A lei de Arbitragem foi alterada com o intuito de fortalecer sua utilização, especialmente nos conflitos com a Administração Pública. As alterações tramitavam no Congresso desde 2013 e resultam de anteprojeto preparado por comissão presidida pelo ministro do STJ, Luis Felipe Salomão. A arbitragem permite que partes deleguem a um terceiro (o árbitro) a tarefa de decidir um conflito. Permite que disputas sejam resolvidas por árbitros com conhecimento técnico específico e de forma confidencial, em um procedimento mais flexível e célere do que o Judiciário. Para investidores nacionais e estrangeiros, a arbitragem pode trazer maior segurança e em alguns casos tornou-se até condição para o aporte de recursos.
A arbitragem vem crescendo de maneira significativa no Brasil: o número de procedimentos nas principais câmaras brasileiras cresceu quase 50% desde 2010. Apesar de sua ampla utilização no meio empresarial, ainda havia resistência à participação de entes da Administração em procedimentos arbitrais, sobretudo nos Tribunais de Contas. Durante a última década, travaram-se verdadeiras batalhas nos tribunais brasileiros para determinar se os conflitos envolvendo o Estado poderiam ou não ser submetidos à arbitragem. A doutrina e a jurisprudência estão majoritariamente a favor da arbitragem com o Estado quando envolvidos apenas direitos patrimoniais. Nesse espírito, a nova lei vem eliminar qualquer dúvida sobre o tema, encerrando a guerra.
Resolvido esse impasse, quais os próximos passos para que a arbitragem possa exercer um papel relevante na solução de disputas com o Estado brasileiro? Quais novos desafios enfrentaremos para que a resolução de disputas envolvendo o Estado não seja um entrave ao desenvolvimento?
Com as alterações à lei de arbitragem, a questão imediata que se coloca é definir quais as peculiaridades do procedimento arbitral quando uma das partes é o Estado. Durante a tramitação das alterações à lei de arbitragem, considerou-se a criação de regulamentação específica para o uso da arbitragem em conflitos com a Administração. Tal emenda, no entanto, não foi acolhida, talvez até porque desnecessária. Afinal, as partes da arbitragem (em que se incluirá, obviamente, o Estado) são livres para especificar as regras de procedimento adequadas ao caso concreto, seja adotando regras de instituições arbitrais conhecidas, seja criando regras no próprio contrato - a autonomia das partes é a pedra fundamental da arbitragem.
A nova lei de arbitragem impõe, no entanto, que as arbitragens envolvendo a Administração respeitem o princípio da publicidade. As instituições arbitrais, acostumadas com a confidencialidade e o sigilo absoluto, têm diante de si o desafio de promover amplo acesso aos autos desses procedimentos arbitrais. Vale mencionar que, a critério dos próprios árbitros, as regras vigentes no Código de Processo Civil, a respeito da eventual decretação de segredo de justiça, poderão servir como parâmetros para regular situações sensíveis em que a publicidade, ao invés de prestigiar, viole o interesse público.
Além de desafogar o Poder Judiciário, a promoção da arbitragem nos conflitos com o Estado tem o potencial de diminuir o custo dos contratos públicos e são muitos os exemplos de entes públicos que, cientes dos seus benefícios, passaram a utilizá-la amplamente. A lei de PPPs e a lei de Concessões de Serviços Públicos, por exemplo, já preveem o uso da arbitragem. A ANEEL utiliza a arbitragem para resolver conflitos entre operadores do setor elétrico e o Estado de MG aprovou em 2011 lei autorizando todos os entes da Administração Pública estatal a utilizarem este método.
A proliferação do uso da arbitragem nos contratos com ente da Administração Pública, no entanto, não é o final da linha. Da perspectiva dos agentes privados, não basta a obtenção da sentença contra o Estado; mais importante que isso será a sua efetividade, leia-se, o seu cumprimento espontâneo ou a sua execução forçada. Se de um lado, a reforma da Lei de Arbitragem poderá atrair investimentos, aproximando a iniciativa privada dos entes da Administração, por chancelar a possibilidade de resolução de disputas de forma mais célere e quiçá mais segura, de outro lado, não modificará em nada a triste realidade da inequívoca renitência do Estado nos casos em que sai vencido. Em que pese a vantagem evidente de se obter celeremente uma decisão de mérito, a verdade é que, por ora, isso servirá apenas para que celeremente façamos crescer as filas de pagamentos dos precatórios em todos os níveis da Administração Pública.
____________
*Eliane Carvalho e Gisela Mation são, respectivamente, sócia e advogada do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados na área de Arbitragem.