Migalhas de Peso

A exposição financeira na geração hidrelétrica

O ano de 2014 foi particularmente angustiante para os geradores, sobretudo porque choveu menos que a média histórica, aprofundando o GSF.

6/7/2015

O Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) funciona como um ajuste financeiro decorrente do compartilhamento dos riscos hidrológicos que afetam os geradores hidrelétricos sujeitos à despacho centralizado do Operador Nacional do Sistema (ONS). Quando uma determinada região do país enfrenta períodos de seca, ela precisa armazenar água e, por consequência, vai gerar abaixo da média. O inverso é absolutamente verdadeiro, o que possibilita um intercâmbio de energia entre as diversas regiões, visando otimizar a operação do setor.

Já faz algum tempo, porém, que os especialistas desconfiam que as geradoras hidrelétricas vêm gerando menos que a sua garantia física. Isto pode não ser devido apenas à baixa energia natural afluente. O próprio TCU apontou diversas causas, como falhas no planejamento da expansão da capacidade de geração, superavaliação da garantia física das usinas, perda significativa de receitas e capacidade de investimento das concessionárias, etc.

Sabe-se que a garantia física é um certificado que cada usina recebe atestando o total de energia que ela pode comercializar. Quando o gerador não consegue entregar ao sistema a energia assegurada (garantia física) ocorre um déficit, conhecido pela sigla GSF (generation scaling factor). Quando isto acontece, a geradora deve comprar energia no curto prazo para atender ao seu compromisso contratual de fornecimento de energia no ambiente regulado. A diferença entre o preço da energia no curto prazo (PLD) e aquele previsto em contrato é geralmente grande, representando, muitas vezes, graves prejuízos financeiros aos cofres da empresa geradora.

O ano de 2014 foi particularmente angustiante para os geradores, sobretudo porque choveu menos que a média histórica, aprofundando o GSF. Outro fator foi responsável por este aprofundamento: a geração termelétrica. É provável que as térmicas continuem despachadas durante todo o ano de 2015, pois a ideia é poupar água dos reservatórios. Para além de tudo, o governo acabou de editar a portaria 44/15, do Ministério de Minas e Energia, obrigando os agentes de distribuição a realizarem Chamada Pública para incentivo à geração própria de unidades consumidoras. A energia gerada será valorada de acordo com a fonte energética utilizada. Todas as medidas enunciadas levam ao deslocamento da geração hidrelétrica que, a despeito de estar em condições de gerar energia, não recebem o comando do ONS, o que aumenta inevitavelmente o GSF.

É certo que algumas empresas tentaram obter judicialmente um provimento que limitasse a redução máxima da garantia física em 5%, minimizando, com efeito, o impacto do GSF. No Agravo de Instrumento 0023052-35.2015.4.01.0000/DF, processado junto ao TRF da 1ª Região, a usina SANTO ANTONIO – SAESA - formulou tal pedido. Na ocasião, a SAESA argumentou que “a Garantia Física da UHE Santo Antônio foi definida pela UNIÃO como o montante de energia que poderia ser comercializado no Leilão 005/2007. Esta é a principal condição efetiva da proposta que define a obrigação do Gerador e seu fluxo de recebíveis. Portanto, o parâmetro do risco hidrológico, a Garantia Física da Usina, foi calculada para suportar o risco máximo de déficit de 5% como critério de suprimento”. No presente caso, a antecipação de tutela foi deferida. Também existem outras decisões semelhantes no caso RIALMA, desobrigando a empresa de efetuar depósito de pouco mais de R$ 2,5 milhões em garantias financeiras para a cobertura da diferença entre a energia vendida e a gerada pelas suas usinas. Embora sejam decisões cautelares, elas têm o efeito de criar bons precedentes.

Sabe-se que o aprofundamento do GSF pode levar os geradores às mais diversas consequências, todas com graves repercussões econômico-financeiras, transferindo custos adicionais não previstos aos concessionários. Espera-se, com isso, e a partir dos precedentes do TRF, muitas discussões judiciais a esse respeito, sejam lá as causas responsáveis pela diferença a menor entre a garantia física das usinas e a energia entregue ao sistema.

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*Rodrigo Bernardes Braga é professor do curso de L.LM Direito Corporativo do IBMEC/MG.


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