Migalhas de Peso

Atuação estatal e tributação ideológica

É inevitável que a discussão sobre legislação tributária inclua posicionamento ideológico.

4/8/2015

A diversão no estudo do Direito Tributário é que se trata de um ramo do direito intrinsecamente ligado à visão de Estado e, por isso, o posicionamento ideológico (no sentido científico da palavra). Quanto maior o Estado, maior as despesas públicas e, portanto, maior a necessidade de receitas, e vice versa. Como a principal receita pública é o tributo, a visão de Estado influi na definição da carga tributária, regulamentada pela legislação (Direito Tributário).

Diante disso, pode-se falar em estrutura tributária de direita e em estrutura tributária de esquerda. Existe o sistema tributário que serve ao pensamento liberal e o que serve ao pensamento social. Em alguns pontos eles podem coincidir, porém, há evidentes divergências.

As denominações de direita e de esquerda surgiram na Revolução Francesa. Contra o que foi chamado de Antigo Regime (monarquia absolutista), uniram-se aqueles franceses que não detinham quaisquer privilégios, que foram identificados como o Terceiro Estado – o Primeiro Estado seria o rei e a nobreza e o Segundo Estado o alto clero. Então, na França revolucionária, lutaram lado a lado desde os camponeses até os pequenos comerciantes (burgueses), passando pelo baixo clero.

Na Convenção Nacional, órgão máximo da Revolução, os grupos do Terceiro Estado se reuniram geograficamente: os pequenos comerciantes (burgueses), à direita; os camponeses e trabalhadores urbanos, à esquerda. Assim, aqueles que estão à direita lutam pela liberdade e os que estão à esquerda pela igualdade – o que se reproduz na discussão da estrutura tributária.

A estrutura tributária de direita privilegia a liberdade. O Estado deve interferir o mínimo possível na atividade econômica, que deve ser primordialmente desenvolvida pela iniciativa privada. O tributo, conquanto legítimo e necessário, não pode prejudicar a propriedade privada e a geração de riqueza por parte dos cidadãos.

Para isso, o tributo deve ser entendido, efetivamente, como uma externalidade, isto é, um elemento que não compõe o exercício da atividade econômica. E sendo assim, a legislação tributária deve buscar ao máximo a neutralidade e a eficiência. Desse modo, as decisões na produção de riqueza não deveriam ser influenciadas pela correspondente carga tributária.

De maneira diferente, a estrutura tributária de esquerda privilegia a igualdade. O Estado, atuando ao lado da iniciativa privada, deverá intervir sempre que ela e o mercado não consigam gerar igualdade entre os cidadãos. A medida do tributo será a medida da desigualdade social.

Nesse sentido, o tributo deve ser integrado ao desenvolvimento da atividade econômica, considerando que a contribuição de cada cidadão será pautada por sua riqueza, muitas vezes, por meio do cálculo progressivo. O fruto da arrecadação tributária pode ser destinado ao desenvolvido de áreas e atividades que a iniciativa privada não se interessa, mas que o Estado entenda importante. Enfim, o tributo é um instrumento de distribuição de renda.

Em razão do momento histórico em que foi redigida, a Constituição Federal de 1988 acabou por adotar (ou, ao menos, tentou) uma posição intermediária, muito bem resumida no seu artigo 1°, IV: "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa." A proposta de reforma tributária deverá ser necessária para enfrentar essa questão ideológica. O espírito político do Brasil atual lembra o sentimento pré-Revolução Francesa, o que justifica a dificuldade para que seja apresentada uma nova estrutura tributária.

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*Edison Carlos Fernandes é coordenador do curso de Tributação sobre Renda e Lucro do CEU-IICS Escola de Direito, doutor em direito e sócio do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.












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