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Direito Administrativo sancionador e sistema financeiro nacional: breves notas

Desde 1994 o legislador pátrio vem alterando o Código de Processo Civil como forma de torná-lo um efetivo instrumento da aplicação do direito, sendo certo que a Emenda Constitucional nº 45 de 2004 alçou ao patamar de garantia constitucional a celeridade da tramitação do processo.

17/3/2006


Direito Administrativo sancionador e sistema financeiro nacional: breves notas


Fábio Medina Osório*


O Direito Administrativo Sancionador se presta à tutela das mais variadas relações jurídicas. Das relações de sujeição especialíssima, como aquela em que o Estado tutela presidiários de máxima periculosidade, até relações de sujeição geral, como a que se dá entre os cidadãos/contribuintes e o Estado, há uma gama muito variada e complexa de relações. Pode-se, desde logo, insinuar (a existência de) uma grande e vasta divisão entre relações de sujeição especial ou geral, com significativas oscilações de intensidade e de tipologia dos direitos em jogo. As variações repercutem nos direitos e vínculos reconhecidos, mas não inibem a constatação de que o Estado-Administrador, tanto quanto o Estado-juiz, ao atuar perante os administrados/jurisdicionados, está subordinado à processualidade intrínseca ao Direito Administrativo e, em se tratando da esfera punitiva, vinculado a um devido processo legal repleto de direitos fundamentais. Tais conseqüências, longe de se situarem no plano puramente abstrato de um Estado de Direito proclamado cinicamente, exigem esforço de reconhecimento e concretização, movimento fundamentado nos critérios da boa hermenêutica.


No sistema financeiro nacional, observa-se a movimentação de atores que se orientam pelo princípio da iniciativa privada e da autonomia de vontade. Talvez não haja segmento mais impactado pela globalização do que este, considerando a velocidade do fluxo de capitais e de operações. Os agentes reguladores devem ter a necessária sensibilidade para perceberem e diagnosticarem comportamentos tidos como transgressores, a partir da idéia de que a esfera privada de negócios supõe espaço a riscos e condutas mais agressivas. Nesse sentido, a legalidade é um marco referencial com distintas funcionalidades, a saber: (a) para os atores privados, um parâmetro tênue, enriquecido pelas regras de mercado; (b) para os agentes reguladores, um parâmetro rígido, dotado de aberturas para integrações administrativas, porém sempre respeitado o lastro de segurança jurídica para os administrados.


O panorama do sistema financeiro nacional não pode transformar-se numa “selva”, desprovido de leis e regras claras, mas tampouco pode restar engessado por posturas regulatórias excessivamente abertas e flexíveis, imunes ao marco da legalidade. Como conciliar tais exigências, à luz do Direito Administrativo Sancionador? Percebe-se a importância de as infrações serem definidas, em seus traços fundamentais, na legislação. Observa-se que as integrações das chamadas “normas em branco” devem obedecer ao princípio da racionalidade e previsibilidade das proibições, situando-se dentro da esfera programada pelo legislador. Não se toleram proibições erigidas caso a caso, nem, muito menos ainda, proibições arbitrárias, desprovidas de razoabilidade. Dentre os princípios informadores do substrato das normas sancionadoras, deve-se considerar a necessária margem de riscos e de amplos movimentos aos agentes do mercado, os quais atuam em conformidade com suas liberdades, regras e princípios globalizados do sistema financeiro.


Um equívoco comum é o de atribuir a um Direito Administrativo Sancionador demasiado rígido o papel de regular mercados necessariamente abertos. Semelhante distorção gera desdobramentos perversos, tais como, abertura à corrupção ou ineficiência de reguladores, engessamento do mercado, criação de riscos intoleráveis, fomento à cultura da transgressão. Desta sorte, o devido processo legal, fonte dos direitos fundamentais relacionados à pretensão punitiva do Estado, exige e orienta uma necessária conformação legislativa dos ilícitos, senão inteiramente, com certeza em níveis que traduzam densidade normativa compatível com o ideário de segurança jurídica, justiça e interdição à arbitrariedade.

___________


*Advogado/RS. Doutor em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madrid. Mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor nos cursos de mestrado e doutorado da UFRGS, onde oferece a disciplina “Princípios de Direito Administrativo Sancionador”. ex-Promotor de Justiça/RS. ex-Secretário-Adjunto de Estado da Justiça e da Segurança/RS. Autor do livro: Direito Administrativo Sancionador, 2ª edição, RT, SP, 2006.




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