anos nem ultrapassar os 35 (trinta e cinco) anos, até pelo histórico dessa contratação ser bastante utilizada em serviços de infraestrutura, bem como pelo fato de que a remuneração se dá costumeiramente via tarifa.

As modalidades de PPPs não necessitam de disponibilidade financeira e orçamentária imediata por parte do Poder Público, o que é importante no atual contexto brasileiro de baixa disponibilidade orçamentária e carência de infraestrutura.

Dessa forma, as parcerias público-privadas inserem-se na proposta de diversificação dos contratos públicos, consubstanciada na noção de que os interesses público e privado podem convergir para o fornecimento de serviços públicos de qualidade. O parceiro privado contribui tanto com recursos financeiros, quanto com conhecimentos técnicos, cabendo ao parceiro público as atividades regulatórias: coordenação, fomento e fiscalização.

As PPPs já vêm sendo amplamente utilizadas nos âmbitos municipal e estadual. A título de exemplo, destaca-se o projeto do Porto Maravilha, a maior PPP do país1, de iniciativa do município do Rio de Janeiro, que propõe a revitalização urbana de toda a região portuária, trazendo benefícios à população em termos econômicos, turísticos e de infraestrutura.

Outro destaque, dessa vez em âmbito estadual, é o Hospital do Subúrbio localizado em Salvador. O hospital foi o primeiro do Brasil viabilizado por meio de parceria público-privada, está em operação desde 2010 e possui reconhecimento internacional como projeto inovador de melhoria da prestação de serviços públicos e promoção do desenvolvimento sustentável2.

No DF, o decreto 36.554/15 tem o objetivo de regulamentar e efetivar o programa das PPPs, instituído pela lei 3.792/06. Em linhas gerais, o Decreto distrital está condizente com a matriz normativa federal, o recente decreto 8.428/15.

Sancionado pelo governador Rodrigo Rollemberg em junho desse ano, o decreto 36.554/15 vem em momento propício à situação econômica do DF, amplamente noticiada pela quebra de caixa e pelas dificuldades em adimplir compromissos até mesmo com os próprios servidores públicos.

A principal inovação do Decreto é a regulamentação da Manifestação de Interesse Privado (MIP), que consiste na apresentação espontânea de propostas, estudos de viabilidade, levantamentos, investigações e projetos por parte da iniciativa privada. A Administração Pública pode abrir licitação para concretizar o projeto, se entendido como gerador de valor à sociedade.

Outro aspecto importante tratado no Decreto refere-se ao Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI). O PMI pode ser utilizado pela Administração Pública, antes do processo licitatório, para obter estudos de viabilidade, levantamentos, investigações ou projetos, custeados pela iniciativa privada, constituindo espécie de pré-licitação entre as empresas interessadas.

Em verdade, a inovação correspondente ao MIP está mais relacionada à nomenclatura e à regulamentação do procedimento, vez que a matriz federal não apresenta diferenças entre o PMI promovido pela própria Administração Pública ou provocado por empresas privadas, conforme redação do art. 3º do decreto 8.428/153.

Embora adequado à presente situação econômica do Distrito Federal, o Decreto revela uma postura defensiva da Administração Pública no tocante à distribuição de custos. A esse respeito, é importante ressaltar algumas questões referentes às hipóteses de ressarcimento dos estudos apresentados em fase de PMI ou MIP.

Há uma delimitação do valor máximo para possível ressarcimento dos projetos apresentados em fase pré-licitatória. A especificação de tal valor constitui requisito para o edital de chamamento público4, promovido de ofício (PMI) ou em face de provocação (MIP), devendo estar devidamente fundamentado em justificativa técnica.

O artigo art. 10, § 5º, II, do decreto 36.554/155 prevê que o valor máximo de ressarcimento não poderá ultrapassar 2,5% do valor do total previamente estimado pela Administração ou para os gastos necessários durante a vigência do contrato, o que for maior.

O art. 306 do decreto, a seu turno, condiciona o ressarcimento do parceiro privado pelos estudos apresentados em período pré-licitatório à fase de operação dos serviços, mediante contraprestação pública ou o pagamento de tarifas pelos usuários, caso esses estudos tenham sido utilizados no certame.

No caso de apresentação de MIP que não seja viável ao interesse público, não há qualquer ressarcimento, pois a entidade privada assumiu o risco ao apresentar um projeto por conta própria, que não foi aprovado.

No entanto, no caso de MIP ou de PMI que se traduzam em efetiva licitação na qual o vencedor do processo licitatório seja distinto daquele que elaborou o projeto, a literalidade do art. 30 conduz à interpretação de que o ressarcimento dos estudos estaria subordinado à autorização exclusiva pelo vencedor da licitação.

A prevalecer esse entendimento, ter-se-ia uma situação iníqua ao desenvolvedor do projeto, felizmente elidida pela leitura conjunta com o art. 317, que condiciona a eficácia do contrato final de licitação ao ressarcimento dos valores relativos à fase de estudos, quais sejam, aos projetos apresentados em fase pré-licitatória de PMI ou MIP.

Isso porque a fase de estudos está incluída na noção de prestação do serviço público, tendo em vista que o parceiro privado, ao apresentar viabilidades e alternativas à Administração Pública, atua no sentido de implementar não apenas seus interesses particulares, mas também o interesse público em sentido amplo.

Ora, se os estudos da empresa vencedora do PMI, ou apresentadora de MIP, são os utilizados como base para a abertura da licitação, o ressarcimento é cabível e necessário. Interpretação diversa configuraria enriquecimento ilícito das empresas vencedoras do processo licitatório final e da Administração Pública, vez que tiveram proveito diretamente vinculado ao projeto apresentado em fase anterior.

Assim, a leitura conjunta dos arts. 30 e 31 do Decreto harmoniza-se com a essência das parcerias público-privadas, que consiste na adequação entre os interesses público e privado, voltada ao fornecimento de serviços de qualidade.

Há, porém, silêncio acerca da possibilidade de ressarcimento na hipótese em que o vencedor do certame seja o próprio vencedor da fase de apresentação de projetos

A esse respeito, apesar de não existir previsão expressa no diploma legal, é de se afirmar que o valor do ressarcimento deve ser incluído na tarifa dos usuários do serviço, ou mesmo na contraprestação pecuniária por parte da Administração Pública.

Portanto, a interpretação sistemática do Decreto permite o ressarcimento dos estudos quando da própria execução do contrato, nos casos em que a empresa vencedora do certame também for aquela que apresentou os estudos utilizados. A lógica do necessário ressarcimento permanece.

É nesse contexto que o termo “parceria” ganha destaque, vez que se relaciona com a complementariedade entre os interesses público e privado, em uma relação associativa. Inclusive, é importante reafirmar a necessidade desse equilíbrio de interesses para a implementação dos institutos de PMI e MIP e das próprias parcerias público-privadas.

A chave para implementar os projetos de PPPs é oferecer um mínimo de segurança para atrair os investimentos privados, de modo que desperte o interesse do empresariado em engajar-se na implementação de serviços públicos de qualidade.

Feitas essas breves considerações, conclui-se que o Decreto é bastante interessante ao desenvolvimento das parcerias público-privadas porque apresenta e regulamenta toda a estrutura de coordenação de tais projetos.

A noção de que o Poder Público deve atuar de forma centralizadora enquanto único e principal garantidor das necessidades sociais deve ser superada. Isso porque a demanda por serviços eficientes e de qualidade é crescente e paradoxal ao contexto de baixa disponibilidade orçamentária do setor público e de carência de infraestrutura, que são, por sua vez, resultados do esgotamento do modelo ufanista de Estado provedor.

O que se faz necessário é avaliar a prestação de serviços públicos não essenciais sob uma ótica cooperativista, na qual o Estado assume função subsidiária ao permitir que a iniciativa privada forneça a expertise e os recursos financeiros necessários à concretização dos interesses da população.

Sob um contexto de grande instabilidade econômica, com uma Administração endividada e sem grandes perspectivas de crescimento, as parcerias público-privadas podem ser a saída para diversas carências da população do Distrito Federal.

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1 O projeto de Porto Maravilha é a maior parceria público-privada do Brasil

2 O Hospital do Subúrbio recebeu prêmio da Organização das Nações Unidas em maio deste ano.

3 Art. 3º O PMI será aberto mediante chamamento público, a ser promovido pelo órgão ou pela entidade que detenha a competência prevista no art. 2º, de ofício ou por provocação de pessoa física ou jurídica interessada.

4 O edital de chamamento público constitui a fase de abertura dos projetos de PMI ou MIP, e tem por objetivo dar publicidade e transparência aos atos da Administração Pública.

5 § 5º O valor máximo para possível ressarcimento dos projetos, levantamentos, investigações e estudos:

I - será fundamentado em prévia justificativa técnica, que poderá basear-se na complexidade dos estudos ou na elaboração de estudos similares; e

II - não ultrapassará, em seu conjunto, dois inteiros e cinco décimos por cento do valor total estimado previamente pela administração pública para os investimentos necessários à implementação do empreendimento ou para os gastos necessários à operação e à manutenção do empreendimento durante o período de vigência do contrato, o que for maior

6 Art. 30. Os valores relativos a projetos, levantamentos, investigações e estudos selecionados, nos termos deste Decreto, serão ressarcidos à pessoa física ou jurídica de direito privado autorizada exclusivamente pelo vencedor da licitação, caso os projetos, levantamentos, investigações e estudos selecionados tenham sido utilizados no certame.

7 Art. 31. O edital de licitação para a contratação de empreendimento cujo projeto final tenha sido modelado em decorrência do PMI conterá cláusula que condicione a eficácia do contrato ao ressarcimento dos valores relativos à elaboração de projetos, levantamentos, investigações e estudos utilizados na licitação.

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Referências bibliográficas

ARANHA, Márcio Iorio. Manual de Direito Regulatório: Fundamentos de Direito Regulatório. 3ª ed. rev. Laccademia Publishing. 2015.

CASTRO, Rodrigo Badaró de; DIETERICH, Frederico Bopp. Novas Parcerias Público-Privadas (PPPS) no Distrito Federal. Disponível aqui. Acesso em: 22 jun. 2015.

COSTA. Heitor Scalambrini. Concessão, privatização, PPP. E como fica o cidadão? Disponível aqui. Acesso em: 25 jun. 2015.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Reflexões sobre as Parcerias Público-Privadas. in.: Carta Forense. 2005.

FILHO, Marçal Justen; SCHWIND, Rafael Wallbach. (Org.) Parcerias Público-Privadas: reflexões sobre os 10 anos da Lei nº 11.079/2004. 1ª Edição – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 4ª ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum 2013. Capítulo 9: Parcerias Público-Privadas (páginas 495-516).

MENDES, Marcos. O que são Parcerias Público-Privadas (PPP). Disponível aqui. Acesso em: 30 jun. 2015.

SANTANA, Cláudia Silva de. Seriam as Parcerias Público-Privadas uma forma de privatização? Disponível aqui. Acesso em: 05 jul. 2015.

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*Luis Gustavo Freitas da Silva e Isadora França Neves são, respectivamente, sócio e assistente jurídica da banca Torreão Braz Advogados.

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