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A crescente influência de institutos do Direito Público na Administração Privada – As denominadas “licitações” privadas

A participação em licitações privadas surge como mais um canal de capilaridade e possibilidade de ampliação de oportunidades de negócio.

25/8/2015

Desde os anos 90, notória é a permeabilidade de institutos da administração privada no setor público. É o que ocorre no Brasil, de modo mais estruturado, desde o ano de 1995: quando da elaboração do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, pelo então ministro Bresser Pereira, ainda no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Documento este em que o conceito de Manageralism – ou Gerencialismo – desponta como proposta determinante à melhoria nos órgãos de gestão do Estado: em praticamente todos os níveis e de aplicação aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Reflexos dessa absorção de conceitos compatíveis com a gestão privada são os de aferição de performance dos servidores públicos, foco no cidadão como um “cliente” dos serviços do Estado e o direcionamento do serviço público para a eficiência e efetividade - além da tônica na rigorosa apuração dos resultados. Pretendendo-se, desde a última década do século passado, a ruptura com um modelo puramente burocrático, moroso e pouco vocacionado à avaliação qualitativa do quanto executado.

Hoje, as gestões de empresas privadas vêm – em movimento semelhante, mas com vetor inverso – importando práticas e modelos da administração pública para a administração privada: o que justifica a crescente implementação de regras inspiradas na lei de Licitações (8.666/93) à contratação de serviços e aquisições de bens, por exemplo. Ainda que a pessoa jurídica de direito privado não tenha restrições ao poder de contratar e tão menos se submeta ao regramento hospedado na mencionado Lei Federal de Licitações e Contratos Administrativos.

Com a promulgação da lei anticorrupção (12.846/13), especialmente direcionada para empresas que lidam com o setor público, ao lado da recente regulamentação em âmbito Federal via decreto-lei 8.420/15, conceitos publicistas como os de transparência e probidade, o alto risco de responsabilização pessoal dos sócios e o caráter vultoso das sanções administrativas estão definitivamente persuadindo empresas a incorporar as balizas públicas da lei de maneira ampla na gestão privada: tanto aquelas que prestam serviços/contratam com o poder público quanto aquelas que têm seu portfólio de clientes exclusivamente em âmbito privado.

Já que as contratações e aquisições dentro das empresas buscam critérios objetivos de seleção dos possíveis proponentes, a adoção de regras de governança e implantação de programas de compliance (também chamados de programas de Integridade, pelo novo decreto-lei) por empresas de médio e grande porte é, pois, crescente. E quais são os conceitos públicos que a “licitação privada” incorpora? De modo didático e em rol não exaustivo, listam-se os principais: profissionalismo, impessoalidade, transparência, moralidade, eficiência, publicidade e adstrição ao instrumento convocatório/chamamento ao processo de seleção.

E em que a sistemática das licitações públicas, quando adotadas, contribui para a gestão privada?

- obtenção do fornecedor/prestador de serviços que oferece maior vantagem para o Contratante: não somente focado no critério puro do preço global, por exemplo;

- maior abrangência do processo de contratação e/ou aquisição, que logra atingir maior número de empresas aptas ao fornecimento do objeto;

- existência de requisitos claros para a apreciação das propostas, eventuais amostras de produtos, documentos obrigatórios à participação, etc, fechando portas às decisões de Executivos que atentem contra as regras de compliance da empresa, por exemplo;

- minimiza desgastes do setor de compras da empresa licitante perante os pretensos fornecedores, diante da prévia existência de regras, procedimentos e prazos para atendimento ao processo de cotações e contratação.

Há, contudo, uma via de mão dupla na absorção destas práticas inspiradas na burocracia tradicional do Estado: as empresas ofertantes passam a ter direito a que sejam irrestritamente atendidas as regras do Chamamento ao processo de seleção. Exatamente como numa licitação perante a administração pública, em que o edital “faz lei” entre as partes e a ele se vinculam todas as partes envolvidas: sobretudo o próprio ente público que promove a disputa licitatória.

A obrigação da empresa privada que licita um dado objeto é o de efetivamente contratar o primeiro colocado (ou, em sua impossibilidade, a empresa subsequente por ordem de classificação). Como o é, por expressa disposição legal, a da administração pública ao firmar o contrato administrativo com a empresa vencedora da licitação. Lei 8.666/93:

Art. 50. A Administração não poderá celebrar o contrato com preterição da ordem de classificação das propostas ou com terceiros estranhos ao procedimento licitatório, sob pena de nulidade.

Pode-se dizer que essa obrigação decorre não só da lógica da disputa e da expressão do princípio da impessoalidade, presentes no dispositivo retro, mas também da aplicação do próprio Código Civil às relações de Direito Privado. O corolário da boa-fé objetiva, consagrado agora no art.422 do Código Civil, é de inconteste aplicação. Eis que fortemente reconhecida na doutrina e jurisprudência pátrias a abrangência também na fase pré contratual:

Art.422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Logo, àqueles possíveis fornecedores que se lançaram à disputa pelo objeto licitado e que, por ventura, não vejam aplicadas as normas dispostas no documento convocatório (edital/Chamamento/nomes similares) facultam:

- o manejo das medidas impugnativas que o edital assim contemplar, desde que feitas tempestivamente;

- a adoção de medidas judiciais, com o eventual pleito de caráter liminar é, a princípio, cabível. Requer apreciação caso a caso, contudo;

- há também a possibilidade de que o edital interno preveja cláusula compromissória de arbitragem, por exemplo. O procedimento arbitral seguirá as peculiaridades que lhe são próprias e as regras do próprio instrumento convocatório.

Pelo que se expôs, portanto, a incorporação do modo de contratação inspirado em regras de uma licitação pública pode ser extremamente atrativa: tanto à pessoa jurídica de direito privado que a promove quanto às potenciais prestadoras de serviços e fornecedoras de produtos. Tendo-se claras as regras que se pretende seguir – e ciente o empresário de todas as obrigações de transparência e isonomia no processo de seleção e contratação do fornecedor – eis uma via salutar para a estruturação de uma área de compras voltada à eficiência e busca da melhor proposta à empresa Contratante: sempre trazendo para os editais de “licitações privadas”, ou Manuais de Compras da empresa, regras que não contrariem a legislação aplicável, prestigiem as práticas éticas e de moralidade da instituição privada e potencializem a participação do maior número de empresas o quanto possível. Basta o devido planejamento da empresa privada e, perante seus Gestores, a disseminação de uma cultura de contratações por intermédio de processos mais aprimorados. Os bons resultados não demoram a surgir. Na outra ponta, a participação em licitações privadas surge como mais um canal de capilaridade e possibilidade de ampliação de oportunidades de negócio. Equação que parece promissora, pois, sob os mais variados ângulos.

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*Luciana Paulino Magazoni é advogada na área de Direito Administrativo do Viseu Advogados.

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