Mesmo em tempos de Judiciário moroso e desacreditado, ainda há dificuldade na difusão do uso da arbitragem como alternativa acessível de solução de conflitos. São muitos os motivos para tanto, não sendo possível eleger uma razão isolada para a resistência em sua adoção.
Não obstante, a eliminação das barreiras à multiplicação do uso da arbitragem poderia começar com um esforço mais contundente de estudiosos do assunto no sentido de acabar com a propagação de imprecisões sobre o tema, especialmente se e quando disseminadas entre os que seriam os beneficiados com seu uso: as partes que estão negociando um contrato e avaliando se elegem ou não tal método como meio para solução de disputas ou aqueles que estão em vias de entrar em litígio e estão estudando se vale mais a pena encarar o Poder Judiciário ou iniciar uma arbitragem.
Nesse cenário, um dos exemplos da propagação de conceitos equivocados sobre o tema é a noção acerca das figuras do árbitro e do tribunal arbitral.
Talvez porque a arbitragem seja praticada com mais recorrência por meio de câmaras e institutos de arbitragem (a chamada arbitragem institucional), que contam com quadros de profissionais pré-selecionados, e dentre os quais as partes deverão escolher o árbitro que julgará a disputa, é comum ouvir afirmações como “fulano é arbitro” ou “é competente para julgar a demanda o tribunal de tal câmara”.
Não faz sentido permitir que tais equívocos solidifiquem-se como se verdade fossem, não só porque são atecnias, mas porque impingem a ideia de que a arbitragem só pode ser realizada com a ajuda de instituições e apenas seus membros são árbitros e podem atuar como árbitros.
Por mais recomendável que seja (como, de fato, é) dar preferência à realização de arbitragens com o auxílio de câmaras sérias e preparadas, que indiquem profissionais gabaritados com formações multidisciplinares para atuar nos processos – e é de notável qualidade e seriedade a atuação de algumas dessas instituições – nada disso é obrigatório para que o instituto seja utilizado de forma lícita e legítima.
É preciso deixar claro que ninguém é arbitro. O profissional pode ter frequentado cursos ou seminários sobre o assunto e fazer parte dos quadros de renomadas câmaras de arbitragem do país e, ainda assim, não será árbitro.
A condição de árbitro é circunstância que recai sobre o indivíduo nomeado pelas partes para decidir sobre a disputa, condição essa que só existe em função deste encargo, dentro de seus limites e enquanto ele existir. É um estado que se inicia quando as partes incumbem o indivíduo eleito de atuar como árbitro e ele aceita a incumbência, e termina quando a disputa é solucionada, exaurindo-se o seu encargo. É condição transitória, donde se conclui que o indivíduo “está arbitro” e não “é arbitro”.
Os critérios de elegibilidade para o exercício da função de árbitro são somente os de ter plena capacidade de direitos e deter a confiança das partes, não sendo exigível, embora aconselhável em certos casos, que possua nenhum tipo de formação específica, sendo possível a realização de perícia no bojo do procedimento arbitral.
Seja qual for o tipo de arbitragem escolhida – institucional ou ad hoc (administrada pelas partes) – o importante é que o indivíduo eleito para atuar como árbitro seja sempre, durante e em razão do exercício de seu encargo, imparcial, independente, diligente e mantenha absoluta confidencialidade sobre o objeto, as partes do litígio e o conteúdo das informações reveladas, atendendo, ainda, ao que ficar estabelecido na convenção arbitral.
Embora seja inconcebível eleger pessoa jurídica para o cargo de árbitro, é possível que as partes optem pelo julgamento da causa por um grupo de árbitros, e tribunal arbitral é justamente isso: a reunião de árbitros nomeados para julgar o pleito em conjunto. Os litigantes podem optar pelo tribunal arbitral tanto na hipótese de arbitragem ad hoc como de arbitragem institucional.
Fica claro que, estando a arbitragem ainda mitificada, serão poucos os interessados em utilizá-la. Se a falta de informação clara e completa sobre a arbitragem também é mote da timidez com que ainda é utilizada no Brasil, é importante que aqueles que estão familiarizados com o tema, que estudam, defendem e contribuem dos mais diversos modos para que se amplie sua adoção estejam preparados para elucidar dúvidas sobre a questão e evidenciar a simplicidade e informalidade características do instituto.
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*Rochelle Ricci é advogada do escritório Machado Associados Advogados e Consultores.