Todo agente econômico é livre para eleger sua estratégia no domínio da indústria e do comércio. A livre escolha na organização da indústria e do comércio é benéfico ao interesse social. O postulado constitucional tem exceções, justificadas pelo legislador e respeitada pela Administração Pública. Isso se aplica também à autoridade antitruste, guardiã dessa liberdade.
Antes de fechar uma operação de aquisição ou fusão, as empresas interessadas são obrigadas a notificar o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). A obrigação de notificação prévia é somente aplicável àquelas operações que reúnam os requisitos legais. A omissão é grave, pois a integração não pode ser implementada sem a análise do CADE. Em sentido processual, a infração se dá pela falta de notificação, ou pela notificação tardia, ou, ocorrendo esta, pela execução da operação antes da decisão do CADE. Essa consumação prévia é chamada de gun jumping no jargão internacional.
No sentido material, gun jumping se concretiza, em termos gerais, pela transferência de ativos ou troca de informações comercialmente sensíveis entre as empresas signatárias da operação, ressalvadas aquelas necessárias à formalização do instrumento. É um desafio às autoridades sancionar essas infrações de forma adequada. A falta de proporcionalidade nas sanções, sem que haja norma legal clara, pode agredir a liberdade de mercado. O ritmo do mercado e o da autoridade antitruste tendem a ser assimétricos. E apenas uma pequena fração das operações não é aprovada. Por que então sancionar gun jumping se a operação (provavelmente) será aprovada? E para complicar: quando a multa é inevitável e quando deve ser dispensável?
Uso de medida cautelar para sinalizar preocupação ou ausência dela
Iniciado o prazo de análise após a entrada do requerimento, a autoridade, de ofício ou a pedido, poderá acender uma luz vermelha, se for o caso, para sinalizar potencial dano ao mercado. Bastaria uma decisão justificada de medida cautelar, para precaução dos interesses do mercado. Por outro lado, sendo rara a previsão de dano, seria razoável que o agente interessado pudesse requerer cautelarmente a continuidade da operação, pela absoluta ausência de indício de risco ao mercado. Assim o CADE serviria melhor à liberdade do agente, normalmente apressado pela estratégia em consumar a operação.
Irregularidade não cominada
O § 3º do art. 88 da LDC (12.529/11) prevê possível nulidade dos atos privados e multa. Sanção pecuniária depende de regulamentação pelo RI/CADE; na sua falta, a consumação prévia é infração não cominada. Cominar a infração, no sentido material, requer devido processo administrativo e comprovação de uma restrição anticoncorrencial, nos termos do art. 36 da LDC.
Análise da infração sob a regra da razão
O CADE tem um “Guia para Análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica”, divulgado em maio deste ano. Entre outras coisas, esse Guia lembra algumas atividades que podem caracterizar consumação prévia. Destaque-se que a caracterização de gun jumping segue a regra da razão, com respeito a qualquer tipo de atividade (é assim na tradição do CADE e não na jurisdição norte-americana, que aplica a regra per se para analisar atividades típicas de cartel). Isso sugere, sob outro prisma, que a infração não é necessariamente cominada.
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*Antônio Carlos Fonseca, PhD, subprocurador da República, é ex-conselheiro do CADE.