Reflexões acerca do enquadramento sindical dos trabalhadores portuários contratados com vínculo empregatício
Bruno Monteiro Costa*
Com efeito, a modernização dos portos não se resumiu à utilização de equipamentos mais sofisticados que propiciavam maior agilidade e efetividade no embarque e desembarque de cargas. Políticas públicas de desenvolvimento das áreas portuárias foram implementadas, incentivos fiscais concedidos e a legislação específica que regulamenta o setor foi adequada à nova situação.
Nesse contexto, o anacrônico regime jurídico que regia as relações trabalhistas entre os trabalhadores e os agentes de navegação até então existente ruiu. À época, diante da sazonalidade que caracterizava a atividade portuária, os trabalhadores não mantinham vínculo de emprego diretamente com os agentes, mas, ao revés, prestavam serviços na modalidade de avulsos.
O ordenamento jurídico de então outorgava aos sindicatos dos trabalhadores o monopólio no que se refere à escalação daqueles que iriam ser alocadas em cada operação. Portanto, os sindicatos profissionais detinham prerrogativa exclusiva de determinar o quantitativo e a composição das equipes de trabalhadores que iriam compor uma determinada turma.
O sincrético modelo ocasionou diversas situações insustentáveis: escalação de trabalhadores sem qualquer critério objetivo, inchaço das equipes, apadrinhamento indevido de trabalhadores, nepotismo, encarecimento da mão-de-obra, portos ineficazes e caros. Enfim, sistema degenerou numa introversão coorporativa em que os interesses dos trabalhadores entraram em colisão com os da sociedade, que exigia mudanças capazes de tornar os nossos portos competitivos.
Diante da pressão social e representando uma ruptura quanto ao modelo anterior, foi promulgada a Lei 8.630/93, conhecida como Lei de Modernização dos Portos, que:
a) acabou com o monopólio dos sindicatos no que se refere à escalação dos trabalhadores;
b) possibilitou que os trabalhadores pudessem ser contratados com vínculo empregatício, desde que por prazo indeterminado;
c) criou a figura do Órgão Gestor de Mão-de-Obra, pessoa jurídica sem fins lucrativos formada pelos operadores portuários com objetivo explícito de administrar o fornecimento de mão-de-obra portuária;
d) concedeu aos trabalhadores uma questionável reserva de mercado, ao estabelecer que apenas os que fossem registrados no Órgão Gestor poderiam desempenhar atividades consideradas como portuárias.
Dentre os diversos dispositivos legais constantes da nova lei, destaca-se o artigo 26 que possibilitou expressamente a contratação de trabalhadores portuários com vínculo empregatício, desde que respeitada a reserva concedida àqueles registrados, in litteris:
Art. 26. O trabalho portuário de capatazia, estiva, conferência de carga, bloco e vigilância de embarcações, nos portos organizados, será realizado por trabalhadores portuários com vínculo empregatício a prazo indeterminado e por trabalhadores portuários avulsos.Parágrafo único. A contratação de trabalhadores portuários de estiva, conferência de carga, conserto de carga e vigilância de embarcações com vínculo empregatício a prazo indeterminado será feita, exclusivamente, dentre os trabalhadores avulsos registrados.
Parece imperativo que o legislador diferenciou duas espécies distintas de trabalhadores portuários, quais sejam: os avulsos e os contratados diretamente pelo operador portuário, tendo vínculo empregatício por prazo indeterminado. Assim, diante da interpretação teleológica da Lei de Modernização dos Portos, emerge que o operador poderá conduzir sua atividade econômica de três formas distintas:
a) utilizando apenas trabalhadores avulsos em regime rodiziário;
b) requisitando parte dos trabalhadores avulsos ao OGMO e utilizando mão-de-obra contratada para às demais atividades;
c) utilizando, exclusivamente, os trabalhadores contratados com vínculo empregatício dentre os registrados no Órgão Gestor.
A inovação trazida pela lei, como não poderia deixar de ser, suscitou diversas e calorosas discussões jurídicas. Dentre essas, nesta oportunidade, destaca-se a celeuma criada em torno da representação sindical dos trabalhadores portuários contratados com vínculo empregatício. A questão é a seguinte: os trabalhadores contratados com vínculo empregatício continuariam a ser representados pelos sindicatos dos trabalhadores portuários aos quais estavam vinculados quando avulsos (estiva, conferentes, capatazia etc), ou juntar-se-iam aos demais empregados da empresa, passando à esfera de representação do sindicato correspondente à atividades preponderante do empregador?
Registre-se, por ser indispensável ao esclarecimento da questão, que tomando como modelo a Lei de Rocco italiana, a Consolidação das Leis do Trabalho (devidamente recepcionada pela Carta Política de 1988 neste aspecto) organizou estrutura sindical brasileira através de categorias que, segundo o conceito de SÉRGIO PINTO MARTINS: seriam “o conjunto de pessoas (físicas ou jurídicas) que têm interesses profissionais ou econômicos em comum, decorrentes de identidade de condições ligadas ao trabalho”
Ademais, o inciso II, do artigo 8°, da Constituição Federal, adotou o sistema da unicidade sindical, pelo qual não há possibilidade da existência de mais de uma organização sindical para uma mesma categoria profissional (trabalhadores) ou econômica (empregadores) em uma mesma base territorial (que não poderá ser inferior à área de um município).
O enquadramento sindical em cada categoria (tanto da própria empresa quanto dos seus empregados) será feita com base na atividade preponderante desenvolvida pela empresa, em face do que determina o artigo 581 consolidado.
Postas tais premissas, e enfrentando diretamente a questão, tem-se que, ao contrário do que entendem os diversos sindicatos de trabalhadores portuários avulsos, os trabalhadores contratados com vínculo empregatício serão representados pelo sindicato profissional correspondente à atividade preponderante do empregador. Esse foi o apanágio fundamental da Lei de Modernização dos Portos: possibilitar a contratação direta dos trabalhadores portuários, igualando-os aos demais. Tanto que a Lei 8.630/93 não fez qualquer diferenciação no que concerne à questão, o que seria suficiente para justificar a aplicação das regras gerais contidas na CLT.
Não obstante, com intuito de eliminar qualquer dúvida que pudesse persistir, o artigo 56 da Lei foi enfático:
Art. 56. É facultado aos titulares de instalações portuárias de uso privativo a contratação de trabalhadores a prazo indeterminado, observado o disposto no contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho das respectivas categorias econômicas preponderantes
Como se pode ler, exercido o DIREITO DE CONTRATAÇÃO COM VÍNCULO EMPREGATÍCIO, a lei impõe ao EMPREGADOR a observação das condições fixadas nos instrumentos coletivos da categoria econômica preponderante. É dizer: se o titular da instalação portuária fosse um condomínio de usineiros (como aconteceu em Pernambuco), os trabalhadores portuários contratados com vínculo empregatício teriam suas relações jurídicas regidas pelas convenções coletivas celebradas com o SINDAÇÚCAR, além de serem representados pela entidade sindical laboral correspondente e não pelos sindicatos dos trabalhadores avulsos na área portuária. As convenções coletivas e os acordos coletivos firmados pelos sindicatos dos trabalhadores portuários não alcançariam os contratados com vínculo empregatício.
Da mesma forma, e por conseguinte, os dirigentes dos sindicatos de trabalhadores portuários avulsos contratados com vínculo empregatício não teriam direito à garantia provisória de emprego fixada na Constituição, sendo o benefício restrito aos dirigentes do sindicato representante dos trabalhadores da empresa.
Por fim, tem-se que a situação perduraria mesmo se o empregado contratado diretamente fosse associado ao sindicato dos trabalhadores portuários avulsos. Perante o atual ordenamento jurídico, o enquadramento sindical é matéria de reserva legal que independe da vontade do trabalhador e não se confunde com seu direito de associação sindical.
Concluindo, tem-se que o enquadramento sindical dos trabalhadores portuários contratados com vínculo empregatício deverá seguir a regra geral fixada na Condolidação das Leis do Trabalho, baseando-se na atividade preponderante do empregador, mormente quando a própria Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXXIV, igualou os trabalhadores avulsos aos demais.
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* Advogado do escritório Martorelli e Gouveia Advogados
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