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Em defesa da lei 11.079/04 - Lei das PPPs

A legislação federal mais recente sobre PPPs no Brasil é a lei 11.079/04 que estabelece um novo meio de contratação de serviços pela Administração Pública. Trata-se na verdade de mais um modalidade de concessão, que por não ter denominação mais precisa é chamada também de parceria público privada

22/3/2006


Em defesa da lei 11.079/04 - Lei das PPPs


Carlos Magno de Souza Paiva*


A legislação federal mais recente sobre PPPs no Brasil é a lei 11.079/041 que estabelece um novo meio de contratação de serviços pela Administração Pública. Trata-se na verdade de mais um modalidade de concessão, que por não ter denominação mais precisa é chamada também de parceria público privada.


São várias as inovações trazidas por essa legislação, gerando um choque de opiniões entre os que aprovam a idéia inaugurada e aqueles que a repudiam ferozmente o instituto. Aqui, o autor entende que o mais importante é perceber a necessidade de se construir um aparato legal que possibilite a viabilidade das parcerias entre o Poder Público e os particulares. A fixação de um marco legal é importantíssimo, mas não quer dizer seja imutável. Se a nova lei apresenta avanços e também falhas é na sua aplicação prática que haverá a chance de reestruturação legal. As parcerias (PPPs em sentido restrito) são uma idéia inovadora, muitas situações futuras são imprevisíveis e difíceis de vislumbrar, logo não há como se fundamentar totalmente no passado. A título de exemplo, tem-se o caso da Espanha: - em 1995 entrou em vigor a “Ley de Contratos de las Administraciones Públicas” bastante criticada por trazer certas confusões sobre o regime jurídico a ser aplicado nos contratos celebrados entre as várias entidades de direito público. Apesar dos temas ainda pendentes e das várias posições de resistência, o professor Xavier Pádros I Castillón destaca o grande valor desse marco jurídico e a importância de um futuro balanço sobre sua aplicação, levantando as várias dúvidas e problemas suscitados para as eventuais derrogações e correções necessárias. (CASTILLÓN: 1999)


Bem, a lei brasileira de PPPs traz várias inovações em relação a lei de concessões (8.789/95). Ficou clara a intenção do legislador em ampliar significativamente as parcerias entre o Estado e o particular, e isso significa uma mudança de paradigma, dado que até então as relações entre os entes de direito público e direito privado sempre foram marcadas pela desconfiança recíproca. Ao que se indica, a proposta é para que haja um ponto de convergência e coalizão de interesses e principalmente uma relação fundada na confiança a partir de agora.


A lei 11.079/04 autoriza a celebração de contratos de concessão por prazos de até 35 anos, o que implica a possibilidade de investimentos privados de grande porte com extensos períodos de amortização de financiamento. Esse é um ponto-chave na nova lei e que sugere muito cuidado, afinal carece indubitavelmente de uma “desgovernamentalização da contratação”. Com a possibilidade de firmar contratos envolvendo prazos que abrangem vários mandatos, as PPPs devem ter projetos muito bem planejados, visando essencialmente o interesse comum e apartando o máximo possível os interesses políticos das pautas da contratação - daí a importância da criação de agências reguladoras, conformadas com autonomia financeira, administrativa e corpo técnico estável. Quanto menos interesse político estiver envolvido, menor será o risco que envolverá o empreendimento e seu financiamento.2

Outra inovação é possibilidade de haver PPPs em áreas pouco atrativas economicamente ou mesmo sem nenhum retorno do capital aplicado. A lei criou e distinguiu a “modalidade administrativa” como sendo um contrato onde a Administração Pública é a usuária direta ou indireta dos serviços prestados, é o caso do contrato para a construção de um presídio, ou de uma rodovia que atende determinada população carente incapaz de arcar com tarifas ou pedágios, neste caso, as despesas decorrentes da PPP são pagas integralmente pelo poder concedente. A segunda modalidade é a patrocinada, onde o serviço prestado é custeado parte pelo usuário do mesmo e parte pela Administração, aqui a lei autoriza que o Estado custeie até 70% dos recursos necessários.


Determinados contratos de parceria podem envolver um enorme contingente de usuários com serviços de prestação continuada que não podem ser interrompidos (caso do fornecimento de energia elétrica), e isso é mais uma razão para que os contratos de PPP sejam montados de maneira minuciosa e livre de possíveis contestações futuras. Ocorre que, por envolverem tão extenso prazo de duração, os projetos e modelagens devem prever meios de resolução de litígios próprios, que evitem a via judicial comum. A morosidade judiciária é um problema que não pode ficar alheio ao contrato, as controvérsias ocorridas no decorrer da concessão exigem soluções rápidas (pela própria natureza do serviço) e a lei 11.079/04 prevê em seu artigo 11 a possibilidade de emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.


Nota-se claramente que a nova lei trouxe vários pontos positivos a favor do particular, e não sem propósito, afinal o objetivo maior das PPPs é atrair os investimentos da iniciativa privada para áreas estratégicas e nem sempre com retorno financeiro garantido, e seria muita ingenuidade pensar que isso ocorreria a troco de nada. Ainda assim, nem tudo na lei privilegia somente o parceiro privado. Existem dois pontos primordiais que ajudam a equilibrar essa balança: o primeiro, obriga a Administração a efetuar sua contraprestação somente após a disponibilização efetiva do serviço objeto do contrato (art. 7º), e o segundo vincula o pagamento do parceiro privado à eficiência no cumprimento do serviço prestado (art. 6º, parágrafo único). Como ver-se-á adiante, a maior parte dos autores que expõem argumentos contra a lei 11.079/04 criticam especialmente o fato dela beneficiar demais o interesse das SPE (Sociedades de Propósito Específico) em detrimento aos interesses públicos, entretanto, não se pode desprezar que a favor da Administração pesam, no entender deste autor, as duas maiores garantias que podem haver, ou seja: pagamento somente após a entrega do bem ou serviço e vinculado ainda qualidade e eficiência destes.


Outras características próprias da lei 11.079/04


Antes de apontar alguns pontos de tensão colocados pela doutrina, tem-se ainda que destacar outras características próprias da lei 11.079/04, a saber: (a) a criação do fundo especial garantidor de parcerias público privada, (b) as restrições quanto a contratação e (c) a questão da repartição de riscos.


a - Como se colocou no ponto anterior, à favor da Administração pesa uma grande vantagem, que é a possibilidade de ter o serviço, fruto da PPP, disponibilizado ao usuário sem ter que despender grandes valores de imediato (o investimento seria por conta do parceiro privado). Isso é possível pois a lei 11.079/04 fundamenta-se em uma ambiente de confiança recíproca entre o Poder Público e o particular - este faria o investimento certo que o Estado arcaria com sua contraparte -, entretanto coloca-se aqui uma pergunta: será que o Brasil está preparado para esse ambiente de confiança mútua? As experiências envolvendo PPPs mundo a fora mostram que ainda é possível manter uma agenda de investimentos em infra-estrutura numa esfera de parcerias, e ser parceiro significa trabalhar junto, ser um verdadeiro sócio. Nos países desenvolvidos esse trabalhar “em par” têm gerado bons frutos especialmente por haver um ânimo em ajudar e uma confiança mútua. Aqui, no Brasil, a realidade é outra: historicamente a máquina administrativa sempre foi utilizada para garantir vantagens pessoais e apesar do esforço recente em querer mudar esse cenário3 ainda não se pode exigir do particular que confie irrestritamente na Administração.


Esse descrédito que ainda existe no Brasil é o que levou o legislador a criar o fundo especial garantidor das parcerias público privada (art. 16), uma forma de aumentar a credibilidade da Administração e permitir que o parceiro privado tenha garantias suficientes para contratar. Infelizmente mecanismos como este ainda são necessários, mas espera-se que um dia, a simples assinatura do ente de direito público seja a garantia suficiente para a captação de recursos como já o é em outros países que não precisam criar tais fundos bilionários.


b - Uma das grandes preocupações relacionadas as PPPs é quanto ao seu uso indiscriminado pela Administração. Por envolver longos prazos de concessão e comprometer receitas futuras, as modelagens não podem ser banalizadas e empregadas em qualquer situação. O “Value for Money” ou “Valor pelo Dinheiro” resulta da comparação entre os custos e os benefícios definidos para um projeto realizado através de PPP e outras alternativas tradicionalmente utilizadas pela Administração Pública para prestar o mesmo serviço. A lei impõe a necessidade deste estudo antes da publicação do edital e somente autoriza a concessão se os demais meios de contratação, do serviço em causa, não forem mais interessantes econômica e tecnicamente para a Administração. Existe ainda uma limitação quanto ao valor mínimo para se contratar de vinte milhões de reais e para completar, a União somente poderá contratar parcerias público privada quando a soma das despesas de caráter continuado do ano anterior, fruto das parcerias já contratadas, não exceder 1% da receita corrente líquida daquele exercício.4


Todos estes mecanismos são impostos como meios de restringir as contratações por via da lei 11.079/04. É bem verdade que o ambiente ideal de confiança para proliferação de políticas de PPP ainda não existe no Brasil, não quer dizer também que nunca existirá, no entanto algumas cautelas devem ser tomadas para evitar tanto o despreparo de políticos sem responsabilidade, como a ganância de empresas que podem, por meio de pressões financeiras, somente celebrar contratos que envolvam as garantias presentes na nova legislação.


c - A lei 8.789/95 prevê que os riscos econômicos decorrentes do empreendimento, fruto da concessão, devem ser transferidos integralmente para a concessionária (salvo as hipóteses de força maior e caso fortuito), diferente da atual norma que prescreve a necessidade contratual de repartição de riscos entre o poder concedente e o prestador do serviço.5 Ponto interessante é que a nova legislação brasileira (11.079/04 art. 5º IX) possibilitou o compartilhamento com a Administração de eventuais ganhos econômicos efetivos decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado. Neste caso, pergunta-se: será que a possibilidade de compartilhamento de ganhos decorre somente da redução do risco de crédito e consequentemente o menor gasto com juros, ou será que esse rateio de ganhos poderá decorrer de outras situações como, por exemplo, aumento do volume de usuários de determinado serviço concedido e consequentemente aumento da arrecadação (tarifas)? É um dos pontos de discussão hoje o fato das empresas tirarem maior proveito das PPPs por estarem repartindo seus riscos com a Administração, entretanto, uma boa análise do texto legal pode levar a boas conclusões a favor do Poder Público que poderá se beneficiar em situações de lucro extraordinário, desde que previstos no contrato de concessão. A princípio uma interpretação extensiva do texto normativo não impede tal possibilidade.


Críticas doutrinárias quanto a atual lei federal


Como salientado anteriormente, essa nova roupagem dada à figura das PPPs é matéria inovadora no Brasil e somente nos últimos tempos é que o tema foi submetido à avaliação doutrinária. Entre os vários os autores que criticam a lei 11.079/04 temos o ilustre professor Celso Antônio Bandeira de Melo que se posiciona de maneira decidida e bastante fundamentada diante da nova possibilidade de contratação. O que faremos a seguir será uma breve exposição de tais críticas, ponderando-as com a posição defendida neste estudo6. É mister salientar que em momento algum pretende-se questionar o brilhantismo de autores tão renomados, especialmente o professor Bandeira de Melo, o objetivo é apenas demonstrar um outro ponto e assim abrir as portas para o debate democrático, visando sempre o enriquecimento da cultura de parcerias no Brasil.


O emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem


Prescreve o art. 11 da lei 11.079/04:


Art. 11. O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os §§ 3o e 4o do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever:

(…)


III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de Setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.


Como se pode ver, o art. 11 cria para a Administração a faculdade de inserir no contrato de PPP mecanismos privados de resolução de disputas - arbitragem. Esse é um ponto-chave e pode ser considerado um grande avanço legal já que as vantagens são várias: economia processual, celeridade na decisão, contributo para a redução da sobrecarga na Justiça e ainda é um atrativo a mais para a iniciativa privada optar pela parceria com a Administração.


Celso Antônio Bandeira de Melo, em artigo publicado no ano passado, critica fortemente este dispositivo (a arbitragem nos contratos de PPP) por entender que o mesmo é totalmente inconstitucional. O autor alega que os interesses envolvidos numa parceria público privada são indisponíveis, o serviço público contratado está a tocar em recursos pertinentes a toda a sociedade e por isso mesmo as disputas suscitadas devem ser levadas obrigatoriamente à apreciação do poder judiciário já que este é o único titular capaz de julgar lides que envolvem direitos indisponíveis. Assim, segundo o jurista brasileiro, as controvérsias entre a Administração e a empresa concessionária não poderiam ser transacionadas amigavelmente em esfera extra judiciária.


Ora, hoje o mundo da Economia (movimentação de capitais em âmbito produtivo e especulativo) está de tal forma dinâmico que em questão de segundos situações tidas como estáveis podem se modificar radicalmente. O contrato de PPP é essencialmente um contrato econômico e não se pode ficar alheio a isso, as SPE precisam ir até o mercado de capitais levantar montantes para tocar o empreendimento e este mercado é turbulento e instável, incompatível com a morosidade do poder judiciário. Em situações que envolvem milhares (ou milhões) de usuários as concessionárias, e o próprio governo, não podem se dar ao luxo de aguardarem uma posição sobre determinada disputa. A eleição de tribunais de arbitragem (em língua portuguesa) é uma maneira de colocar a Administração no rítimo do mercado e inclusive se beneficiar com isso. Não se deve esquecer que o Estado está amparado por suas procuradorias e advogados e que o interesse público sempre estará representado. Ademais, a criação de tribunais de arbitragem não excluem nunca a lide da apreciação do poder judiciário. É apenas uma forma de evitar que se chegue a tal ponto, todavia se de maneira alguma houver acordo, a Justiça comum sempre poderá ser invocada.7


Assunção da SPE por financiador sem que este atenda as exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço


A lei 11.079/04 dispõe que caberá à Administração fixar, no contrato de concessão, as situações em que ocorrerá a transferência do controle da sociedade de propósito específico para os seus financiadores.


Art. 5º (…)


§ 2o Os contratos poderão prever adicionalmente:


I – os requisitos e condições em que o parceiro público autorizará a transferência do controle da sociedade de propósito específico para os seus financiadores, com o objetivo de promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços (…);


O professor Celso Antônio Bandeira de Melo chama a atenção para, o que no seu entender, trata-se de mais uma inconstitucionalidade, ou seja, o não cumprimento da previsão constitucional que determina que nos processos de licitação para a prestação de serviços devem constar cláusulas de exigência de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.8 De fato, esta disposição constitucional é até obvia demais, afinal como imaginar a concessão de um serviço público para uma empresa que não tenha capacidade técnica e econômica de operar o serviço?


O parágrafo 2º, art. 5º da lei 11.079/04 regula a hipótese da empresa concessionária que não cumpri o contrato de parceria. Neste caso, a lei autoriza a transferência do controle da SPE para os seus financiadores. É justamente esse o ponto que o professor Bandeira de Melo ataca: se por algum motivo ocorrer a transferência da concessionária para o agente financiador, a exigência constitucional de qualificação técnica e econômica seria desrespeitada, afinal estes critérios foram atendidos pela SPE e não pela instituição responsável pelo seu financiamento.


Bem, todavia, este não é o entendimento mais coerente, afinal, se o objetivo constitucional maior é resguardar o interesse público, tem-se que pensar qual a maneira mais eficaz de continuar oferecendo o serviço ao cidadão sem que isso implique maior ônus para o mesmo ou para a Administração. E assim, acredita-se que legislação, além de propor uma boa solução para o problema não desrespeita a Constituição em momento algum, afinal se a SPE deixa de cumprir o estabelecido no contrato de concessão quem poderia assumir o seu lugar? (a) A Administração não possui o “know-how” suficiente para operar o serviço, dependeria de contratar funcionários, montar contratos de licitação para a compra de materiais e estaria envolvida com algo que é justamente o que se buscou evitar desde início, ou seja, o Estado-gestor. (b) Também não seria o caso de fazer outro processo de modelagem para nova PPP, com novos editais, audiências públicas, enfim todo o processo de contratação pública que pode durar mais de um ano. (c) Entende-se que melhor mesmo seria que a empresa financiadora do projeto assumisse o serviço, pois além de possuir todo o conhecimento contábil da PPP, afinal é quem a financia, pode, utilizando toda a experiência que possui em gestão, contratar corpo técnico especializado para, sob seu controle, dar continuidade ao serviço interrompido ou mal prestado anteriormente.


É uma boa solução que atende aos interesses da Administração, que continuará viabilizando o prestação inicial, interessante para o administrado que terá o serviço disponível, pouco importando quem o presta e útil para o agente financiador que poderá de maneira alternativa retomar o capital financiado porém não quitado. Logo, ao invés de simplesmente interromper o serviço por questões de merca inconstitucionalidade formal, o legislador buscou uma alternativa que respeita a constituição enquanto unidade sistêmica.


A criação do fundo garantidor das PPPs


Outro ponto de discussão envolvendo a nova lei de concessões está relacionado com o fundo garantidor das PPPs (FGP). Aqui, como não poderia ser diferente, o consagrado jurista Celso Antônio Bandeira de Melo, emite parecer desfavorável ao texto legal e novamente alega a inconstitucionalidade da medida. A lei 11.079/04 diz o seguinte:


Art. 16. Ficam a União, suas autarquias e fundações públicas autorizadas a participar, no limite global de R$ 6.000.000.000,00 (seis bilhões de reais), em Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas – FGP, que terá por finalidade prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais em virtude das parcerias de que trata esta Lei.(…)


§ 4o A integralização das cotas poderá ser realizada em dinheiro, títulos da dívida pública, bens imóveis dominicais, bens móveis, inclusive ações de sociedade de economia mista federal excedentes ao necessário para manutenção de seu controle pela União, ou outros direitos com valor patrimonial.

Neste artigo, o professor Celso Antônio destaca três impropriedades: (a) a impenhorabilidade dos bens públicos, (b) o não atendimento ao pagamento das dívidas públicas por via dos precatórios, (c) o privilégio de pagamento aos parceiros das PPPs em detrimento aos demais credores da Administração Pública.


Bem, não se pode concordar completamente com essa posição sem antes levantar algumas ressalvas: quanto a impenhorabilidade dos bens públicos, não há nenhum preceito constitucional que limite essa possibilidade, o único mandamento brasileiro sobre a impenhorabilidade dos bens públicos é o CPC9(Código de Processo Civil) e ainda assim o professor Petrônio Calmon Filho aponta a necessidade de interpretação deste código à luz da Constituição e do artigo 99 do Código Civil10 para se chegar à conclusão que “ficariam impenhoráveis apenas os bens públicos de uso comum do povo e de uso especial, e, pelo menos para os créditos de natureza alimentar, não tenho absolutamente nenhuma dúvida dessa afirmação.” (CALMON FILHO, 2003) Ou seja, o CPC prescreve que os bens inalienáveis são impenhoráveis, o Código civil, diz que os bens públicos são inalienáveis, mas somente aqueles de uso comum do povo e de uso especial, logo, com todo respeito à opinião do professor Bandeira de Mello pode-se concluir que os demais bens públicos podem sim serem dados em garantia. Veja o esquema a seguir:

  • bens inalienáveis ? bens públicos de uso comum do povo e uso especial ? código civil
  • demais bens públicos (de não uso comum do povo e uso especial) ? PENHORÁVEIS

  • O artigo 100 da Constituição diz que “os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim”. Bem, aqui dois problemas surgem em função do FGP: Seria constitucional a criação de um fundo para o pagamento dos credores das PPPs se a Constituição diz que esse pagamento deve ser feito via precatório? E mais: Se a Constituição fala em pagamento por ordem cronológica de apresentação dos precatórios, não estariam os parceiros das PPPs sendo privilegiados em detrimento aos demais credores do Poder Público?11


    Novamente tenta-se encontrar uma solução com base numa análise sistêmica do ordenamento jurídico e não atenta apenas a um dispositivo isolado. Isso é muito importante, pois ao avaliar a utilidade e importância dos tribunais de arbitragem estabelecidos nos contratos de PPP chegar-se-á a conclusão que poucas lides serão apreciadas pela Justiça ordinária, e como o artigo 100 fala que o pagamento por precatórios somente será em função das dívidas fixadas em sentença judiciária, nada impede a criação de um fundo para o pagamento de dívidas vencidas normalmente ou reconhecidas por sentença arbitrária.


    Assim, não se encontra nenhuma inconstitucionalidade na criação de tais fundos se os mesmos são utilizados para os pagamentos de dívidas alheias à apreciação do poder judiciário.


    Conclusão


    Tal como uma arma de fogo, as parcerias devem ser muito bem manejadas, afinal o seu emprego de forma correta pode ser muito útil, entretanto o mal uso das mesmas pode se tornar fatal. Em vários países a cultura de parcerias têm rendido bons frutos e a tendência é que seu uso seja cada vez mais difundido em todas as áreas de envolvimento da Administração, já no Brasil, estamos ainda nos acostumando com essa nova idéia e tentando adaptá-la à nossa realidade. Nenhum passo deve ser precipitado, sendo preciso inclusive voltar atrás quando necessário.


    Quanto àqueles que insistem em criticar e nada de bom vêm nessa nova proposta, espera-se ao menos que os mesmos indiquem um outro caminho para o futuro do Estado e da sociedade, pois é certo que se ficarmos parados sem saber por onde ir acabaremos por morrer na estrada. É como foi dito: muito do que há nessa nova cultura de parcerias é totalmente novo e não há como saber ao certo todos os seus efeitos futuros, ainda assim, não é pela falta de alternativas que se resolveu optar pelas PPPs, a sua proposta é consistente, coerente e promissora, basta que para isso haja também vontade política e social

    de viabilizar o seu funcionamento. E só para terminar a analogia, não basta ter a arma e saber manejá-la, é preciso saber ainda no que atirar.
    _____________


    1Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública.


    2
    A idéia de Estado regulador pode transmitir também a noção de um Estado interventor, é esse o ponto que chama a atenção o Professor Floriano de Azevedo Marques. A desgovernamentalização da regulação é necessária à medida que desvincula os projetos PPP de situações políticas momentâneas. Estabilidade e confiança são inversamente proporcionais ao risco financeiro.


    3
    Mesmo aceitando que o problema da corrupção é cultural e não legal, atualmente no Brasil, tem-se montado uma estrutura legal para cercear cada vez mais a atuação das sangrias feitas no património público: lei de crimes eleitorais (9.840/99) , lei de responsabilidade fiscal (lei complementar nº 101 de 4 de maio de 2000), lei do nepotismo, e ainda a própria reforma política.


    4
    Apesar de se tratar de uma salvaguarda, este último ponto é desfavorável a eventuais administrações futuras que poderão ficar impossibilitadas de contratar por meio de PPP. Logo, reforça-se a idéia de que os contratos de PPP devem ter o mínimo possível de interesse político envolvido em sua contratação e visar sempre o bem comum.


    5
    Art. 4º, VI e art. 5º, III da lei 11.079/04


    6
    Importante destacar que este estudo não pretende colocar o modelo de PPP atual como sendo perfeito e insusceptível de mudanças. De certo que muito há o que melhorar ainda, entretanto, visando criar um ambiente de debate sobre os pontos mais polêmicos da norma, apontar-se-á a posição de alguns autores que se posicionam contra a lei 11.079/04 tentando rebater tais opiniões com argumentos próprios e outros oferecidos por parte da doutrina que é a favor daquela.


    7
    Sobre este tema o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou: “Em regra, os bens e o interesse público são indisponíveis, porque pertencem à coletividade. É, por isso, o Administrador, mero gestor da coisa pública, não tem disponibilidade sobre os interesses confiados à sua guarda e realização. Todavia, há casos em que o princípio da indisponibilidade do interesse público deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a solução adotada pela Administração é a que melhor atenderá à ultimação deste interesse.
    (RE 253885/MG Relatora: Min. ELLEN GRACIE)

    O próprio art. 23, XV da lei 8.789/95 (que é aplicado subsidiariamente à lei 11.079/04) estabelece que no contrato de concessão deve constar: “o foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais.”


    8
    Art. 37. (…)

    XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.


    9
    Art. 649 - São absolutamente impenhoráveis:

    I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;


    10
    Art. 99. São bens públicos:

    I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

    II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

    III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.


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    * Advogado, licenciado em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto, mestrando em Direito na Universidade de Coimbra






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