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O Programa de Proteção ao Emprego: muita marola para pouco volume de água

A invocação da crise é um pretexto ótimo para o estabelecimento de um “gato” na rede elétrica das normas jurídicas.

8/7/2015

Com a MP 680 e o decreto que lhe regulamenta, o de nº 8.479, de 6 de julho de 2015, o Governo Federal espera dar uma resposta à situação atual do país, em que a perspectiva de ampliação do desemprego é uma realidade concreta.

Atribui à iniciativa o nome de Programa de Proteção ao Emprego e institui mais uma sigla que o alcunha: PPE.

Embala-se, assim, a esperança de as estatísticas de desemprego não maltratem ainda mais a combalida popularidade do governo atual.

Tudo é divulgado com muita alegria, como se tivéssemos alcançado a situação ideal da teoria dos jogos, o jogo de ganha-ganha ou vencer-vencer. Ganhariam as empresas, aliviadas no momento de crise, ganhariam os empregados, cujos empregos seriam mantidos, ainda que com salários reduzidos.

Há na iniciativa, no entanto, vários equívocos.

Em primeiro lugar, porque o grande Programa de Proteção ao Emprego está na Constituição Federal, no inciso I do artigo 7º, que reclama regulamentação por lei complementar desde 5 de outubro de 1988, sem que o Congresso Nacional tivesse providenciado o atendimento ao comando constitucional.

Ali, diz-se: “São direitos dos trabalhadores, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenizatória, dentre outros direitos.”

A proteção até hoje postergada foi substituída por uma tarifação de indenização por dispensa, constante do ADCT.

Esse é o verdadeiro “Programa de Proteção ao Emprego” que a Constituição Federal reclama e que é postergado há mais de vinte e seis anos.

Sucede que não somos dados à estruturação do país. Nós gostamos mesmo é dos arremedos, dos programas precários, provisórios, das soluções improvisadas, das gambiarras jurídico institucionais. E, nesse sentido, a invocação da crise é um pretexto ótimo para o estabelecimento de um “gato” na rede elétrica das normas jurídicas. Um choque mediante o qual a proteção ao emprego se converta num mecanismo de contemplar projetos específicos de alguns setores da economia.

E sequer é novidade. Somos especialistas em arremedos desse jaez. Desde 1965, quando o país vivia grave crise econômica como decorrência da criação de uma ambiência de desconfiança generalizada e golpismo político, temos lei sobre a possibilidade temporária de redução dos salários.

À época, Arnaldo Lopes Süssekind era ministro do Trabalho e entabulou ainda sob sua gestão os termos da lei 4.923, que foi sancionada em 23 de dezembro de 1965, poucos dias depois que o militar Walter Peracchi Barcelos foi nomeado em substituição ao Ministro Süssekind.

O seu artigo 2º, vigente até hoje, diz:

“Art. 2º - A empresa que, em face de conjuntura econômica, devidamente comprovada, se encontrar em condições que recomendem, transitoriamente, a redução da jornada normal ou do número de dias do trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a entidade sindical representativa dos seus empregados, homologado pela Delegacia Regional do Trabalho, por prazo certo, não excedente de 3 (três) meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redução do salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeitado o salário-mínimo regional e reduzidas proporcionalmente a remuneração e as gratificações de gerentes e diretores.”

A lei de 1965, ainda, não permitia a redução aos profissionais ocupantes dos cargos de natureza técnica (§2º do artigo 3º).

A MP 680, assim, tem por propósito ir além da lei já existente, ampliando o processo de flexibilização liberalizante da legislação trabalhista. O que era limitado na redução salarial em 25% passa a ser limitado a 30%. O que era limitado no tempo a 3 (três) meses, prorrogáveis por igual período, passa a ser de 6 (seis) meses. Se antes, para a empresa fazer uso da benesse, precisava reduzir proporcionalmente as remunerações e gratificações de seus gestores, agora pode manter os salários mais elevados e segregar setores específicos, inclusive alcançando apenas os mais vulneráveis e menos qualificados, para estabelecer com estes as reduções salariais mais amplas, bem como atingir os ocupantes de cargos de natureza técnica.

Permanece a necessidade de entabular acordo coletivo com a entidade sindical.

A Medida Provisória reconhece seus objetivos, tendo como o mais destacado deles favorecer a recuperação econômico-financeira das empresas (inciso II do artigo 1º da MP). A contrapartida aos trabalhadores é de suposta preservação dos empregos em momentos de retração econômica, com suspensão do poder de dispensar imotivadamente pelo período em que a empresa recebe o benefício e acréscimo de um terço desse período. Como o período máximo de benefício do PPE é de doze meses (seis renováveis por outros seis), o trabalhador poderá ter acréscimo de até quatro meses no período de estabilidade.

É interessante que a MP se articule com o Programa do Seguro-Desemprego, invocando-o, expressamente, no parágrafo único do artigo 1º. Isso porque o FAT é que dará lastro a uma cominação dos efeitos da redução salarial

Para receber tais benefícios, as empresas deverão demonstrar encontrar-se em dificuldade econômico financeira e poderão reduzir salário e jornada em até 30% (trinta por cento). Devem ter registro no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ há, pelo menos, dois anos e revelar seu estado de absoluta regularidade fiscal, previdenciária e relativa ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.

Precisaremos então, localizar empresas adimplentes, com regularidade contábil e jurídica que possam demonstrar sua situação de dificuldade econômico-financeira, a partir de informações definidas pelo Comitê do Programa de Proteção ao Emprego, que também foi criado pelo Decreto que regulamenta a MP.

Se tal avis rara for encontrada, ainda haverá de negociar o acordo coletivo de trabalho específico, registrado no Ministério do Trabalho e Emprego, nos termos do art. 614 do Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho.

Em síntese, anuncia-se muita marola para pouco volume de água. O Programa alvitrado parece ter, literalmente, propósito e destinatários específicos, beneficiando empresas determinadas, empregados de categorias já previamente conhecidas e um limitadíssimo alcance econômico e um nefasto efeito jurídico. Quebram-se princípios constitucionais, como o da inalterabilidade in pejus na remuneração dos trabalhadores, tudo para alcançar um contido efeito e um prejuízo histórico político grande para o governo que, para quem dizia que não alteraria direitos trabalhistas “nem que a vaca tossisse”, deixou de considerar a iminência de uma epidemia de enfermidade pulmonar nas pobres bovinas.

Em síntese: se as empresas que terão acesso a esse benefício são adimplentes com os impostos, com a Previdência, com o Fundo de Garantia dos seus empregados, se negociam livremente com os sindicatos representativos das categorias profissionais, se havia lei vigente que permitir uma medida semelhante, o que estamos a fazer?

Estamos a criar notícias e a iludir quem imagina que o novo sempre vem... No entanto, sinto-me como Cazuza: num museu de grandes novidades...

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*Luís Carlos Moro é sócio do escritório Moro e Scalamandré Advocacia.

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