No atual contexto social de um Poder Judiciário "concretizador" – responsável por realizar as promessas contidas na Constituição de 1988, ante a incapacidade dos Poderes Executivo e Legislativo – não é de hoje que Tribunais estão abarrotados e que, na tentativa clara de se defender da avalanche de processos, criam mecanismos universalizantes, tais como as Súmulas, que lhes permitam resolver não apenas um caso concreto, mas uma infinidade de casos futuros abrangidos pelo teor de determinado enunciado.
Essa é uma realidade contra a qual não se pode mais lutar e que até se mostra louvável sob o prisma da garantia da integridade do Direito. No entanto, cabe-nos, enquanto profissionais do Direito, zelar pela adequada aplicação dos Enunciados das Súmulas aos casos com os quais nos deparamos.
Por "aplicação adequada" pode-se compreender, por exemplo, aquela que está em consonância com o Ordenamento Jurídico atual, atenta às alterações legais implementadas e que impactam diretamente em seu texto.
Neste cenário há que se examinar o Enunciado de Súmula 126 do STJ e sua aplicabilidade em tempos de repercussão geral. Dispõe o aludido Enunciado: "É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário".
Pelo seu teor tem-se que, se a parte prejudicada não interpõe recurso extraordinário para o STF na hipótese de o acórdão recorrido conter fundamento constitucional, este se torna definitivo, circunstância essa que conduz à inadmissão do recurso especial por ela interposto.
A redação da Súmula 126 é bastante coerente, uma vez que a interposição única do recurso especial não terá o condão de alterar o disposto no acórdão recorrido, na medida em que o fundamento constitucional restará inalterado.
Contudo, indaga-se: E se o STF já tiver entendido que a matéria constitucional versada no acórdão recorrido não oferece repercussão geral? Mesmo assim a parte deve interpor o recurso extraordinário, sob pena de o seu recurso especial não ser conhecido por incidência do Enunciado de Súmula 126 do STJ?
Tendo em vista que o objetivo primeiro da lei 11.418/06, que disciplinou o instituto da repercussão geral, foi o de reduzir drasticamente o número de recursos extraordinários submetidos a julgamento na Corte Suprema, por óbvio que não faz o menor sentido que se continue a exigir a interposição de tal espécie recursal, quando já haja posicionamento do STF sobre a ausência de repercussão geral.
No entanto, não é isso que tem se verificado na jurisprudência recente e atual do STJ, na medida em que a Corte tem entendido que a incidência da referida Súmula objetiva impedir o trânsito em julgado do fundamento constitucional e, por isso, em nada se relacionaria com o instituto da repercussão geral.
Confira-se o exemplo abaixo, que bem sintetiza o referido entendimento:
"(...) A exigência de que seja interposto Recurso Extraordinário, na hipótese em que existente fundamento constitucional autônomo e suficiente à mantença do acórdão recorrido (Súmula 126/STJ), nada tem a ver com a nova sistemática da chamada repercussão geral, eis que visa, tão-somente, a impedir o trânsito em julgado de tal fundamento, até o exame daqueloutro de índole infraconstitucional (EDcl no REsp. 1.031.457/DF, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 8/5/08).
(AgRg no REsp 1343473/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/3/14, DJe 1/4/14) Grifo posterior
A nosso ver, o entendimento do STJ reclama adequação com a sistemática da repercussão geral, uma vez que o §2º do art. 543-B do CPC deixa claro que "negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos". Ora, se a questão constitucional que fundamentou o acórdão recorrido não detém repercussão geral, não há razão para se exigir que a parte interponha um recurso manifestamente infundado (e, para isso, tenha que pagar custas, porte de remessa e retorno, além dos custos com o próprio advogado).
Não obstante ser objetivo dos Tribunais Superiores, por meio da edição de Súmulas, estabilizar os conflitos por meio de respostas unívocas, a padronização dessas respostas, em determinados casos, não tem se mostrado a solução adequada para a resolução dos conflitos da sociedade.
Partindo-se da premissa de que o Direito é o produto de uma construção que respeita a democracia, a coerência e a integridade, as consolidações de jurisprudência precisam ser permanentemente atualizadas, não podendo ser estanques, especialmente indiferentes às alterações legislativas.
Por esta razão, revela-se imprescindível que o Enunciado de Súmula 126 do STJ receba urgente atualização, diante da sistemática da repercussão geral.
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*Lara Corrêa Sabino Bresciani é sócia do escritório Reis, Tôrres, Florêncio, Corrêa e Oliveira Advocacia.