Migalhas de Peso

Os tribunais administrativos fiscais precisam continuar

É crucial que os Tribunais Administrativos Fiscais e o processo administrativo fiscal brasileiro sejam mais prestigiados.

2/7/2015

Com quase um século de história, grande e profícua atividade e muitos trabalhos de elevadíssima qualidade técnica realizados em prol do Brasil, da Administração Pública nacional e dos cidadãos brasileiros, não podem os Tribunais Administrativos Fiscais da nação serem aniquilados, tampouco podem ser desprestigiados e muito menos desrespeitados, desfigurados ou esvaziados. Merecem respeito e merecem também fortalecimento. Precisam ser prestigiados, portanto, e, aliás, agora mais do que nunca, assim como precisam ser também respeitados e prestigiados os seus integrantes, que exercem a difícil tarefa de conselheiros julgadores. Ao contrário, portanto, do que se vem observando atualmente. Especialmente após ter sido deflagrada pela Polícia Federal a intitulada "Operação Zelotes", cujo objetivo divulgado oficialmente seria desarticular organizações criminosas que atuariam junto ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), manipulando o trâmite de processos e o resultado de julgamentos.

Mas é evidente, até mesmo por conta de razões de mínimo bom senso, senão também por inúmeras outras razões de ordem técnico-jurídica, econômica e de gestão pública que com facilidade poderiam ser invocadas, que não se deve, e nem se pode, destruir ou mesmo enfraquecer aqueles entes públicos ou privados que tenham inconteste relevância institucional, haja vista seu notório valor institucional, social, econômico ou histórico, por conta de eventuais, tópicos e específicos problemas que tenham tido ou que venham a ter em algum momento de suas longas existências e atividades. Podem ser aprimorados, mas jamais aniquilados.

Da mesma forma que ninguém de bom senso imagina cabível ou até mesmo útil aniquilar a Petrobrás, por conta dos inadmissíveis e volumosos ilícitos que de uma forma ou de outra têm afetado sua vida desde o início da Operação Lava-Jato, também não se pode destruir, aniquilar e nem mesmo enfraquecer o CARF por conta de eventuais ações ilícitas que alguns tenham feito no contexto do funcionamento quotidiano desse importante Tribunal Administrativo Fiscal, que neste ano completa 90 anos de existência, por exemplo.

Assim sendo, tais Tribunais merecem ser extremamente prestigiados, respeitados e crescentemente fortalecidos, especialmente porque sua história pregressa revela a evidente importância que suas atividades vêm tendo para toda a sociedade e o Estado brasileiros há quase um século, mas também evidencia e indica que muito mais poderão fazer, bastando para isso que haja racionalidade e respeito máximo a diversos mandamentos constitucionais e legais já existentes e que não podem ser simplesmente ignorados por algum centro de interesses a quem, eventualmente, não mais interesse o atual sistema de funcionamento dos Tribunais Administrativos Fiscais no país, nem tampouco interessa o desenvolvimento democrático do processo administrativo fiscal brasileiro, da forma como perfilado pelo ordenamento jurídico contemporaneamente.

A presença paritária e, portanto, equilibrada de conselheiros julgadores representando o Fisco e de conselheiros julgadores representando os contribuintes garante uma composição democrática e equilibrada, que foi há inúmeras décadas por lei estabelecida, revelando-se extremamente positiva e é nota marcante e essencial ao funcionamento desses Tribunais e ao bom desenvolvimento do processo administrativo fiscal. Em verdade, essa composição paritária, em que a própria sociedade civil colabora de forma concreta, participando diretamente e de forma organizada das decisões administrativas que vão sendo tomadas, é a concretização efetiva dos ideais democráticos e, por isso mesmo, os tribunais administrativos fiscais têm tido um desempenho muito mais efetivo que outras instâncias julgadoras da Administração Pública brasileira, em que não há essa composição paritária e em que a figura do julgador se confunde com a figura do agente público.

Também é inadmissível que alusões generalizantes e desrespeitosas para com os conselheiros julgadores representando os contribuintes e, portanto, a própria sociedade civil, muitos deles advogados tributaristas, sejam feitas por quem quer que seja. E são inadmissíveis por inúmeros motivos. O primeiro deles porque por meio de tais declarações têm-se dado a entender que todos os investigados pela Operação Zelotes seriam conselheiros representando os contribuintes, o que simplesmente não procede, pois em verdade a maioria dos investigados foi conselheiro do Fisco. Além disso, feitas tais referências demeritórias da forma como vêm sendo feitas, em caráter generalizante, acabam elas por equiparar todos os conselheiros julgadores representando os contribuintes a agentes criminosos, mesmo a grande maioria não tendo sido investigada, além de estabelecer o vil, inaceitável e inadmissível padrão de que se alguém é conselheiro julgador representando os contribuintes, essa pessoa será também um criminoso, ou pior, no mínimo será um potencial suspeito. Tais manifestações e declarações para além de desrespeitarem a própria Constituição brasileira, são especialmente melífluas e improdutivas, além de serem altamente ofensivas e antidemocráticas, devendo ser imediatamente retiradas, até porque em desacordo com as tendências mais contemporâneas e mais democráticas de uma Administração Pública mais participativa, mais transparente e infinitamente mais respeitosa para com todos os integrantes da sociedade civil. Portanto, atitudes como essas não só não colaboram para a modernização do Estado e da Administração Pública brasileira, como também nutrem o nefasto retorno ao Estado de Polícia.

É crucial, portanto, que os Tribunais Administrativos Fiscais e o processo administrativo fiscal brasileiro sejam mais valorizados e prestigiados, assim como é essencial que os integrantes desses Tribunais sejam adequada e isonomicamente respeitados, bem como seja mantida e aprimorada a salutar paridade de composição. Do contrário, o Brasil não só perderá uma excelente e consistente via alternativa de resolução técnico-jurídica de controvérsias entre Fisco e cidadãos, que ao longo do último século tem sido responsável pela solução altamente qualitativa de intricadas e muito técnicas questões que vão surgindo entre as Fazendas Públicas e os contribuintes, como também perderá a melhor, a mais consistente e mais evoluída forma de participação democrática da sociedade civil na construção de soluções reais e concretas para o seu próprio futuro.

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*Raquel Elita Alves Preto é diretora administrativa do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo.

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