Migalhas de Peso

A ANS está mudando e o consumidor precisa ficar atento

O desespero do consumidor se choca com a inflexível frieza dos planos de saúde.

5/8/2015

A 'vida' dos consumidores com os planos de saúde nunca foi fácil, sobretudo quando no centro desta 'relação' surge a necessidade de um tratamento médico ligeiramente novo, mais sofisticado ou complexo e, por essa razão, levemente mais caro. O desespero do consumidor se choca com a inflexível frieza dos planos de saúde. Para resolver esta questão, que é sempre muito delicada, o consumidor recorre a Justiça, a sua última esperança. Queiram ou não os críticos, a judicialização da saúde já salvou milhares de vidas. Mas a Justiça não pode ficar com todos os louros dessa 'boa ação', a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar – tem parcela importante de contribuição por ter procurado atuar sempre de forma equilibrada.

Este cenário, que nunca foi perfeito, mas que permitia alguns avanços, ainda que pequenos, de uns tempos para cá está mudando, de maneira rápida e silenciosa, sem que a sociedade perceba. E pela experiência que tenho nesse segmento, não me restam dúvidas de que o cenário que se desenha não será nada bom para os consumidores. Lamento que as preocupações momentâneas do Congresso, tão difusas, não permitam que os legisladores percebam e atuem na defesa dos consumidores. Depois pode ser tarde!

Confesso que tento, mas não consigo entender por que a linha do diálogo foi abandonada. Explico: dia desses aconteceu em Brasília uma reunião entre o Ministério da Saúde e o presidente da ANS para liberar o aumento de preços dos planos individuais de saúde, pleiteado por parte das Operadoras, hoje controlado pela ANS. Nenhuma entidade de defesa dos direitos dos consumidores foi convidada a participar. Qualquer aumento nos contratos individuais sem regulamentação ensejará o fim dos 10 milhões de contratos individuais existentes. Nenhuma Operadora os quer, pois nestes há proibição de rescisão e aumento controlado.

O mesmo esquecimento aconteceu quando da criação da Câmara de Mediação do TJ de São Paulo. Naquele primeiro momento, somente participaram representantes das entidades relacionadas aos Planos de Saúde, membro da ANS e do Judiciário de SP. Por conta dos protestos que se seguiram, houve a reversão da questão, com reunião convocada com entidade de defesa dos direitos dos consumidores.

Antes destas duas medidas, estranhíssimas a meu ver, a ANS já havia extinguido o ranking das reclamações dos consumidores contra o mau atendimento e recusa de tratamento pelos planos de saúde, que há treze anos existia e servia como um farol de segurança para todos os consumidores. Alegou a agência que não havia 'filtros' de seleção, ou seja, as reclamações, mesmo depois de sanadas, ainda permaneciam no ranking. Ora, o ranking é de reclamações e não de solução de problemas. Se o consumidor recorreu a ANS é porque não foi atendido por seu plano de saúde.

Depois veio a questão dos partos e cesáreas, onde a ANS praticamente obrigava as mulheres a fazer parto, sem sequer garantir que as Operadoras mantivessem na sua rede credenciada, médicos aptos a realizá-los. A grita foi tão grande que no dia seguinte, a ANS voltou atrás, para afirmar que para as mulheres que quisessem fazer cesárea seria necessário assinar um termo de conhecimento das suas consequências. Não é impondo regra que a ANS vai conseguir diminuir o alarmante índice de cesárea no Brasil. Isso exige mudança comportamental, educacional, a ser feita com campanhas de esclarecimento.

Não bastasse tudo isso, o novo presidente da ANS, o médico pediatra José Carlos de Souza Abrahão, foi presidente da Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Estado do Rio de Janeiro e da Confederação Nacional de Saúde. Nada tenho contra o novo presidente da ANS, mas sua nomeação causou "certo desconforto" e gerou protestos de algumas entidades de defesa do consumidor por conta do seu estreito vínculo com o setor. O ideal seria que o escolhido pela presidente da República fosse um profissional acima de gostos, percepções e desconfianças. Mas, assim como todos os consumidores de serviços de saúde, espero que o dr. José Carlos Abrahão faça uma administração justa e equilibrada e que mantenha os canais de comunicação permanentemente abertos com as entidades de defesa dos direitos dos consumidores.

Estas entidades não podem jamais ficar de fora de qualquer discussão que envolva os interesses dos consumidores brasileiros. Não é possível aceitar, como vem ocorrendo, a sua convocação somente depois de tomadas as decisões. A persistir este quadro, os consumidores vão perder. Por todas as razões expostas, devemos manter a atenção e exigir que os direitos dos consumidores, sobretudo aqueles relacionados à saúde, não sejam alterados e muito menos extinguidos. A ANS está mudando e precisamos permanecer atentos.

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*Rosana Chiavassa é advogada especializada no Direito do Consumidor, com foco na área da Saúde do escritório Chiavassa & Chiavassa Advogadas Associadas.

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