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Controladoria jurídica em escritórios de advocacia – o que é, como funciona e quais as vantagens

A controladoria pode trazer benefícios como aumento da produtividade, melhor gerenciamento dos riscos e custos e planejamento estratégico do próprio escritório.

28/8/2015

Prefácio

Cena 1:

Faltando dez minutos para o meio dia, você está combinando com seus colegas aonde irão almoçar, o telefone toca. É aquela senhora que foi ao seu escritório há 3 meses, levou toda a documentação necessária, assinou procuração e contrato de honorários para que você ajuizasse uma ação monitória. A simpática senhora tenta ser breve para não tomar seu tempo. “Oi, Doutor, tudo bem? Desculpe lhe incomodar, mas o Senhor havia dito que hoje era o último dia do prazo para darmos início no processo. Eu sei que o Senhor já deve ter tomado as providências necessárias, mas como o Senhor não me mandou a cópia da inicial (conforme combinamos), resolvi ligar”.

Você engole seco e pensa “a Monitória da Dona Maria, esqueci”. Não podendo ser exatamente sincero, você apenas responde à Dona Maria, “Claro, Dona Maria, está tudo certo! Desculpe não ter lhe enviado a cópia da inicial ainda, mas ainda hoje, até o final do dia eu lhe encaminho, ok?”. “Ok, Doutor, tenha um bom dia!”.

A partir daí uma odisseia se inicia. Você avisa aos seus colegas que não sairá para almoçar e pede que alguém lhe traga uma coxinha e um refrigerante, pois terá que passar seu horário de almoço elaborando a inicial da Dona Maria, pois às 15h00min ainda tem audiência na justiça do trabalho.

Cena 2:

Final do dia, o relógio já passa das 17h00min, você está contente que o dia se passou sem maiores problemas e contando os minutos para as 18h00min de sexta-feira. De repente (literalmente), você escuta uma voz que não sabe de onde vem, mas lhe salva “o Agravo de Instrumento do Seu João”. Você diz para você mesmo: “calma, você fez o Agravo, isso você tem certeza”. Ao consultar suas petições você confere que, de fato, ele está feito, as cópias da instrução do agravo estão conferidas e as custas estão pagas, você fez isso pela manhã, mas o dono do escritório te chamou para uma reunião de urgência. Prontamente você atendeu, mas, após a reunião ficou pensando nos pontos discutidos com o dono do escritório e quase esqueceu completamente do Agravo do Seu João.

Por sorte sua memória ainda lhe ajuda, já que, após terminar o Agravo no documento em Word, você cumpriu sua agenda e não teria mais como conferir o protocolo. Por sorte ainda eram 17h05min e você teve tempo de imprimir o agravo, montar, assinar, ir até o Tribunal protocolar e, no caminho, fazer uma pequena prece para que não esteja faltando nenhuma cópia na instrução do Agravo.

Cena 3:

Você está retornando do seu horário de almoço, por volta de 13h35min e, antes que você consiga sentar na sua mesa, sua secretária lhe para no caminho e “Doutor, o Seu Tício te ligou duas vezes na última meia hora, pediu para avisar que já está lhe aguardando na Vara de Família para a audiência de hoje”. Você pensa alto “Audiência hoje? ”. Sua secretária (já te olhando com ar de recriminação), “Sim, Doutor, a audiência é agora às 14h00min e o Senhor pediu para o Seu Tício chegar com meia hora de antecedência para passar as instruções a ele. Já separei a pasta com o caso dele para o Senhor, está aqui, pode levar”.

Ainda bem que você insistiu com seu sócio para que o escritório fosse do lado do fórum e para que pagassem um salário um pouco maior para ter uma secretária eficiente e, às 13h40min, “Oi Seu Tício, desculpe o atraso, fiquei preso no trânsito!”.

Se você se identificou com uma ou mais cenas, ou já vivenciou situações semelhantes, uma ou mais vezes, talvez seja a hora de repensar suas prioridades dentro do escritório e tomar uma decisão sobre algo que há algum tempo você se pergunta. Será que não é hora de implementar um controladoria jurídica aqui?

Investimento com alto custo e pouco benefício ou ferramenta indispensável aos escritórios de advocacia?

Assunto não tão recente no meio jurídico, a controladoria jurídica tem ganhado cada vez mais espaço nos seminários de advocacia, seja entre os operadores que trabalham em escritórios (qualquer que seja o tamanho) ou em jurídicos de empresas.

Mas, ainda hoje, quem trabalha com controladoria jurídica rotineiramente se depara com um sonoro “O que é isso mesmo?” ao contar para os colegas, seguido de uma expressão de confusão.

Precursora no tema e autora do livro mais vendido sobre o assunto, Samanta Albini ensina (sobre as principais funções da controladoria jurídica) que:

A Controladoria Jurídica possui diversas funções, todas ligadas à gestão jurídica do escritório ou departamento jurídico. Em resumo, pode-se dizer que a Controladoria Jurídica realiza todo o trabalho de suporte à área técnica jurídica e de análise de resultados da produção jurídica.1

Numa linguagem bem simples e direta, a controladoria faz a maior quantidade de trabalho administrativo possível no lugar do advogado, para que ele concentre seu tempo e energia no que interessa, ou seja, no trabalho técnico do jurídico.

Num escritório sem uma controladoria jurídica, ao receber uma publicação, o advogado precisa: a) receber a publicação do serviço contratado; b) cadastrar no sistema de software interno; c) lançar agenda de prazo para ele ou outro advogado/estagiário; d) contratar colaborador em outra comarca e solicitar as cópias (quando necessário); e) após a chegada das cópias, elaborar o prazo ou corrigir (se este tiver ficado a encargo de outra pessoa); f) encaminhar o prazo para protocolo (nos casos de processos em outros estados, terá que contratar colaborador novamente); g) após o retorno da petição, conferir o protocolo; h) arquivar a petição (física ou digitalmente, dependendo do arquivo do escritório).

Ocorre que, em toda esta sequência de procedimentos necessários para que seja finalizado cada prazo, a parte técnica do jurídico (elaboração da peça e da tese processual), acaba ficando “sufocada” pela necessidade de se preocupar com tantas outras questões.

Num escritório com controladoria jurídica, o advogado, muito provavelmente, ficaria responsável apenas pelas tarefas elencadas pelas letras “c”, “e”, “f” e “g”. Obviamente que a quantidade de tarefas que ainda ficam a encargo do advogado varia de escritório para escritório e de controladoria para controladoria, dependendo do investimento feito, da quantidade de pessoas contratadas e da abrangência que a controladoria optou por obter.

O foco é tirar do núcleo jurídico a maior quantidade possível de trabalhos que não são técnicos, não exigem conhecimento específico da área, como por exemplo, cadastrar a ação no sistema interno, ir ao fórum fazer protocolos e solicitar cópias, contratar colaboradores para realizar audiências, efetuar protocolo eletrônico, fotocopiar e digitalizar documentos, arquivar as petições (física ou digitalmente), etc.

Além da função de assessoria do jurídico, a Controladoria ainda pode guardar a função de análise de resultados da produção jurídica. Esta tarefa se dá por meio (primeiramente) da conferencia do trabalho realizado pelo jurídico, conferindo, diariamente, as tarefas mais impactantes ao cliente como, por exemplo, o recebimento e leitura das publicações, a pauta de audiências e a agenda de prazos fatais.

Ainda nas palavras da Dra. Samanta Albini, além destas duas principais funções, a Controladoria “também é a responsável pela guarda do software de gestão jurídica e por funcionar como o Setor da Qualidade do escritório de advocacia ou departamento jurídico”.2

O valor do investimento necessário para implementar uma Controladoria irá varia muito caso a caso. A primeira questão a ser analisada é quanto ao software utilizado pelo escritório, ou seja, há que se questionar se será necessário um investimento para atualizar ou se o sistema utilizado já está a contento (dificilmente uma Controladoria terá sua implementação realizada com sucesso sem um bom software).

Igualmente, a quantidade de pessoas sofrerá grande variação conforme o caso concreto. Se o escritório for pequeno (2 ou 3 advogados sócios, 1 estagiário e 1 secretária, por exemplo), a controladoria pode se basear na contratação de uma pessoa extra, apenas para encaminhar as informações sobre os processos aos clientes, informar quais os prazos fatais do dia, conferindo-os ao final do dia, por exemplo.

Já num escritório de médio ou grande porte, muito provavelmente, haverá necessidade da contratação de uma equipe completa, com um Controller Jurídico, assistentes, funcionários e estagiários de Direito.

O Controller Jurídico é o responsável pela gerência de todo o departamento da Controladoria Jurídica, exercendo a função de líder da equipe, orientando, acompanhando, fiscalizando, medindo os resultados e implementando melhorias nos procedimentos produtivos3.

Na prática, nos exemplos citados no prefácio do presente artigo, a Controladoria atuaria, na “Cena 1”, alertando ao advoga que o prazo da inicial estava se esgotando (de preferência em tempo hábil para que o protocolo seja sempre em D-34, para segurança).

Na “Cena 2”, cobrando dos advogados a impressão dos prazos, uma vez que o protocolo é realizado por membro da controladoria e, na “Cena 3”, alertando e relembrando o advogado, logo pela manhã, sobre as audiências do dia.

Estes são apenas os principais benefícios da implementação de uma Controladoria Jurídica. Dentro da atual conjuntura em que vivemos (econômica, polícia e juridicamente falando), a Controladoria pode ser uma grande aliada dos advogados e escritórios que querem se diferenciar e se destacar no mercado.

Isso porque, se bem direcionada, a Controladoria pode trazer outros benefícios além do “cumprimento dos prazos” com os clientes como, por exemplo, aumento da produtividade, melhor gerenciamento dos riscos e custos, melhor alinhamento com o financeiro (tanto quanto ao setor de faturamento, quanto custas a pagar e a receber), melhor planejamento financeiro e planejamento estratégico do próprio escritório.

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1 ALBINI. Samanta. Controladoria jurídica: para escritórios de advocacia e departamentos jurídicos. Curitiba: Juruá, 2014. 22 ed. Pg 172.

2 ALBINI. Samanta. Controladoria jurídica: para escritórios de advocacia e departamentos jurídicos. Curitiba: Juruá, 2014. 22 ed. Pg 172.

3 ALBINI. Samanta. Controladoria jurídica: para escritórios de advocacia e departamentos jurídicos. Curitiba: Juruá, 2014. 22 ed. Pg 139.

4 Três dias antes do prazo fatal.

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*Luísa Estefania Dias de Miranda é advogada do escritório Küster Machado – Advogados Associados.

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