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A transmissão “causa mortis” e a doação de bens localizados no exterior

Como ainda não foi editada a lei complementar a que se refere o art. 155 da Constituição Federal, não podem os Estados disciplinar a incidência do ITCMD sobre a transmissão causa mortis e a doação de bens localizados no exterior.

6/7/2015

Hoje no Brasil o recebimento de herança e a doação de bens implica a incidência do ITCMD – Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação.

Trata-se de um imposto estadual com alíquota máxima de 8%. Em SP e no RJ, por exemplo, a alíquota é de 4%.

Não há dúvidas sobre a obrigatoriedade do recolhimento do ITCMD sobre a transmissão causa mortis e a doação de bens localizados no Brasil, de acordo com as regras de cada Estado.

Todavia, ainda se discute acerca da incidência do ITCMD sobre a transmissão causa mortis e a doação de bens localizados no exterior.

Em SP, o Órgão Especial do TJ, na Arguição de Inconstitucionalidade 0004604-24.2011.8.26.0000, enfrentou o tema e declarou a inconstitucionalidade da cobrança do ITCMD sobre a transmissão causa mortis de bem localizado no exterior.

Entendeu o Órgão Especial do colegiado paulista que

O Constituinte atribuiu ao Congresso Nacional a instituição, mediante Lei Complementar nacional, do imposto sobre transmissão causa mortis de bens localizados no exterior. Desse modo, inexistindo no ordenamento jurídico norma nacional a regular a matéria, não pode a legislação paulista, sem as balizas de Lei Complementar, exigir mencionado tributo. Os Estados não dispõem de competência tributária para suprir ausência de Lei Complementar exigida pela Magna Carta.”

Esse entendimento foi consolidado pelo STF, ao analisar casos como o abaixo transcrito, envolvendo a cobrança do adicional estadual do imposto sobre a renda nos anos 90, sem lei complementar regulando a matéria:

“Adicional estadual do imposto sobre a renda (art. 155, II, da CF). Impossibilidade de sua cobrança, sem prévia lei complementar (art. 146 da CF). Sendo ela materialmente indispensável à dirimência de conflitos de competência entre os Estados da Federação, não bastam, para dispensar sua edição, os permissivos inscritos no art. 24, §3°, da Constituição e no art. 34, e seus parágrafos, do ADCT. Recurso extraordinário provido para declarar a inconstitucionalidade da lei 1.394, de 2-12-88, do Estado do Rio de Janeiro, concedendo-se a segurança.” (RExt 136.215-4 – RJ, Relator Ministro Octavio Gallotti, j. em 18.2.93).

Assim, como ainda não foi editada a lei complementar a que se refere o art. 155 da CF, não podem os Estados disciplinar a incidência do ITCMD sobre a transmissão causa mortis e a doação de bens localizados no exterior.

E como somente poderão fazê-lo após a edição de tal lei, a “lei federal sobre normas gerais” do art. 24, §3º, da CF, em cuja ausência “os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades”, não pode ser entendida como a lei complementar de que trata o art. 155 da Carta Maior.

De se lembrar que a lei complementar é norma que, no ordenamento jurídico brasileiro, possui posição hierárquica superior à lei ordinária e às demais normas, exceto à CF.

Basicamente a sua função é complementar a Constituição (daí o seu nome) e regulamentar, de forma geral, determinada matéria que, por exigência constitucional, deva por ela ser tratada.

Para a promulgação da lei complementar é necessária a maioria absoluta do Congresso Nacional, ao contrário do que ocorre, por exemplo, com a lei ordinária, que exige maioria relativa.

Não é só.

Antes de finalizar este artigo é importante acrescentar que a justiça brasileira não pode intervir nas questões que envolvam bens situados no exterior, sendo obrigatória a realização do inventário e da partilha dos bens nos países onde os mesmos estejam localizados.

Logo, para o inventário dos bens localizados no Brasil a justiça brasileira é competente, mesmo que a pessoa falecida seja estrangeira e tenha residido fora do território nacional.

Portanto, mesmo que a pessoa seja estrangeira, se tiver bens no Brasil, o inventário aqui deverá ser processado.

Em relação aos brasileiros, a justiça brasileira também é competente para proceder a inventário e partilha de bens situados no Brasil.

No entanto, para os bens situados no exterior, revela-se obrigatória a realização de inventário e partilha no país onde os mesmos estejam localizados.

Sobre a matéria, o Código de Processo Civil, no capítulo que trata da competência internacional, estabelece que

compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra, proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional” (artigo 89, inciso II).

Da leitura do dispositivo acima transcrito, por exclusão, pode-se concluir que os bens situados fora do território nacional estão fora da competência da autoridade judiciária brasileira, no procedimento de inventário e partilha.

A competência da justiça brasileira recai, pois, apenas sobre o patrimônio existente no Brasil.

Esse argumento é reforçado pelo julgamento do acórdão no RExt 99.230 – RS, relatado pelo ministro Rafael Mayer e assim ementado:

Partilha de bens. Bens situados no estrangeiro. Pluralidade dos juízos sucessórios. Artigo 89, II do CPC. Partilhados os bens deixados em herança no estrangeiro, segundo a lei sucessória da situação, descabe à Justiça Brasileira computá-los na quota hereditária a ser partilhada, no País, em detrimento do princípio da pluralidade dos juízos sucessórios, consagrada pelo art. 89, II do CPC.”

Ainda nesse acórdão afirma o relator, ministro Rafael Mayer:

“… se pretendemos buscar, no Estatuto Processual em vigor, disposição que solucione o problema, poderemos encontrá-la no art. 89, II, tomado, contudo, a contrario sensu. Com efeito, se por força do que reza o texto, “compete à autoridade brasileira proceder inventário e partilha dos bens situados no Brasil” válido será induzir, por oposição, que “não compete à autoridade judiciária brasileira proceder a inventário e partilha de bens não situados no Brasil.”

Portanto, defende o artigo 89, II do CPC o princípio da pluralidade dos juízos sucessórios, segundo o qual, havendo bens em diferentes países, deverão ser inventariados estes bens em cada um deles, sendo certo que a justiça brasileira não poderá intervir naqueles que estiverem sob a jurisdição de outra nação.

Em resumo:

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*Marcelo Angélico é advogado da banca Angélico Advogados.

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