A lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde institui, em seu art. 12, II, “c”, a obrigatoriedade de cobertura das despesas referentes a honorários médicos, decorrentes de internação hospitalar.
Ocorre que, inúmeros contratos de planos de saúde permitem que o beneficiário se utilize de médicos não credenciados e procedem ao reembolso de honorários médicos respeitados os limites estipulados.
Todavia, a maneira obscura com que as operadoras têm procedido ao reembolso das despesas a título de honorários médicos tem gerado muita controvérsia, o que impulsionou o aumento de ações judiciais para discussão da devolução parcial dos custos médicos.
O fato é que os consumidores são surpreendidos no momento em que se deparam com o recebimento de valores irrisórios a título de honorários médicos, uma vez que não conseguem aferir com clareza o critério para definição da restituição, previsto nos contratos de plano de saúde existentes no mercado.
Isso porque, basta uma simples leitura das cláusulas que estabelecem os limites de reembolso dos honorários médicos para confirmar que as operadoras não cumprem com o seu dever básico de informação, previsto no art. 06.º, inc. III do Código de Defesa do Consumidor.
Com efeito, muitas vezes, as cláusulas são redigidas de modo a dificultar a imediata compreensão do seu sentido e alcance e aliada às parcas informações disponibilizadas ao consumidor, as operadoras de saúde não esclarecem o critério e parâmetro utilizados para realizar o reembolso dos valores gastos, uma vez que se apoiam em fórmulas obscuras e cálculos genéricos para apurar a importância a ser restituída a titulo de Honorários médicos.
Além disso, os convênios com o intuito de justificar a devolução ínfima invocam a existência de uma tabela realizada com base em moeda própria ou uma unidade para pagamento, cujo valor é estabelecido unilateralmente pelos planos de saúde, o que na prática significa que a definição do valor permanece a critério exclusivo das operadoras.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 46, determina que as cláusulas limitativas, como é o caso da restituição dos honorários médicos, devem ser redigidas com destaque, que permitam sua imediata e fácil compreensão.
Como consequência lógica da interpretação do mencionado artigo, o consumidor só se vincularia às disposições contratuais em que, previamente, também lhe é dada a oportunidade de prévio conhecimento, ou seja, no momento da contratação, ainda que a suposta tabela esteja registrada em Cartório (Nesse sentido: STJ – 3ª Turma – Resp n. 897148/MT – Rel Min. Humberto Gomes de Barros – j. 20.09.07)
Daí conclui-se que a falta de transparência nas cláusulas contratuais, aliada à ausência de informação adequada, clara, precisa e a realização aos cálculos genéricos e omissos efetivados no momento do reembolso configuram um abuso praticado pelas operadoras de plano de saúde.
Assim, configurado o déficit informativo constante nas disposições contratuais e consequentemente o abuso perpetuado pelas operadoras de saúde, os Tribunais vêm repelindo o reembolso parcial cometido pelos planos e determinando a restituição integral dos valores gastos a título de Honorários médicos.
Nesse sentido, é o entendimento sedimentado pelo TJ/SP:
“SEGURO SAÚDE – Negativa de reembolso integral das despesas hospitalares decorrentes da segunda cirurgia realizada para tratamento de aneurisma e abusividade dos critérios de definição dos valores dos honorários médicos – Inadmissibilidade – Segunda cirurgia realizada depois de dois meses em complementação a primeira coberta pela operadora e necessária ao bom êxito do procedimento médico – Recusa descabida diante da situação semelhante entre as duas intervenções cirúrgicas indicadas pelo mesmo médico e realizadas no mesmo hospital – Cobertura devida de todos os equipamentos e procedimentos necessários, indispensáveis e ligados ao ato cirúrgico principal – Observância do Código de Defesa do Consumidor e precedentes do STJ – É lícita a limitação de cobertura securitária, mas o consumidor deve ter prévio conhecimento e possibilidade de plena compreensão de seu sentido e alcance – Intrigada, complexa e confusa fórmula de cálculo com base em tabela inteligível por parte do segurado – Operadora, embora intimada para explicar de maneira concreta a fórmula de cálculos de reembolso, nada esclareceu, nem sequer em suas razões de apelo – Violação aos princípios da transparência e da informação válida – Situação incompatível com a boa fé e a equidade, o que coloca o consumidor em desvantagem exagerada, de modo a ameaçar o objetivo e o equilíbrio do contrato de seguro saúde – Sentença de procedência mantida – Recurso desprovido”. (Apelação Nº 0009949-35.2011.8.26.0011 – Relator: Des. Mendes Pereira – 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Data de julgamento: 22/05/13).
Patente, portanto, que a abusividade não está na limitação do reembolso previsto em contrato, mas na ausência de informações mínimas que permitam ao consumidor compreender como são realizados os cálculos para definição dos valores dos honorários médicos.
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*Tatiana Harumi Kota é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viçosa - UFV, pós-graduada em Direito Contratual pela PUC/SP e advogada especialista em direito à saúde no escritório Vilhena Silva Sociedade de Advogados.