A execução da pena de multa
Rômulo de Andrade Moreira*
Com a inovação legislativa, o primeiro daqueles artigos passou a determinar que, “transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.”
O escopo principal da referida lei foi, sem sombra de dúvidas, excluir do nosso ordenamento jurídico (ainda que tardiamente) a injustificável conversão da pena pecuniária em privativa de liberdade (inclusive nas contravenções penais: art. 9o. da Lei das Contravenções Penais), possibilidade esta banida da maioria dos países civilizados.
Com a mudança, e ante a impossibilidade absoluta da odiosa conversão, restou a polêmica, hoje travada entre os nossos Tribunais e os melhores doutrinadores, a respeito de qual seria o órgão com atribuições para a execução da pena de multa criminal: a Fazenda Pública ou o Ministério Público.
Temos para nós que tal atribuição será da Fazenda Pública Estadual e o respectivo processo deve ser encaminhado às varas especializadas da fazenda pública, não mais às varas de execução penal. Sobre esta atribuição, modificamos, inclusive, entendimento anterior1, pois hoje pensamos que, independentemente de onde provenha a sentença condenatória, será sempre da Fazenda Estadual a legitimidade para a respectiva cobrança. Neste sentido, oportuna a lição de Araken de Assis:
“Excepcionando a rígida correspondência entre juízo da execução e juízo da ação, tirante a hipótese de coincidir, numa comarca pequena, o juízo penal e o juízo civil, o art. 575, IV, do CPC permite demandar a execução no 'juízo cível competente'. Não interessa, aqui, qual a 'Justiça' que produziu o título, pois o vínculo se dissolve, exceto no que respeita aos títulos produzidos perante o Juizado Especial (art. 3º., § 1º., da Lei nº. 9.099/95). Assim, a sentença penal condenatória da Justiça Federal se executará perante a Justiça Comum [Estadual, acrescentamos], pois a competência daquela Justiça é especial e residual, não se incluindo tal causa no rol do art. 109 da CF/88.”2 Neste sentido, conferir adiante a jurisprudência do STJ.
Com efeito, ao dizer que a multa será considerada dívida de valor e que na sua cobrança serão aplicadas as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, parece-nos que o legislador desejou que a sentença condenatória passasse a ser, após a devida inscrição na dívida ativa, executada pela Fazenda Pública.
É evidente que não estamos a dizer que a partir de então a multa passou a ser um crédito de cunho tributário. Evidentemente que não. Ocorre que a dívida ativa da Fazenda Pública não se resume aos créditos tributários, mas compreende, também, os de natureza diversa: é a dívida ativa não-tributária (ambos são previstos pela Lei n.º 6.830/80, art. 2º., caput, e seu § 2º.).
É exatamente nesta última classe de créditos que se enquadra a multa aplicada em sentença condenatória penal, configurando-se receita diversa da tributária.
Muito clara, a propósito, é a redação do § 2º., do art. 39, da Lei n.º 4.320/64, que traça as normas gerais de Direito Financeiro:
“(...) Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de (...) multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias (...).”
Como dito, em face do disposto no art. 2º. da Lei n.º 6.830/80, que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, a dívida ativa resulta, também, de quaisquer outros débitos para com o Erário, incluindo-se, então, a multa aplicada em sentença penal condenatória; neste caso, a dívida ativa diz-se não tributária.
De qualquer forma, porém, seja dívida ativa tributária ou não para que ela possa ser cobrada judicialmente é imprescindível que o respectivo título esteja devidamente inscrito, e que o crédito a ser recebido seja líquido, certo e exigível, tal como o é, por exemplo, a multa de natureza penal.
Comentando a respeito do assunto, José da Silva Pacheco pergunta:
“Só abrange a dívida ativa a fixada por lei federal, ou pode abranger toda e qualquer dívida ativa, desde que, por força de lei administrativa, federal, estadual ou municipal, seja inscrita em livro próprio?” ( grifo nosso).3
Depois de responder afirmativamente, o autor adverte que deve a Fazenda Pública considerar também necessária a inscrição regular daquela dívida de natureza não-tributária.
Este mesmo autor, comentando agora a Lei de Execução Fiscal, afirma que a dívida ativa não tributária “abrange os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os decorrentes de empréstimos compulsórios, contribuições fixadas em lei, multas de qualquer origem ou natureza, desde que não sejam tributárias, foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação, custas processuais (...)” (grifo nosso).4
O eminente jurista Seabra Fagundes já lecionava que “as dívidas ativas do Erário podem ser de duas espécies: dívidas fiscais propriamente ditas e dívidas fiscais por equiparação legal às fiscais por força de lei.”5
Observa-se, ainda, que o Decreto n.º 10.902, de 1914, já enumerava três espécies de dívidas ativas da Fazenda Pública, e, entre elas, estava a “dívida equiparada à fiscal por força de lei.”
Ora, a Lei n.º 9.268/96, ao modificar o art. 51, do Código Penal, passou a considerar a multa aplicada na sentença criminal condenatória como dívida de valor, dívida ativa da Fazenda Pública; adverte-se mais uma vez: não é somente o crédito tributário que, depois de inscrito, se transforma em dívida ativa.
Aliás, a redação do citado dispositivo da Lei Penal, como vimos acima, é de uma clareza solar: refere-se à dívida de valor, dívida ativa, Fazenda Pública e legislação específica, tudo a indicar, insofismavelmente, a mens legislatoris.
Já na Exposição de Motivos desta lei, vislumbra-se, claramente, que a preocupação do legislador foi adotar um procedimento mais célere e mais eficiente, exatamente o previsto na Lei n.º 6.830/80 (Diário do Congresso Nacional, 24/8/95, p. 19.427).
Note-se que por força do art. 5º. da Lei n.º 6.830/90, a competência para julgar a execução da dívida ativa da Fazenda Pública exclui a de qualquer outro juízo (inclusive o da Vara de Execuções Penais).
Costa e Silva, por sua vez, ensina:
“Destarte, constituem dívida ativa, além da tributária, as provenientes de (...) multas de tributos e de outras origens (...).
“Portanto, qualquer valor cuja a cobrança seja atribuída por lei à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e respectivas autarquias, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública, não importa a origem, tributária ou não tributária, contanto que submetida à prévia inscrição, consoante veremos seguidamente.” (grifo nosso).6
Ressalte-se que na cobrança da multa, a Fazenda Pública estará atuando como um ente do Estado/Administração, fazendo valer um título executivo proveniente do Estado/Juiz; ambos pertencem ao Estado (lato sensu), detentor do jus puniendi.
Neste sentido, veja-se a lição de Fábio Fanucchi:
“Desde o instante em que o Estado obrigue o indivíduo a um pagamento em moeda tendo como motivo e razão exclusiva a prática de um ato ilícito (prática de crime ou contravenção, inobservância de preços tabelados, falta de fornecimento de dados exigidos em lei, atraso ou não pagamento de tributos etc.), não estará exercendo seu poder tributante mas, isto sim, outro tipo de autoridade (jus puniendi).”7
Não é necessário gastar doutrina nem jurisprudência para respaldar o nosso entendimento; a título de ilustração, no entanto, veja-se o que escreveu o Juiz Federal Antonio Cláudio Macedo da Silva:
“Não efetuado o pagamento da pena de multa, no prazo de dez dias do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a referida multa, convertida em dívida de valor desde o trânsito em julgado da sentença penal, será cobrada como dívida ativa não-tributária da Fazenda Pública, para o que serão extraídas cópias da sentença e da certidão de seu trânsito em julgado, enviando-se à Procuradoria Fazendária federal ou estadual, conforme tenha sido a condenação proferida pela Justiça Estadual ou Federal, que se encarregará de, na forma da legislação em vigor, inscrever o débito na dívida ativa e promover a sua cobrança.”8 (grifo nosso).
Luiz Flávio Gomes, por sua vez, não discrepa:
“O réu tem dez dias para pagar a multa espontaneamente no juízo criminal mesmo (não foi revogado o art. 50 do CP). Não efetuado o pagamento, extrai-se certidão da condenação, que será enviada à Fazenda Pública para inscrição. A partir daí é pura ‘dívida de valor’, sem nenhum reflexo na liberdade do condenado, e já não será correto falar em prescrição penal, senão em prescrição (de crédito) civil.”
Este mesmo autor, ao final de suas considerações, afirma textualmente que a multa “deixa de ser um assunto penal e passa a ser um assunto fiscal, inclusive no que concerne à prescrição.” 9
Diz Damásio:
“Transitada em julgado a sentença condenatória, o valor da pena de multa deve ser inscrito como dívida ativa em favor da Fazenda Pública. A execução não se procede mais nos termos dos arts. 164 e s. da LEP: deixa de ser atribuição do Ministério Público. (...) A execução passa a apresentar caráter extrapenal, a ser promovida pela Fazenda Pública.” (grifo nosso).10
No mesmo sentido, outro grande penalista, Livre-docente da Universidade de Roma:
“Inscrita a dívida correspondente à pena pecuniária, será ela cobrada tal qual um crédito tributário, mediante execução fiscal.”11
Não diverge Romeu de Almeida Salles Jr.:
“A execução da multa não se faz mais conforme os arts. 164 e s. da Lei de Execução Penal, devendo ser promovida pela Fazenda Pública e não pelo Ministério Público.”12
“Com o advento da Lei n.º 9.268/96 que deu nova redação ao art. 50 do Código Penal, a multa passou a ser considerada dívida de valor e a ter caráter extrapenal. Sua execução passou a ser regulada pela Lei n.º 6.830/80, necessitando da respectiva inscrição na dívida ativa e sendo ajuizada pela Fazenda Pública. Recurso improvido.”(Recurso Especial 175909/SP (98/0039356-0), DJ 21/9/98, p. 99, 1ª. Turma, Min. Garcia Vieira, unanimidade).
“De acordo com o ‘novo’ art. 51 do CP, a multa imposta em sentença penal condenatória é considerada dívida de valor, devendo ser cobrada segundo a Lei n.º 6.830/80. Por essa razão, será inscrita em dívida ativa, e será reclamada via execução fiscal movida pela Fazenda Pública, falecendo legitimidade ativa ao Ministério Público.” (Recurso Especial 180921/SP (98/0049330-1), DJ 19/10/98, p. 81, 2ª. Turma, Min. Adhemar Maciel, unanimidade).
“Multa imposta em processo criminal (Código Penal – art. 51) Lei 9.268/96 – Cobrança – Ilegitimidade do Ministério Público Estadual – Legitimidade da Fazenda Pública. Desde o advento da Lei 9.268/96, compete ao Estado, através de seus procuradores, cobrar dívida correspondente à pena de multa, imposta em processo criminal (CP art. 51). O Ministério Público carece de legitimidade para tal cobrança.” (Acórdão unânime da 1ª. S do STJ – Conflito de Atribuições 76/RJ – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – j 28.4.99 – DJU-e 31.5.99, p. 71 – ementa oficial).
“Multa imposta em processo criminal (Código Penal – art. 51) Lei 9.268/96 – Cobrança – Ilegitimidade do Ministério Público Estadual – Legitimidade da Fazenda Pública. Desde o advento da Lei 9.268/96, compete ao Estado, através de seus procuradores, cobrar dívida correspondente à pena de multa, imposta em processo criminal (CP art. 51). O Ministério Público carece de legitimidade para tal cobrança.” (Acórdão unânime da 1ª. T do STJ – Resp 175.911/RJ – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – j 11.5.99 – DJU-e 1 14.6.99, p. 115 – ementa oficial).
Observa-se que ainda mais recentemente decidiu o STJ que “a cobrança da multa penal incumbe à Procuradoria da Fazenda Estadual. Conflito que não se estabelece com a Fazenda Nacional por ser da alçada estadual a cobrança.” (Conflito de Atribuições nº. 105, Paraíba, 1ª. Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 18/12/2000, v.u., DJU 5/3/2001).
Vejamos outro julgado:
“STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 274.443 – SP (2000/0086465-0) (DJU 7.10.02, SEÇÃO 1, P. 279, J. 10.9.02). RELATOR: MINISTRO FELIX FISCHER. EMENTA: PENAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE MULTA PENAL. ART. 51 DO CP. LEGITIMIDADE. I – A nova redação do art. 51 do CP não apenas proibiu a conversão da pena de multa em detenção, no caso de inadimplemento, considerando-a dívida de valor, mas também determinou a aplicação da legislação pertinente à dívida ativa da Fazenda Pública. II – Não havendo o pagamento espontâneo, caberá à Fazenda Pública execução da multa, o que, todavia, não lhe retira o caráter punitivo. Recurso provido.”
Por solicitação da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, o Juiz de Direito paulista, Dr. José Ernesto de Souza Bittencourt Rodrigues também concluiu, em alentado estudo, neste mesmo sentido13, assim como Sérgio Mazina Martins14, Vera Regina de Almeida Braga15, além do Grupo de Estudos do Setor das Execuções Fiscais da Fazenda Pública de São Paulo16 e do enunciado XIV do I Encontro dos Magistrados dos Juizados Especiais do Estado do Rio de Janeiro, segundo o qual “a multa não paga é considerada dívida de valor e deve ser executada no Juízo fazendário”.17
Nada obstante, algumas questões são postas por aqueles que pretendem legitimar o Ministério Público para essa tarefa. Vejamos cada uma delas:
1ª.) Diz-se, então, que sendo dívida de valor, a execução da multa atingiria os herdeiros do condenado, ferindo o disposto no art. 5º., XLV, segundo o qual “nenhuma pena passará da pessoa do condenado.”
Tal dispositivo não pode ser considerado óbice ao entendimento ora posto, tal como explica aquele mesmo Juiz Federal, anteriormente citado:
“O fato de ser uma dívida de valor decorrente de uma multa penal, a ser cobrada dos herdeiros do de cujus, respeitados os limites das forças da herança, não a faz incidir sobre o patrimônio do herdeiro antes da aquisição da herança, o que, aí sim, configurada uma inconstitucionalidade, pois faria incidir sobre o patrimônio de pessoa diversa o efeito da condenação criminal de natureza pecuniária.
“E nem se objete com o argumento de que a aquisição do acervo hereditário se dá na data do óbito (cf. CC, arts. 1.572 et seq.), pois tal fato não influencia o raciocínio, haja vista que o monte partível herdado no momento da abertura da sucessão, que corresponde à data do óbito, pelos herdeiros, consiste no acervo resultante dos créditos, diminuídos dos débitos existentes à época do óbito, o que será apurado ao depois, na forma da legislação em vigor.”18
2ª.) A Lei Complementar n.º 79/94, que criou o Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN, determina, no seu art. 2º., V, que constitui recurso do FUNPEN as “multas decorrentes de sentenças penais condenatórias com trânsito em julgado.”; afirma-se, por isso, que a receita proveniente da execução fiscal da multa iria para um Fundo Nacional, mesmo tendo sido cobrada pela Fazenda Estadual, o que seria inconcebível.
Responde-se com o já citado Juiz de Direito da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, Dr. José Ernesto de Souza Rodrigues:
“Ademais, por não se tratar de tributo, também não cabe argumentar que ‘o fato gerador (crime de competência da Justiça Estadual) vincula a arrecadação (fundo estadual)’, pois estaríamos confundindo institutos de direito tributário, com taxativa disposição legal criminal em contrário, apenas para justificar a conveniência do recolhimento a fundo estadual, o que não pode prescindir da formal análise de sua possibilidade jurídica, que no caso não existe.” (trabalho já referido).
Ainda no que concerne a este aspecto, observa-se que a citada lei complementar foi regulamentada pelo Decreto n.º 1.093/94 que determina que os recursos constitutivos do FUNPEN (entre os quais estão as multas criminais) serão depositados pelos respectivos gestores públicos, responsáveis ou titulares legais. Nada impede, portanto, que a Fazenda Estadual execute a dívida e remeta ao FUNPEN o produto da arrecadação, mesmo porque tais recursos poderão reverter, novamente, aos cofres estaduais, tal como expressamente previsto no art. 6º., do mesmo decreto, tudo a depender de “acordos, convênios, ajustes ou qualquer outra modalidade estabelecida em lei.” (arts. 5º. e 6º.).
3ª.) Impossibilidade do executado, em uma vara sem competência criminal (como são as varas da Fazenda Pública), poder argüir em sua defesa matéria pertinente à nulidade do processo penal originário.
Acontece que o § 2º., do art. 16, da multicitada Lei n.º 6.830/80, prevê a possibilidade de que o executado, no prazo dos embargos, alegue toda a matéria útil à defesa, inclusive podendo “requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas”, o que resolve o problema.
A esse respeito a advogada Vera Regina de Almeida Braga, mestra em Direito Penal pela USP, acrescenta:
“Matéria útil à defesa pode abranger várias alegações, tais como: nulidade do processo penal que condenou o executado à pena de multa, a qual deu origem à dívida ativa que está sendo cobrada por meio de executivo fiscal, por força do art. 51, do Código Penal; prescrição da pretensão executória da pena de multa; decisão judicial contrária à prova dos autos, ou, ainda, qualquer alegação que envolva decisão proferida no juízo criminal.”
A mesma autora, socorrendo-se do art. 1º., da Lei n.º 6.830/80 (in fine) e art. 265, IV, b, do Código de Processo Civil, esclarece que “efetuada qualquer alegação, em sede de embargos à execução, que determine a desconstituição da decisão proferida perante o juízo criminal que originou a inscrição da Dívida Ativa, o juízo da execução suspenderá o processo até que ocorra pronunciamento do juízo criminal competente a respeito da matéria alegada pelo embargante.” (trabalho acima citado).
Assim, em nosso entendimento, o Ministério Público não mais possui legitimidade para execução da multa aplicada na sentença penal condenatória.
Por fim, fazemos apenas uma ressalva no que diz respeito à multa aplicada nos Juizados Especiais Criminais. Aqui, contrariamente ao que afirmamos neste trabalho, a multa (seja acordada na transação penal, seja aplicada na sentença condenatória) deve ser paga na Secretaria do Juizado Especial (FUNPEN – Lei Complementar n.º 79/94 e Decreto n.º 1.093/94); se não for paga, não se transforma em dívida de valor, pois o art. 51 do Código Penal é regra geral que não se aplica às leis especiais por força do art. 12, CP, devendo, neste caso, ser executada no próprio Juizado Especial, utilizando-se a Lei de Execução Penal (art. 164); não pode, porém, ser convertida em privativa de liberdade, pois o art. 182 da Lei de Execução Penal foi expressamente revogado pela Lei n. 9.268/96, nem em restritiva de direitos por não haver em nosso ordenamento jurídico regra disciplinadora desta conversão, o que a torna impossível de ser concretizada. Acrescentamos, ainda, o entendimento de Ada, Scarance, Gomes Filho e Luiz Flávio, segundo o qual a Lei nº. 9.268/96 não afetou a competência dos Juizados Especiais Criminais, de modo que a execução das “multas aplicadas em infrações de menor potencial ofensivo e resultantes de transações ou de sentenças proferidas nos Juizados Especiais compete ao próprio Juizado, por força de imposição constitucional (art. 98, I). Não fosse a exigência decorrente de preceito da Carta Magna e restaria a circunstância de que a imposição da multa aplicada nas transações deve ser mantida em sigilo, não podendo constar de certidão de antecedentes criminais (art. 76, § 6º.), o que não se coaduna com a publicidade da inscrição da dívida ativa e da cobrança perante o juízo da Fazenda Pública. O mesmo argumento pode ser invocado em relação à multa imposta em sentença, pois, efetuado o pagamento, a condenação não ficará constando dos registros criminais, conforme art. 84, parágrafo único. Por tudo isso, entende-se que a Lei nº. 9.268/96 não afetou a competência do Juizado para a execução da pena de multa ”.19
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1Graças a uma intervenção da Drª. Sandra Urânia Silva Andrade em uma aula que proferimos na Escola Superior da Magistratura do Estado da Bahia.
2Manual do Processo de Execução, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 8ª. ed., p. 226.
3Tratado das Execuções – Execução Fiscal, São Paulo: Saraiva, p. 108.
4Comentários à Lei de Execução Fiscal, São Paulo: Saraiva, 1988, p. 10.
5O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, Rio de Janeiro: Forense, 3ª. ed., p. 355.
6Teoria e Prática do Processo Executivo Fiscal, AIDE Editora, 2ª. ed., p. 44.
7Curso de Direito Tributário Brasileiro, Vol. I, IBET, 4ª. ed., p. 53.
8Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, n.º 17, págs. 127/131.
9Repertório IOB de Jurisprudência, n.º 10/96, p. 180.
10Código Penal Anotado, São Paulo: Saraiva, 9ª. ed., p. 174.
11Paulo José da Costa Jr., Comentários aos Crimes do Novo Código de Trânsito, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 40.
12Código Penal Interpretado, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 108.
13Tribuna da Magistratura, Caderno de Doutrina, março de 1997.
14Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, n.º 21, p. 246.
15Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais n.º 59.
16Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais n.º 47.
17Boletim dos Juizados Especiais, Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, novembro/dezembro de 1997.
18Ob. cit., p. 129.
19Ob. cit. p. 69.
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*Promotor de Justiça e Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça.
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