Migalhas de Peso

Conflito entre marca, nome empresarial, título de estabelecimento e nome de domínio

A questão é saber-se como proteger o nome de estabelecimento que comercializa os artigos (produtos ou mercadorias).

14/7/2015

REsp nº 1238041/SC (2011/9035484-1)

Partes:
- Geração Comércio de Automóveis Ltda. (São Paulo)
Autora – Apelante – Recorrente

- Boeira & Boff Ltda. ME (Santa Catarina)
Ré – Apelada – Recorrida

Em seu Tratado da Propriedade Industrial, Vol. II - Tomo II, n.3 in fine, escreveu João da Gama Cerqueira:

“Merece reparo, ainda, a parte final do artigo [93], que considera as marcas como sinais distintivos de atividade industrial, comercial, agrícola ou civil, quando a sua função é distinguir produtos ou mercadorias, como declara o art. 89.”

Referia-se o Mestre Gama Cerqueira ao Código da Propriedade Industrial de 1945, promulgado pelo decreto-lei 7.903.

Dessa Lei, é importante transcrever os arts. 89 e 90:

"Art. 89. As marcas registradas, de acôrdo com êste Código, terão garantido o seu uso exclusivo para distinguir produtos ou mercadorias, de outros idênticos ou semelhantes, de procedência diversa.
Parágrafo único. Considera-se marca de indústria aquela que fôr usada pelo fabricante, industrial, agricultor ou artífice, para assinalar os seus produtos e marca de comércio, aquela que usa o comerciante para assinalar as mercadorias do seu negócio, fabricadas ou produzidas por outrem.
Art. 90. Podem registrar marcas:
1.º) Os industriais ou comerciantes, para distinguir as mercadorias ou produtos do seu fabrico ou negócio.
2.º) Os agricultores ou criadores para assinalar os produtos de agricultura, de pecuária, e, em geral, de qualquer exploração agrícola, zootécnica, florestal ou extrativa;
3.º) As cooperativas ou organismos de cooperação econômica, para assinalar os respectivos produtos ou mercadorias;
4º) As emprêsas ou organizações profissionais para distinguir os produtos ou artigos resultantes de suas atividades;
5.º) A União, os Estados e Municípios, as entidades autárquicas, e de natureza coletiva, devidamente constituídas;
6º) As entidades de caráter civil ou comercial, para uso próprio ou de seus associados."

Já no Vol. I de seu famoso Tratado, Gama Cerqueira destacava ter o fabricante e o comerciante "o máximo interesse em individualizar e distinguir os artigos que produz ou vende" (n. 119). Informava o autor que a finalidade das marcas, em seu antigo conceito, "era indicar ao consumidor o estabelecimento em que o artigo era fabricado ou a casa comercial que o expunha à venda" (n. 120).

E transcreve a lição de Braun "... de même que le fabricant, em marquant ses produits, se porte em quelque sorte garant des conditions spéciales de fabrication, de même le commerçant, en apposant sa marque sur les objets de son négoce, offre au consommateur la garantie du choix qu’il en a fait et des soins qu’ il y a apportés (op. cit., nº 64, pág. 221)".

Não se discute, portanto, que a marca é aposta no artigo (produto da indústria ou mercadoria do estabelecimento comercial).

A questão é saber-se como proteger o nome de estabelecimento que comercializa os artigos (produtos ou mercadorias).

A respeito, o Código de 1945 regulava os títulos de estabelecimento e as insígnias:

Art. 114. Constituem título de estabelecimento e insígnia, respectivamente, as denominações, os emblemas ou quaisquer outros sinais que sirvam para distinguir o estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, ou relativo a qualquer atividade lícita.

Art. 115. O registro do título ou da insígnia somente prevalecerá para o município em que estiver situado o estabelecimento, considerando-se, para esse efeito, como município o Distrito Federal.

Mas, leis posteriores revogaram os dispositivos que regulavam o registro dos títulos e das insígnias, remetendo sua tutela para legislação especial, que nunca veio.

Assim, canhestramente o INPI, através de atos administrativos, e não da Lei, veio a incluí-los entre as marcas de serviços, o que não são.

Acerca da classe 35, é de se notar as normas do Departamento de Patentes do Reino Unido:

There is no corresponding entry in the alphabetical list of services in Class 35 indicating that the wording in the explanatory note is general indication rather than a specific description of a service. The registrar will not object to this description of services in Class 35 provided that the nature of the retail service and (where this is not clear from the nature of the retail service) the market sector are also indicated. In the absence of such indications, objection will be taken under Sections 3 (6) of the UK Trade Marks Act 1994, on the grounds that without an indication of the means of bringing together goods and displaying them, the description in the explanatory note is too wide to be a proper description of any one retailer’s services.
In the case of department stores, supermarkets, hypermarkets, convenience stores etc, the following specifications will be allowed in Class 35:
The bringing together, for the benefit of others, of a variety of goods, enabling customers to conveniently view and purchase those goods in a department store.
Or
The bringing together, for the benefit of others, of a variety of goods, enabling customers to conveniently view and purchase those goods in a supermarket
.”

Não se esqueça que as lojas de automóveis usualmente utilizam suas marcas de comércio (título de estabelecimento) nos vidros traseiros dos veículos que comercializam, ou seja, nos próprios produtos ou artigos.

Então, vamos à Economia.

O Prof. J. Pinto Antunes, Catedrático de Direito Econômico na Faculdade de Direito da USP (já falecido), em sua obra A PRODUÇÃO SOB O REGIME DE EMPRESA (Ed. Bushatsky, 1973), nas páginas iniciais (27/29), escreveu:

“PRODUÇÃO. Vamos analisar a compreensão e extensão do conceito. Produzir é criar coisas ofélimas. Ofelimidade é a utilidade no sentido econômico, conceito de compreensão mais restrita, de extensão mais vasta, que o de utilidade no sentido vulgar. Produzir é, pois, a criação de utilidades econômicas. Tudo quanto satisfaça aos desejos humanos é útil, economicamente falando, ou ofélimo. Os desejos humanos são satisfeitos por bens ou riquezas, isto é, por coisas ofélimas. E, assim, produzir é criar, aumentar ofelimidades, sinônimo de riqueza, bens ou utilidades, no sentido peculiar à Economia. A criação, aí, consiste, somente, no aumento da soma dos meios úteis ou capazes de satisfação dos variados e prolíficos desejos humanos.
...
Todavia, comerciar é produzir. O comerciante, pela sua atividade, aumenta as utilidades econômicas; cria ou aumenta a desejabilidade ou ofemilidade das coisas existentes. O comerciante compra por atacado e vende a varejo aos consumidores, que não possuem capacidade econômica de compra em grande quantidade; é, assim, criador de utilidades, porque a sua operação, o seu ato, é útil ao produtor anterior que pode liquidar, dessa forma, toda a sua produção mais rapidamente, entregando-se, de novo, à sua peculiar ou específica atividade no processo produtivo; é útil, por igual, ao consumidor último, que não tem capacidade econômica para adquirir toda a produção ou mesmo, podendo adquirir, não precisa de tantos bens ou produtos para a satisfação dos seus desejos quantitativamente limitados, pois todos os desejos são limitados em capacidade, dado o caráter de saciabilidade que os acompanha. Produz, assim, a utilidade-quantidade.
Sem o comerciante, de que nos valeria, como consumidores individuais, a oferta, por inteiro, de uma vagão de verduras?
O comerciante, fazendo o papel de distribuidor desta produção, multiplica a possibilidade da satisfação de muitos consumidores que, de outra maneira, teriam os seus desejos insatisfeitos. É, por isso, criador de ofelimidades, ou por outras palavras – é produtor de riquezas, de bens, em forma de serviços.
...
É sem dúvida, produtiva a atividade comercial.
Aquele que se dedica ao transporte é, também, produtor.”

Vê-se que a Economia acaba confundindo produção, comércio e serviços, não sendo útil para nossas indagações, valendo mencionar Louis Baudin:

“...et l’économiste qui est seulement économiste est un médiocre économiste” (L’Aube d’ un Nouveau Libéralisme, 1953).

Temos, assim, de retornar à interpretação jurídica.

A classificação de Nice, na nota explicativa da Classe 35, inclui "o agrupamento para terceiros de produtos diversos... permitindo ao consumidor vê-los ou compra-los comodamente".

Vejo aí três personagens: o vendedor, o consumidor e aquele que agrupa para terceiros produtos diversos, ou seja, o prestador de serviços que organiza a gôndula do supermercado ou arruma esteticamente as vitrines.

No final das contas, arrumar gôndolas ou vitrines não passa de uma espécie de design, e não vamos visualizar no adorno de um produto a prestação de serviços do fabricante ao consumidor.

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*Newton Silveira é sócio do escritório Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados - Advogados. Mestre em Direito Civil, doutor em Direito Comercial e professor senior na pós-graduação da Faculdade de Direito da USP.

 

 

 

 

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